Flavia Guerra

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Reportagem

'Motel Destino' é thriller que leva erotismo e tensões do Brasil a Cannes

Um thriller noir tropical, um drama sobre liberdade com pés no melodrama, um thriller erótico. "Motel Destino", novo filme de Karim Ainouz que concorre à Palma de Ouro de Cannes 2024, é tudo isso.

Fico muito orgulhoso de representar o Brasil. É a celebração da nossa capacidade de cicatrização, fico muito feliz que a gente possa estar de volta celebrando a liberdade e o vigor não só do cinema, mas de um país. Karim Ainouz, em entrevista exclusiva para Splash.

O longa estreou no festival com direito a forró no tapete vermelho, muita empolgação da plateia que foi puxada pelos brasileiros presentes a também dançar ao som do forró e que aplaudiu por cerca de sete minutos essa história de amor, paixão e tensão que também é metáfora da própria sociedade brasileira, com todas suas contradições e belezas.

Karim concorre pelo segundo ano consecutivo à Palma, pois em 2023 integrou a seleção oficial com o drama de época "Firebrand", em que conta a história da rainha Katherine Parr (Alicia Vikander), a última das seis mulheres de Henrique 8º, vivido por Jude Law.

"Estou com a equipe, que admiro. Foram muitos dias de trabalho, a contribuição de todos foi muito bem-vinda. Houve muita troca. Isso faz nascer um filme. A gente veio celebrar da melhor forma possível. Estou muito feliz de estar aqui", comentou Fabio Assunção, que vive Elias, dono do Motel Destino, que ele administra com a mulher Dayana (Nataly Rocha), a quem controla com uma agressividade que explode em pequenas-grandes violências no dia a dia do motel.

Karim Aïnouz
Karim Aïnouz Imagem: Divulgação/Maria Lobo

Quando Heraldo (Iago Xavier), um jovem que precisa de um lugar para se esconder, chega ao lugar, Dayana se encanta por ele e a possibilidade de uma nova vida se abre diante dela. Ela o acolhe, convence o marido de que Heraldo pode ser um bom ajudante geral e ensina o serviço a ele, que passa a limpar os quartos com ela, em uma liturgia tão curiosa (afinal, nunca se pensa nos que cuidam dos motéis) quanto metódica e comum.

É. Preciso trocar os lençóis (todos vermelhos, cor importante na paleta do filme), limpar o colchão, desinfetar... Entre uma limpeza e outra, um gripo, um gemido de um quarto, Dayana e Heraldo vão construindo uma cumplicidade que ela não tem mais com o companheiro.

No entanto, diante de um marido opressivo, que tem arroubos de violências como atos falhos que surgem em um empurrão dado sem pensar, uma grosseria autoritária, qualquer passo em falso pode ser fatal.

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A tensão entre o desejo e o perigo onipresente marca o tom de "Motel Destino", que se apega em detalhes como as câmeras de segurança, a fotografia "noir tropical"(sempre o vermelho, na luz, nos lençóis...), os sons (os gemidos, os barulhos dos animais como cabras, jumentos, galinhas que vivem no quintal do motel), os diálogos e as danças entre os corpos.

"Motel Destino" traz um olhar contundente sobre a realidade brasileira ao trazer um jovem de origem humilde e com uma infância pobre em uma encruzilhada do destino. Lança também um olhar importante sobre a violência contra a mulher, pois, como afirma o diretor para Splash, "Dayana poderia estar nas estatísticas do feminicídio no Brasil."

E traz ainda um olhar instigante sobre a figura do homem contemporâneo, cujo caráter em sua grande maioria é formado com base em uma cultura machista.

"Foi a oportunidade de eu fazer uma anatomia do machão, oportunidade nova em que talvez eu inaugure essa pesquisa que comecei no 'A Vida Invisível', com um personagem do Antenor, que é o marido da Eurídice. Depois a gente tem o personagem do Henrique 8°, marido da Katherine Parr no "Firebrand" e aqui o personagem do Elias é um pouco como se eu estivesse procurando o que é o masculino. Por que o masculino pode ser tão corrosivo e aprisionador. Ele está um pouco inspirado em homens no Brasil e fora do Brasil que é inaceitável hoje em dia", analisa o direto.

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Do Rio ao Ceará

Fabio afirma que há uma estrutura de poder no qual seu personagem exerce que é um recorte que existe na sociedade brasileira. "Ele sai do Rio e vai morar no Ceará, onde conhece a Dayana (Nataly) e ali se consegue uma estabilidade dentro de uma estrutura hierárquica que é abusiva, que é uma estabilidade suja."

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Dentro de um espaço de confinamento, que é o motel, existe uma invisibilidade do que é feito ali dentro, uma certa clandestinidade. É um desses motéis de beira de estrada, não há muita possibilidade dela buscar uma proteção. Tem um sistema que gira ali, une ecossistema que só é desfeito na relação de paixão do Heraldo com ela. Porque a paixão permite uma revolução. Fabio Assunção

Sobre a paixão e o erotismo, além da tensão onipresente, Karim afirma que queria muito fazer um filme visceral, que mantivesse o público grudado na cadeira o tempo todo.

"É um filme muito emblemático que fala muito da sociedade brasileira e sua hipocrisia, das coisas que a gente esconde embaixo do tapete. E por meio do personagem do Heraldo, do desamparo da juventude brasileira, principalmente a juventude preta. Fala também da opressão contra o feminino. A Dayana vive uma relação altamente tóxica com o marido."

O motel como um microcosmo da sociedade brasileira é habilidosamente filmado, com seus corredores, quartos, dependências ora banais, ora estranhas, é um personagem a mais na trama.

Tem duas características do motel que me interessam muito. Uma é a hipocrisia. Se a gente vivesse em um país que fosse de fato liberado sexualmente, de fato horizontal sexualmente, a gente não precisaria ir a um lugar que é só para isso, em que a gente tem que se esconder entre quatro paredes. Karim Ainouz

"A outra coisa que é muito fascinante é que o motel é o lugar onde tudo pode acontecer. E o cinema é um pouco isso, é o lugar onde tudo se pode experimentar, tudo pode acontecer. Neste sentido é um lugar sobre o qual nunca havia me debruçado como diretor e ele sempre me interessou muito. E é o lugar da fantasia. O cinema é o lugar da fantasia. Como que ninguém nunca tinha feito um filme sobre um motel?", diz o cineasta.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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