Indicado ao Oscar, 'Eu, Capitão' emociona ao acompanhar saga de refugiados
"Costumo dizer que é um contra-campo", disse o cineasta italiano Matteo Garrone a Splash sobre a decisão de realizar "Eu, Capitão", filme que concorre ao Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional e conta a história chocante de um jovem, mas que é baseada em várias histórias reais de africanos que decidem enfrentar o deserto, a fome, o frio, a prisão, os criminosos e aproveitadores e, por fim, o mar Mediterrâneo e a morte em busca de condições de vida melhor e de seus sonhos.
Premiado no Festival de Veneza 2024 com o Leão de Ouro de Melhor Direção e prêmio de Melhor Jovem Ator - Prêmio Marcello Mastroianni para Seydou Saar, que vive no filme o protagonista Seydou, jovem senegalês que decide emigrar do Senegal para a Itália e se lançar em uma aventura tão mortal quando verídica em busca de seus sonhos.
Para Garrone, jovens como Seydou e os emigrantes são os verdadeiros heróis do mundo de hoje, capazes de realizar uma jornada épica em meio à tragédia humanitária do mundo contemporâneo. "Nós na Itália estamos acostumados a ver sempre, especialmente nas imagens das notícias, dos telejornais, sempre esses barcos que chegam na Sicília, que são resgatados mas sempre da nossa perspectiva, nunca da deles. Então a ideia nasce exatamente do desejo de dar uma forma visual a toda uma parte da viagem que não conhecemos. E tentar humanizar esses números que já estamos acostumados a ouvir há anos", afirma Matteo Garrone.
Diretor de obras sempre duras, mas sempre instigantes como "Gomorra", "Dogman" e "Reality", todos exibidos no Festival de Cannes e também premiados no festival francês e no mundo todo, Garrone faz um cinema sempre humanista, mas jamais subestima a inteligência do espectador ou apela para o sentimentalismo.
Em "Eu Capitão", o diretor é mais carinhoso com seus personagens que em outras obras, mas é compreensível. A jornada real já é surreal por ainda existir no mundo pessoas como Seydou e por existirem discussões e até quem seja contra o resgate das pessoas que naufragam no Mar Mediterrâneo.
"E essa contagem de sempre dos vivos e dos mortos e tentar fazer entender que por trás desses números há pessoas. Há pessoas que têm, assim como nós, os mesmos desejos, os mesmos sonhos, os mesmos direitos. mas de alguma forma para eles não é não é permitido ir e vi, não é permitido descobrir, ver o mundo, buscar oportunidades melhores não é permitido ir e vir, o que deveria ser um dos direitos fundamentais de todo ser humano", completou o diretor.
Tema sensível na Europa e na Itália, a saga dos imigrantes é também universal. Em questão em "Eu Capitão" não está somente a imigração, se é ilegal ou não, mas sim a chance que é dada a uns e a outros não de poder sonhar, movimentar-se, mudar de vida, e, em última instância, ter uma vida e não apenas sobreviver.
"Eu espero que este filme toque as pessoas, os jovens. Não sei se vai tocar, por exemplo, os políticos. Nem sei se eles viram. De qualquer forma, os políticos sabem muito bem que as pessoas morrem por isso. Por viajar para buscar oportunidades melhores, mas o público não espera ver uma história assim e pode sair transformado. Quem trabalha com voluntariado e tem visto o filme já sabe dessas histórias, mas ficam surpresos quando as vêem no cinema. Espero que os jovens assistam, que assistam nas escolas e que recomendem para seus pais. Uma coisa é saber. Outra coisa é ver.", completou o diretor.
De fato, é impossível não torcer pelo jovem Seydou, que enfrenta ao lado do primo Moussa (Moutafa Fall), a brutalidade dos atravessadores, que transportam as pessoas no deserto, já de início. Segue-se uma jornada que envolve assalto, humilhação, prisão, desesperança, mas também amizade, amadurecimento e, ainda que sofrida, a fé na humanidade.
Nos últimos segundos desta longa e dolorosa, mas também esperançosa jornada, o rosto de Seydou enche a tela, em um super close que torna impossível que o espectador se mantenha indiferente a uma crise humanitária que não é só europeia, mas mundial. Ele grita "Io Capitano", à frente de um barco que dependeu dele e de sua resiliência para seguir, e este grito ecoa fundo.
"Io Capitano" é duro, mas um dos mais líricos filmes do ano. Em Veneza, Seydou Sarr, que entra com tudo no mundo do cinema e que torcemos para que faca uma longa carreira, chorou quando recebeu o prêmio em Veneza e foi ovacionado pela plateia que lotou a Sala Grande do Palazzo del Casinò, a sede do festival. "Eu estou realmente feliz. É a primeira vez que eu faço um filme. Eu estou muito feliz e orgulhoso de fazer um filme com Matteo. Sobre minha responsabilidade de contar esta história, me deixou muito feliz fazer este filme e de mostrar exatamente os emigrantes. o que se passa no deserto e no mar", declarou ele à imprensa.
"Eu Capitão" é a primeira indicação de Garrone ao Oscar, mas não deve levar, pois o também ótimo "Zona de Interesse" é franco favorito. Mas a falta da estatueta não interfere em nada na magnitude desta fábula tão contemporânea, real e urgente. Um cinema de autor, em ampla comunicação com o coração do público e com temas urgentes da realidade. Garrone, mais uma vez, prova que é um dos grandes do cinema atual, tanto na Itália quanto no mundo.
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