Flavia Guerra

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Reportagem

Coppola em Cannes: 'Há uma tendência à tradição fascista, isso é assutador'

Foi uma sensação de alegria e alívio. Esperança, foi a palavra que Francis Ford Coppola lançou à plateia que lotou o Thêatre Lumière na noite de quinta-feira (16), após a exibição de "Megalopolis" no Festival de Cannes 2024. A estreia mundial de um dos filmes mais aguardados da competição oficial teve, como o cinema do próprio diretor, de tudo. Houve vaias, houve empolgação e aplausos de 10 minutos e houve também quem apenas saísse decepcionado.

Como bem observou a equipe e o cineasta presentes na coletiva de imprensa do filme na tarde desta sexta, "Megalopolis" é um filme sobre sociologia, medicina, ficção cientifica, política e, principalmente, o papel da arte e do artista de questionar e propor reflexão sobre a realidade do mundo. Na trama, Adam Driver vive o arquiteto genial Cesar Catilina Catalina, que em uma Nova York futurista, mas muito similar à contemporânea, quer construir uma cidade do futuro, orgânica, integrada com a natureza, mais equilibrada. Ele enfrenta, no entanto, os poderosos, como o prefeito Franklyn (Giancarlo Esposito), o banqueiro Hamilton Crassus III (Jon Voight) e a opinião pública.

A filha do prefeito, a sagaz e encantadora Julia Cicero (Nathalie Emmanuel) quer se vingar da humilhação que Catalina provocou em seu pai em um evento público e decide se aproximar do arquiteto para, na verdade, traí-lo. Obviamente os planos não ocorrem como previsto e as reviravoltas do roteiro são muitas.

Homens como Donald Trump não estão no comando no momento, mas há uma tendência no mundo em direção à tradição mais neo-direitista, até mesmo fascista, o que é assustador porque qualquer pessoa que viveu durante a Segunda Guerra Mundial viu os horrores que aconteceram e não queremos que isso se repita Francis Ford Coppola

Coppola afirmou a frase acima quando questionado sobre o paralelo que o filme faz com o atual cenário político norte-americano, mas também ampliando para o mundo. "Então, novamente, acho que é papel do artista, dos filmes, iluminar o que está acontecendo no mundo."

"America (EUA) foi fundada com base no ideal da República de Roma. A gente não queria um rei, Roma também não. Então eles inventaram uma nova forma de governo chamada República. A gente descende disso, da lei romana, de todas as coisas que a gente abraçou. A gente até desenhou as cidades para se parecerem como Roma", comentou. "O que está acontecendo no nosso país, nossa república é exatamente como Roma perdeu sua república milhares de anos atrás. É real. E nossa política está nos levando a um ponto em que a gente talvez perca nossa a república e isso é triste."

Cena de 'Megalopolis', de Francis Ford Coppola
Cena de 'Megalopolis', de Francis Ford Coppola Imagem: Divulgação

Sempre inteligente e bem humorado, Coppola ainda aproveitou e jogou para Jon Voight, que vive um banqueiro inescrupuloso na trama, a resposta sobre como construir o futuro melhor mesmo tendo visões políticas muito diferentes (Voight é trompista). "Ele tem uma visão mais conservadora, gostaria que ele também respondesse", argumentou o cineasta.

Voight, além de pai de Angelina Jolie é ator icônico de filmes como "O Campeão", respondeu, mas desconversou com um discurso sobre o que a gente pode fazer para melhorar? "Temos de construir um mundo melhor. Este filme é a visão do Francis, e eu vi desde o início apenas uma parte. Ontem foi magnífico ver tudo, ver tudo que ele enxergou", comentou.

"Politicamente a gente não está no mesmo mundo. E claro que há opiniões diferentes na equipe", completou Coppola.

Tudo é 'mega'

Projeto que desenvolve desde os anos 1980, "Megalopolis" é todo mega. Mega produção, que o próprio estúdio do diretor produziu, com mega elenco, hiperbólico, barroco, prolixo. Mas também é um olhar de um autor que, ao longo de uma vida de altos e baixos, sempre apostou em sua visão, colocou seu próprio dinheiro e sua vida financeira em risco para defender suas ideias.

"Eu não ligo. Eu nunca liguei. Em 2008, durante a crise financeira, eu emprestei 20 milhões de dólares para construir minha vinícola com um modelo que as crianças pudessem fazer algo enquanto os pais produzissem vinho Um lugar para onde as crianças pudessem ir, os pais e também os mais velhos. . Essa loucura se tornou um modelo que o mundo todo quer copiar", comentou o diretor quando questionado sobre como é capaz de se arriscar tanto.

"Este mesmo risco eu ponho em um filme. E meus filhos, sem excepção, Roman (produtor de "Megalopolis") e Sofia (Coppola, cineasta) têm carreiras maravilhosas. Eles não precisam. A gente está bem. O dinheiro não importa. O que importa são amigos", respondeu ele, mostrando que, aos 85 anos, mostra equilíbrio entre repassar sua carreira e vida, em um ensaio de aposentadoria, e, ao mesmo tempo, prepara um novo roteiro e vê o mundo com muito mais otimismo que muitos jovens.

Questionado se, daqui a alguns anos, vai reabrir o corte de "Megalopolis" como fez com diversos de seus outros filmes, o diretor de obras-primas como a saga "O Poderoso Chefão" e "Apocalipse Now", respondeu que abre os filmes quando sente que pode melhorar algo. "E também porque eles são meus, eu os produzo. Então, se sinto que devo reeditar e melhorar, eu faço. Mas o sinal de que nesse eu não devo mexer é que já estou pensando e preparando um novo roteiro, o que é um bom sinal. Mas nunca se sabe, se eu estiver aqui daqui 20 anos...", respondeu.

Irregular e polêmico ao dividir o público cinéfilo e a crítica de Cannes, "Megalopolis" já se prova que indiferente e nulo não vai passar pela história do cinema. Se vai se tratar de uma despedida melancólica ou de uma grande obra que resume a obra e o olhar de uma vida, o tempo, grande personagem do filme (pois Catilina é capaz de "parar o tempo"), assim como o cinema, dirá.

Reportagem

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