Flavia Guerra

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Reportagem

Indicado ao Oscar, 'Memória Infinita' não é sobre Alzheimer, mas sobre amor

A lista de prêmios e conquistas de "Memória Infinita", da chilena Maite Alberdi, no circuito internacional é imensa. Estreou no Festival de Sundance 2023, conquistou o prêmio de Melhor Documentário, concorreu no Festival de Berlim 2023, levou o Goya 2024 (o Oscar espanhol) de Melhor Filme Ibero-Americano, foi indicado ao Oscar 2024 de Melhor Documentário e concorre aos Prêmios Platino 2024, considerado o "Oscar do Cinema ibero-americano", que serão entregues neste sábado (20).

O longa foi também exibido na Mostra SP 2023 e, na ocasião, a protagonista do filme, a atriz Paulina Urrutia, conversou com o público ao final das sessões, sempre marcadas por emoção, choro, sorrisos e o fascínio diante de uma história de amor que é maior que o tempo e que a dor da perda da memória.

Agusto Góngora e Paulina Urrutia em cena de "Memória Infinita"
Agusto Góngora e Paulina Urrutia em cena de "Memória Infinita" Imagem: Divulgação

Dito isso, está na hora de conferir "Memória Infinita" na Paramount Plus. O filme merecia uma estreia em tela grande nos cinemas, mas o fato de estar disponível no Brasil já é motivo de grande alegria. O cinema documental vem inovando e sendo tão fascinante quanto o de ficção e perder histórias como a que contam Maité, Paulina e Augusto Góngora, o outro protagonista do longa, chega a ser injusto com o próprio público brasileiro.

Chile e sua longa tradição em fazer documentários geniais

Além da Mostra SP, Paulina também veio ao Brasil para participar da missão que o Chiledoc, a agência de promoção de documentários chilenos no mundo, fez no país durante o DocSP, evento que reúne documentaristas brasileiros e internacionais para debater, participar de workshops, rodadas de negócio e apresentações de projetos.

O documentário é um gênero caro aos chilenos, que são mundialmente famosos por seus filmes tão fortes quanto poéticos e inventivos.

O sucesso de Memória Infinita é um forte exemplo e indício da maestria dos chilenos ao contar histórias que partem da fascinante realidade. É rica a lista de grandes documentaristas chilenos, da escola clássica, com nomes como Patrício Guzman, Ignacio Aguero, Paola Castillo e aos novos talentos com Maite Alberdi.

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"Temos uma agência só para os doc. [...] Temos um acordo de coprodução e queremos de documentários é fomentar as relações de coproduções entre os países desde 1996", comentou a diretora do Chiledoc, Paula Ossandón, a Splash.

"Apesar da proximidade geográfica, apesar das semelhanças culturais e de que nos complementamos nas nossas diferenças, não existem tantos intercâmbios entre o Chile e o Brasil como gostaríamos. Por isso que decidimos vir aqui e tentar colocar produtores chilenos em contato com produtores brasileiros", comentou ela. "É um ótimo momento para trabalharmos juntos, para realizar filmes e para contar nossas histórias", completou.

Mesmo com o acordo e a proximidade, como já apontado, grandes filmes da prolífica produção chilena passam muitas vezes despercebidos do público brasileiro. Vale ficar atento ao que há de disponível no streaming brasileiro. Maite, a propósito, antes de "Memória Infinita", comoveu o mundo e também foi indicada ao Oscar 2021 por "Agente Duplo", disponível na GloboPlay, outra obra genial.

Em tempos de uma onda de "true crimes" e de produções cada vez maior de formatos de não ficção, o brasileiro já provou que adora documentários e descobrir filmes menos óbvios é um grande prazer.

Um filme de amor

Paulina Urrutia e Augusto Góngora vivem amor que é maior que o Alzheimer em "Memória Infinita", indicado ao Oscar e ao Prêmio Platino 2024
Paulina Urrutia e Augusto Góngora vivem amor que é maior que o Alzheimer em "Memória Infinita", indicado ao Oscar e ao Prêmio Platino 2024 Imagem: Divulgação
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É por isso que "Memória Infinita" merece ser descoberto e redescoberto. Um dos mais sensíveis e, ao mesmo tempo, contundentes, filmes que retratam o cotidiano de quem enfrenta o Alzheimer, o filme não é, contudo, sobre a doença em si. Além de retratar quem cuida, acompanha e quem sofre da demência, no caso, Paulina, "Memória Infinita" é, em sua essência, um filme de amor.

É sobre a memória, que tem ou não um fim, mas, mais do que tudo, sobre o amor infinito entre Paulina e o jornalista Augusto Góngorra, um casal que se destaca também pela carreira e importância para a vida cultural e a história contemporânea do Chile e, naturalmente, da América Latina.

Além de atriz, Paulina Urrutia Fernández é diretora, acadêmica, líder sindical e política chilena. Foi Ministra Presidente do Conselho Nacional de Cultura e Artes durante o primeiro governo da presidente Michelle Bachelet entre 2006 e 2010. Já Agusto Góngorra é um dos jornalistas, e comentarista cultural, além de apresentador de TV mais importantes do Chile.

Dedicado a jamais permitir que as novas gerações se esqueçam da memória de seu país e do que significou o período em que seu povo esteve subjugado pela Ditadura de Pinochet, Augusto escreveu livros, abriu a câmera e o microfone para quem nunca tinha tido voz e revelou um Chile tão contraditório quanto fascinante.

Como lidar com o fato de que um homem que escreveu e que carrega a memória do Chile contemporâneo está perdendo sua própria memória? Como acompanhar, sem sofrer com o amargor que o apagar contínuo desta memória traz, a história também íntima do casal Paulina e Augusto?

Cinema de Processo e de Intimidade

A diretora Maite Alberdi e a atriz Paulina Urrutia no Festival de Berlim 2023, quando "Memória Infinita" concorreu na mostra Panorama
A diretora Maite Alberdi e a atriz Paulina Urrutia no Festival de Berlim 2023, quando "Memória Infinita" concorreu na mostra Panorama Imagem: Divulgação/ Berlinale

Maite Alberdi nos coloca dentro da casa, do quarto, da cozinha de Paulina e Augusto. Ela não só não desvia o olhar de momentos emocionantes do casal, mas mantém o foco nos momentos duros e tristes. Para tanto, a diretora deu uma câmera a Paulina, que somente ela seria capaz de captar crises de ansiedade de seu companheiro no meio da noite, longos diálogos consigo mesmo no reflexo do vidro da janela e danças e cantorias espontâneas e encantadoras.

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Este testemunho do cotidiano, que parece muito bem planejado pela diretora foi, na verdade, obra do acaso, ou quase. "Nós tivemos um regime muito rigoroso em matéria do Covid e fomos isolados. As pessoas idosas, com doenças crônicas. Mas isso durou dois anos. Então Maite pensou em deixar uma câmera. E isso de deixar a câmera era deixar a câmera!", contou Paulina.

A cineasta chilena Maite Alberdi, indicada ao Prêmio Platino e ao Oscar 2024 de Melhor Documentário por "Memória Infinita"
A cineasta chilena Maite Alberdi, indicada ao Prêmio Platino e ao Oscar 2024 de Melhor Documentário por "Memória Infinita" Imagem: Divulgação

"Eu não tinha ideia e nem pensava que deixar a câmera com Paulina seria fazer já o filme. Era uma maneira de não perder o contato com eles, antes de poder retomar as filmagens", contou Maite em conversa com Splash no México. "Ela continuou próxima de nós, era sua forma de saber o que é que nós vivíamos. Para mim, isso foi como um diário de vida, em que eu pude compartilhar com alguém, com uma testemunha, o que eu vivia", completou a atriz.

Para a diretora, foi a aceitação de que documentário é o cinema de processo e que não só é preciso estar aberto ao acaso como também pode ser muito bom para um filme. "Eu acompanhei a vida deles, tive acesso a coisas que não teria se eu estivesse filmando. Ou seria diferente. O filme foi construído nesta troca e nesta intimidade", analisou Maite.

"Memória Infinita" mostra como, em vez de isolar o marido Augusto Góngora, que sofre de Alzheimer, a atriz Paulina Urrutia o incluiu em sua vida e na vida pública
"Memória Infinita" mostra como, em vez de isolar o marido Augusto Góngora, que sofre de Alzheimer, a atriz Paulina Urrutia o incluiu em sua vida e na vida pública Imagem: Divulgação

No entanto, não é o Alzheimer, mas a forma livre, criativa e cheia de amor e paciência com que Paulina lida com Augusto que tem encantado as plateias mais jovens, que se apaixonam justamente pela história de amor. "Os jovens veem este filme como uma história de amor. E eu pergunto: 'Vocês estão loucos? Esta é uma história de velhos", brinca Paulina.

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Além do amor e do humor, ela fala com profunda sabedoria sobre o que significa acompanhar alguém na condição de Augusto. Paulina sabe que muitas vezes o acolhimento é a única saída, que, infelizmente, muitas vezes, as crises vão piorar ou voltar, mas que não isolar, não esconder da própria sociedade e não subestimar a inteligência do parceiro é o que os manterá juntos.

"Maite se encantou com a forma com que Augusto sempre participou da minha vida pública neste processo. Ele nunca esteve isolado. O laço de confiança e o carinho é o que nos uniu sempre", analisou a atriz. Desde maio de 2016, Paulina é diretora do teatro Camilo Henríquez.

A diretora, sempre afeita a um cinema de observação, sem entrevistas, sem ser didático, absorveu o cinema de imagens de arquivo em "Memória Infinita". Afinal, seria impossível contar a história e completar um pouco do quebra-cabeça da vida e da memória de Augusto sem as tantas imagens que ele fez para a TV. Da juventude à pandemia, das viagens ao fim do mundo na Patagônia, a memória de um amor nos é revelada com honestidade, simplicidade e emoção.

"Memória Infinita" não é um filme que se assiste incólume, mas vale cada minuto e ressignifica a ideia da construção da memória em várias instâncias, de um país, um povo a um casal e a luta de um homem, tão comum quanto extraordinário, para construir sua memória. Ao fim, o que de fato fica?

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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