Flavia Guerra

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Opinião

Critics Choice 2024 esquece Scorsese e confirma fenômeno 'Barbenheimer'

Em linhas gerais, pode-se afirmar que o Critics Choice confirmou o fenômeno "Barbenheimer" que varreu os cinemas do mundo em 2023. Indicado em 13 categorias, "Oppenheimer" levou oito prêmios, incluindo os cruciais de Melhor Filme, Melhor Direção (para Christopher Nolan) e Melhor Elenco e Melhor Ator Coadjuvante para um engraçado, mas que guarda as críticas negativas e os rancores Robert Downey Jr.

Já "Barbie" era o campeão de indicações, com 18 no total, levou seis prêmios. Destes, Melhor Comédia e um estratégico de Melhor Roteiro Original, confirmando o que a atriz America Ferrera afirmou. Greta Gerwig tem um "incrível talento como cineasta" e "a gente não tem dificuldade em atingir a excelência nas bilheterias e cinematográfica com seu trabalho".

De fato. Ainda que existam os "team Barbie" e os "team Oppenheimer", ou seja, os fãs de cada filme tão opostos, eles se revelaram complementares, pelo menos na dura tarefa (até para os grandes blockbusters com todo o serviço do marketing a seu favor) de lotar os cinemas no mundo pós-pandemia e pós-tudo. E o mais difícil: com boas histórias, que não subestimam a inteligência de seu público. "Barbie" se tornou o primeiro filme dirigido por uma mulher (direção só dela) a bater US$ 1 bilhão em bilheteria. "Oppenheimer" chegou perto e faturou US$ 951 milhões.

São dois grandes filmes que, a julgar pelo Critics Choice, Globo de Ouro e outras listas de indicações de prêmios dos profissionais da indústria, como o SAG (prêmio dos atores de hollywood), o PGA (prêmio dos produtores de hollywood) e o BAFTA (o "Oscar" britânico), devem repetir o sucesso nas próximas premiações, o que torna a temporada um tanto previsível e o Oscar também.

No entanto, há alguns pontos a serem analisados. Em geral, como disse o próprio Paul Giamatti ao receber o troféu de Melhor Ator por "Os Rejeitados" (uma das poucas surpresas noite, sobre a qual falamos logo mais), críticos "são durões, amam falar, discutir e amar o cinema" e, por que não, problematizar e fugir do óbvio.

Ainda assim, críticos também podem sucumbir ao fenômeno de popularidade e confirmar algumas obviedades da temporada. Se (quase) todos amam odiar os críticos, qual o papel da crítica em um mundo em que, como bem apontou o artigo do Guardian — Quem precisa de críticos de cinema quando os estúdios podem ter certeza de que os influenciadores elogiarão seus filmes?. Mais do que nunca, o Critics Choice tem o desafio de manter seu prêmio também relevante.

 Ruth De Jong, Alden Ehrenreich, Emma Thomas, Emily Blunt, Cillian Murphy e Christopher Nolan aceitam o prêmio de Melhor Filme de 'Oppenheimer'
Ruth De Jong, Alden Ehrenreich, Emma Thomas, Emily Blunt, Cillian Murphy e Christopher Nolan aceitam o prêmio de Melhor Filme de 'Oppenheimer' Imagem: Getty Images for Critics Choice

Mas há momentos em que os críticos pensam exatamente com o público e esta dobradinha Barbenheimer no Critics Choice é um exemplo. E não é necessariamente ruim, claro. Nolan reconheceu o apoio que teve da crítica e declarou: "Quero agradecer a todos os críticos que nos ajudaram a convencer o grande público a ver um filme sobre física quântica e o apocalipse." Não que seu filme seja sobre física quântica, mas, enfim, convencer o público a empatizar com o "pai da Bomba Atômica" realmente é um feito.

Por outro lado, houve prêmios não tão previsíveis na noite e agradecimentos, principalmente do pessoal das séries, para o olhar atento dos críticos para histórias que passariam despercebidas se não fosse a crítica jogar luz sobre pérolas como "Succession", "O Urso", entre outras.

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Houve também boas surpresas que podem bagunçar a unanimidade, como o já citado prêmio de Melhor Ator para Paul Giamatti por "Os Rejeitados" e o de melhor roteiro adaptado para "American Story" , duas categorias que muitos apostavam que seriam vencidas por Cillian Murphy e "Oppenheimer". Os prêmios de Atriz Coadjuvante para Da'Vine Joy Randolph e Melhor Ator Jovem para Dominic Sessa, ambos por "Os Rejeitados", também esquentam as categorias para o Oscar.

Cadê o Scorsese?

Lily Gladstone (Mollie) e Martin Scorsese no set de "Assassinos da Lua das Flores"
Lily Gladstone (Mollie) e Martin Scorsese no set de "Assassinos da Lua das Flores" Imagem: Divulgação / Apple Original Films

Em contrapartida, grandes filmes como "Assassinos da Lua das Flores" saíram sem sequer um prêmio da noite. Emma Stone levou o de Melhor Atriz por sua performance impecável em "Pobres Criaturas", que concorria também em 13 categorias, e "Oppenheimer" levou categorias técnicas como fotografia, Edição, Melhor Trilha Sonora, Melhor Efeitos Visuais.

A questão aqui é, para além de ser justo ou não, é como um prêmio dado pela crítica, sempre tão atenta aos pormenores das produções, concede sua premiação de 2023 sem sequer lembrar de Martin Scorsese em uma categoria?

Se pensarmos que o prêmio é concedido pela Associação de Críticos dos Estados Unidos e Canadá (American-Canadian Critics Choice Association), é natural que temas que dizem mais respeito ao imaginário dos EUA estejam em evidência. "Oppenheimer" é certeiro ao mexer com as questões de poder, guerra, política, fascínio pelo poder e a questão bélica eterna que rege o imaginário norte-americano. Nos últimos anos, o Critics Choice abriu para membros de outros países, inclusive o Brasil, mas ainda não representa uma fatia considerável dos votos. Ao todo, são 560 votantes, sendo 20 estrangeiros.

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Seria o filme de Scorsese, que joga a questão histórica do genocídio indígena no ventilador e na tela grande, algo não tão interessante para os votantes do Critics Choice? Será que o prêmio para Emma Stone seja o caso de uma categoria que se dividiu tanto entre Emma, Lily Gladstone ("Assassinos"), Sandra Hullerm (o genial "Anatomia de uma Queda", que levou o de Melhor Filme Estrangeiro), Carey Mulligan (O Maestro), Greta Lee (Vidas Passadas) e Margot Robbie ("Barbie"), que Emma ganhou por muito pouco? De toda forma, quem votou em Emma pode ter se norteado pelo fato de que "Pobres Criaturas" é muito mais construído em torno da performance de Emma do que "Assassinos" na de Lily, que divide mais o tempo de tela com DiCaprio e De Niro, por exemplo.

Não se sabe, mas críticos costumam votar levemente diferente do público e dos profissionais do cinema. Ainda assim, o Critics Choice é considerado um dos termômetros da corrida e da campanha ao Oscar. Naturalmente a Focus Fesatures, produtora de "Os Rejeitados", vai investir na campanha por Giamatti. Esta categoria de Melhor ator pode ser a que "desempata bolão" do ano.

Já "Barbie" levar melhor roteiro original talvez não se repita no Oscar. E nem "American Story" na categoria adaptado, que pode ir pra as mãos de Scorsese e Eric Roth, o que seria justíssimo, ou de Nolan, outra opção mais previsível.

Surpresa boa foi a aposta por "I'm Just Ken" em vez da melancólica "What Was I Made For" (que levou o Globo de Ouro), de Billie Eilish. Quem quer ver um número de Gosling no Oscar levanta a mão!

O fato mesmo é que o hype "Barbenheimer" criou um monstro e ele está devorando até o momento votações e discussões mais cheias de nuances. Se vai continuar esta saga até o Oscar, vamos conferir ao longo da temporada.

TV

Na TV, as escolhas foram também previsíveis, mas justas, com "Succession" levando a de Melhor Série Dramática, Melhor Ator (Kieran Culkin) e Melhor Atriz em série dramática (Sarah Snook). "O Urso" levou merecidamente os de Melhor Ator Coadjuvante em Série Comédia (Ebon Moss-Bachrach) , Melhor Atriz em Série Comédia (Ayo Edebiri) e melhor Ator e Melhor Série Comédia (Jeremy Allen White). "Treta" levou a de Melhor Série Limitada, além de Melhor ator (Steven Yeun), Melhor Atriz em série limitada ou Filme para TV (Ali Wong) e Melhor Atriz Coadjuvante TV (Maria Bello).

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Roman Roy (Kieran Culkin), de "Sucession"
Roman Roy (Kieran Culkin), de "Sucession" Imagem: Macall Polay

A diversidade fez com que Harrison Ford, homenageado da noite que se emocionou e emocionou a plateia, afirmasse que estava feliz em ver no que "a indústria do cinema está se tornando". "Todas as pessoas talentosas que estão tendo oportunidade em que não teria no início da minha carreira. Eu fico muito feliz com isso", declarou.

Quem ficou feliz também foi America Ferrera, que, para muito além de seu monólogo antológico de "Barbie", vem provando que é possível contar histórias de e para um público mais diverso e, muito por isso, sobre Greta, mas falando sobre todas as diretoras e o próprio cinema, "contar histórias de mulheres não diminuiu, mas expande, seu poder". A atriz americana, filha de hondurenhos, ainda agradeceu aos Kens do filme "por serem homens suficientes para apoiar o trabalho das mulheres". Greta deve ser indicada ao Oscar, talvez a única mulher da categoria (Justine Triet, por "Anatomia de uma Queda", seria uma ótima surpresa), mas, mesmo com todo este avanço a que se refere Ford, este ano os bolões já apostam em Nolan.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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