Com Eva Longoria e Carmen Maura, 'dramédia' 'Terra de Mulheres" surpreende

Entre situações cômicas vividas tanto por conta do choque cultural que elas vão ter com a população local, que há décadas não tinha notícias de Julia, e da perseguição que enfrentam, e questões mais sérias, como a situação de Julia e a transexualidade de Kate, que encara o conservadorismo local, "Terra de Mulheres" modula bem drama e comédia para entreter e ser uma série rara, perfeita para o público feminino mais maduro, mas que também dialoga com o público jovem e o masculino.

"Quando falamos de séries para a TV, as pessoas em geral pensam que são mais para um público ou muito jovem ou muito masculino. E esta série é muito interessante porque tem humor. Não é que seja só para mulheres, mas fala de mulheres. Acho que é para todos", comentou Ramón Campos, produtor executivo, criador e roteirista, ao lado da criadora e roteirista Gema R. Neira.

"Eu falava muito com Gema, que tenho duas meninas e que, quando estou com elas e minha mãe de 80 anos vem me visitar, não encontrávamos séries para ver juntos porque são ou muito para as meninas, ou muito para a minha mãe, ou muito para mim. E a chave era: 'Por que não podemos fazer uma série que possamos voltar a ver todos juntos?' Aquela televisão que fazíamos quando havia a TV aberta, o mainstream, como chamamos, e que nos interessava explorar isso, falando de coisas importantes, mas que fosse divertido para todas as gerações que estão representadas na mesma série", completou Campos.

De volta à trama: ao chegar em La Muga, onde um grupo de mulheres toca a vinícola local, que até faz um vinho regular, mas que pode ser muito melhorado, Gala também conhece o bonitão Amat (Santiago Cabrera). A priori, ele é um rival, líder da cooperativa de vinhos local, que comprou a velha casa em que Julia cresceu com a irmã, Marione (Gloria Muñoz). Mas Julia nunca mais deu notícia e, claro, não concordou com a venda, pois nem sabia dela.

Entre trapalhadas típicas de uma comédia de família e de comédia romântica, há espaço também para que os já citados temas mais complexos sejam desenvolvidos ou pelo menos tangenciados. Julia deixou a vila em um momento em que a Espanha, ainda muito conservadora, saía de um longo período ditatorial (Franco esteve no poder de 1939 a 1975). Uma mulher irreverente, livre e nada afeita a convenções como ela não era persona muito grata na vila.

No presente, a matriarca vê os velhos dramas e traumas voltarem a cada encontro ou lugar por que passam. Mas, nas situações muitas vezes engraçadas e tantas outras dolorosas, vê também a última chance de ainda recorrer à sua memória que se esvai para unir pontas soltas que deixou pelo caminho.

A demência, que nunca fica clara se se trata de Alzheimer ou de outra natureza, é retratada com delicadeza e humor, mas nunca banalidade. Carmen Maura, ícone do cinema espanhol, musa de Pedro Almodóvar e estrela de clássicos como "Mulheres À Beira de um Ataque de Nervos", é a escolha mais que perfeita para viver Julia. Nome forte da resistência cultural, Maura é o retrato das mulheres de sua geração e da geração de Julia e dá legitimidade a uma personagem que poderia funcionar somente como alívio cômico ou ser escada para Eva e Kate.

Aliás, é com Kate (ou Victoria) que Carmen tem seus melhores momentos em cena. Enquanto a filha de meia idade luta para, mesmo falida e sem perspectiva, tentar inicialmente manter o status quo e um ar de normalidade, Julia nunca foi "normal" e nunca ligou para o status quo. Sua neta, cuja transexualidade foi bem aceita em família, começa a sofrer também o conservadorismo e o preconceito que a avó sofreu na juventude em La Muga. A cumplicidade entre avó e neta é um dos pontos altos de "Terra de Mulheres" e dá a densidade necessária à trama.

Ainda que não seja o mote principal da série, as questões enfrentadas por Kate atualizam a comédia de família e trazem para um público mais amplo a discussão sobre a importância de diversidade nas tramas novelescas. "Terra de Mulheres" não é, de forma alguma, novela, mas bebe da fonte do melodrama também para nos conectar aos personagens, o grande trunfo da série.

"O que me levou a Kate foi especialmente o roteiro. Eu me apaixonei pelo roteiro e pela trama. Eu acho tão bonito. Kate é uma mulher tão forte e eu sinto que é uma oportunidade de falar sobre algo que realmente não é falado o suficiente em Hollywood, que é sobre a comunidade latina e a comunidade trans", comentou a jovem mexicana Victoria Bazúa.

Descoberta entre centenas de testes que a produção da série realizou, Victoria dá leveza e autenticidade a Kate em sua estreia na atuação. "E nós retratamos isso de uma maneira em que é tão natural e, por isso, abraçamos muito isso. Sendo a mais nova do elenco, me sinto como um bebê, me sinto tão cuidada, o que é tão bom. Em geral a gente tem latinos representados em Hollywood, mas muitas vezes vemos o lado negativo, em cartéis e em histórias horríveis. Mas com o passar dos anos, estamos nos aproximando de acolher o que é ser latino em Hollywood ou ser mexicano-americano. E o mix cultural, o que é simplesmente incrível", completou ela.

Sobre a responsabilidade de ser uma atriz trans e tratar do tema com leveza e, ao mesmo tempo, realismo em "Terra de Mulheres", Victoria observou que a responsabilidade é grande, mas que também se trata de uma grande oportunidade. "Especialmente porque tenho apenas 16 anos. Sou super jovem e estou falando sobre essas questões. Mas sendo eu uma garota trans, posso ver que nos últimos anos temos visto mais atores e atrizes trans interpretando papéis trans na tela", comentou.

Ter mais personagens trans e não binários retratados com complexidade também é um passo importante para Victoria. "Muitas vezes vemos essa narrativa errada sobre as pessoas trans. E sinto que muito disso é porque as pessoas se guiam por estereótipos e por desinformação. E, então, "Terra de Mulheres" me deu esta oportunidade de falar sobre essas questões de uma maneira em que é tão normalizado. E é tão precisa e tão bem retratada a forma como as pessoas trans e não binárias vivem suas vidas. Eu realmente me sinto tão comovida com a história de Kate e me identifico. E sei de fato que muitas garotas, não importa sua idade ou seu país, terão empatia ou vão se identificar com Kate", completou ela.

No quesito comédia romântica, Cabrera e Longoria têm química e convencem como uma boa dupla, mas é de fato nas dinâmicas entre as mulheres e seus conflitos, sejam eles íntimos ou geracionais, que reside a força de "Terra de Mulheres".