Flavia Guerra

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Opinião

Em Cannes, 'Emilia Perez' pode dar a primeira Palma para uma atriz trans

A premissa de "Emília Perez", do francês Jacques Audiard, parece improvável. E é de fato complexa. Rita, uma advogada brilhante e cansada de nunca ganhar o reconhecimento que merece nos casos difíceis que ajuda seu patrão a defender ricos criminosos, recebe uma proposta perigosa, mas sedutora: Ajudar o narcotraficante mais temido do México a realizar um sonho de infância: passar por um processo de redesignação de gênero e auxiliá-lo a também de nome e de vida. Em troca, vai receber milhões em uma conta nas Ilhas Cayman e finalmente ter a vida que sonhou. Para tornar tudo mais intenso, o filme é um musical e não deixa nada a dever para as mais barrocas novelas mexicanas.

Surpreendentemente, "Emilia Perez" funciona. Novo filme do diretor de longas premiados como "O Profeta", que chacoalhou o Festival de Cannes em 2009 e levou o Grande Prêmio do Júri, funciona e de "Deephan", Palma de Ouro em 2015, traz Zoe Saldaña no papel de Rita, a atriz trans espanhola Karla Sofía Gascón como Emilia e Selena Gomez como a mulher de Emilia antes da mudança, quando ainda é Manitas, o violento e poderoso chefe do narcotráfico mexicano.

De tão esdrúxulo, "Emilia Perez" é instigante e um dos filmes mais interessantes da competição do festival até o momento. Enquanto outros diretores geniais como Yorgos Lanthimos, de "Kinds of Kindness" (Tipos de Gentileza), e Francis Ford Coppola (de "Megalopolis") não trazem propostas exatamente inovadoras, Jacques Audiard extrapola o tom para contar uma história operística e trágica, repleta de tensão, paixão, violência e até paixão.

Bem dirigido, meticuloso na construção de cada cenário e número, o longa também é kitsh e beira o brega em alguns momentos. Mas, por outro lado, convida o espectador a embarcar em um musical que foge aos padrões edulcorados de Hollywood e a mergulhar na contradição entre a realidade latino-americana, nos dramas de uma mulher trans que quer deixar seu passado para trás e construir uma nova vida, mas que está no fio da navalha o tempo todo. Afinal, não se apaga uma trajetória de violência e brutalidade tão facilmente. É sobre o caráter trágico da vida, num tom operístico, que opera "Emilia Perez".

Baseado em um capítulo do livro do autor francês Boris Razon's, "Écoute" ("Escute"), "Emília Perez" se arrisca ao fazer esta geleia geral, tanto por navegar por uma realidade sociocultural que não domina, mas se mantém fiel a sua própria tradição de navegar por temas e gêneros muito diferentes e em universos que também descobre no processo de escrita.

Audiard co-escreveu o roteiro de "Emilia Perez" com Thomas Bidegain, parceiro de longa data. O compositor e arranjador francês Clément Ducol e a cantora francesa Camille, que escreveu as canções do filme. Como musical, o filme é irregular, oscilando entre número que fluem muito bem, em tons de comédia e drama leve, ou que se levam a sério demais, com mão pesada demais.

Abraçando o melodrama com força e intensidade, "Emilia Perez" curiosamente se revela um dos destaques de uma competição até agora morna, com exceção do inglês "Bird", de Andrea Arnold. Zoe Saldana e Selena Gomez estão bem em cena e também fluem bem pelo musical, gênero nada fácil de se performar, mas é Karla Sofía Gascón quem rouba a cena. Não é exagero apostar que Karla pode ser a primeira atriz trans a levar uma Palma de Ouro de Melhor Atriz. Famosa por estrelar diversas novelas mexicanas, Karla entrega uma atuação contundente e (melo)dramática na medida que o projeto pede.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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