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Reportagem

Meryl Streep: 'Homem nenhum vê o filme e se coloca no papel da mulher'

Meryl Streep não é a única, mas é certamente a grande homenageada do Festival de Cannes 2024. Além de receber uma Palma de Ouro pela carreira na noite de abertura do festival, na terça, ela participou de um "rendez-vous" com estudantes, o público do evento (quase em sua totalidade, profissionais do cinema) e da imprensa. Em tempo, George Lucas e o Studio Ghibli, de animações como "A Viagem de Chihiro", também vão receber Palmas de Ouro honorárias este ano.

Na conversa desta quarta, a atriz mostrou porque é, ao mesmo tempo, uma das grandes estrelas do cinema mundial e também uma trabalhadora, que cumpre seu trabalho com criatividade, competência e dedicação, mas não quer "receber telefonemas depois das sete da noite", tempo que dedicou não a produzir filmes, mas sim "produzir filhos e cuidar de sua família".

A propósito, é justamente o fato de ter um trabalho e uma carreira, além de se dedicar à vida amorosa e à família, que, segundo ela, foi o grande diferencial das grandes personagens que viveu. Este é o caso de Karen, de Out to Africa ("Entre Dois Amores", 1985, de Sydney Pollack).

Questionada se as personagens das histórias de amor que viveu eram diferentes e nada óbvias, como Francesca de "As Pontes de Madison" (1995), em que contracenou e foi dirigida por Clint Eastwood, Meryl disse:

As mulheres que vivi são diferentes porque tinham uma ocupação além do homem. Ela (Karen) era uma grande escritora. Ela sobreviveu com a família em uma plantação de café. Ela tinha outra vida, além do marido (Klaus Maria Brandauer) Meryl Streep

Um dos grandes sucessos dos anos 90 e da carreira de Meryl, "Entre Dois Amores" é baseado na história real de Karen Blixen, uma mulher com personalidade forte, talentosa, que se muda da Dinamarca, e muda toda sua vida para o Quênia, onde o marido vai ser administrador de uma plantação de café.

Questionada se hoje o cinema traz mais personagens femininas multifacetadas e complexas do que quando ela começou, a atriz foi contunde e afirmou que a diversidade de personagens femininas, diretoras e grandes sucessos protagonizados por mulheres se deve também às mudanças ocorridas no mercado e na sociedade.

"Todo filme fala de seu tempo. Pode-se fazer filmes para ganhar dinheiro, mas até as comédias bobas, elas estão nos fazendo fugir de algo, de algo do nosso tempo presente. Então, Kramer, sim, falava do feminismo daquela época, do contragolpe ao feminismo, da sociedade da época", declarou ela sobre um dos mais marcantes papeis de sua trajetória, Joana Kramer, que luta pela guarda do filho após se separar do pai do menino (Ted Kramer, Dustin Hoffman) e voltar 18 meses depois.

Lançado em 1979 e dirigido por Robert Benton, "Kramer vs. Kramer" marcou época ao tratar do divórcio, tema ainda tabu à época, com lentes realistas, ainda que hoje muito se discuta a construção e as motivações de Joana, personagem que deu o primeiro Oscar da carreira de Meryl.

"No livro, as motivações que fazem com que a personagem parta não são tão claras, mas Benton não não estava muito interessado no motivo dela ter partido, mas sim em como ele, o pai, Dustin criaria aquela criança, manteria o trabalho, etc.", contou a atriz.

"Eu não sabia que estava fazendo um filme importante assim. Foi realmente parte da discussão sobre divórcio e como criar os filhos depois do divórcio", acrescentou.

Se desde então, as mulheres ganham mais dimensão no cinema, para ela, isso também se deve em grande parte ao poder de decisão sobre o orçamento e a realização dos filmes que as mulheres ganharam ao ocupar cargos de liderança nos grandes estúdios.

"Antes de ter mulheres executivas que dão o sinal verde nos projetos, era muito mais difícil porque os homens realmente não conseguem se ver no lugar da mulher. Se eu vejo "O Franco Atirador" ("Deer Hunter", 1978, de Michael Cimino), eu consigo me ver no lugar dos personagens de Robert De Niro (Michael) e John Savage (Steven). Mas homem nenhum vê o filme e se coloca no papel da mulher, da Linda. A primeira vez que eu fiz um filme e os homens me falavam que entendiam como eu me sentia foi quando eu fiz "O Diabo Veste Prada" Meryl Streep

"'Eu sei como é tomar a decisão sozinho e ninguém te entender', me diziam eles. Era engraçado", contou ela. É exatamente a empatia que, para a atriz, contaminou todas as áreas do mundo com movimentos como o Time's Up, que nasceu entre 2017 e 2018, e abriu caminho para mudanças e movimentos como o #MeToo. "Acho que mudou não só para as atrizes, mas para as garçonetes, as trabalhadoras. Ainda acontece, assédio, mas agora há mais medo também de cometer, de ser pego", afirmou ela.

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