Flavia Guerra

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Opinião

'Estômago 2' renova a saga entre poder e culinária

"A franquia de 'Estômago' é a relação entre poder e culinária". Assim o diretor Marcos Jorge bem definiu a força motriz não só de "Estômago", longa de 2007 que conquistou o público brasileiro e internacional, como de "Estômago 2 - O Poderoso Chef", que fez sua première no Festival de Gramado na noite de domingo.

É esta relação que permeia a saga de Raimundo Nonato, o Alecrim, no original e no segundo filme da franquia e que ganha um novo ingrediente importante na continuação: Benedetto Canoglio. Vivido por Nicola Siri, italiano radicado no Brasil, o novo personagem é um mafioso siciliano que chega à cadeia onde o personagem de João Miguel está preso. E chega bagunçando a cozinha de Nonato, que encontramos logo no início servindo quentinhas gourmet para os carcereiros, o diretor da penitenciária e também para o detento que controla tudo e mantém a ordem na cadeia: Etcetera (Paulo Miklos).

Com a chegada do arrogante, mas carismático Don Caroglio, que não pede benção a Etcetera e, ainda por cima, quer roubar o real cozinheiro, Alecrim, que se torna Rosmarino, para sua gangue.

Como Caroglio foi parar na prisão não é exatamente a grande questão, mas sim como sua história prévia corre em paralelo à disputa de poder na cadeia. Por isso, "Estômago 2" abre justamente com uma grande cena de banquete na Itália, que descortina um núcleo que envolve também um restaurante e a fusão com a gastronomia brasileira, com destaque para ingredientes da Amazônia (a flor de jambu, o tucupi e a castanha principalmente).

Mas, como o subtítulo já adianta, a máfia italiana e seus chefões são ponto crucial nesta trama gastronômica. Caroglio é apaixonado por uma das chefes da máfia siciliana, Valentina (vivida por Violante Placido). Ela vive às voltas com "problemas de família", ou seja, da manutenção do poder sobre o tráfico local e das disputas com seu próprio irmão Salvatore (Giulio Beranek).

Equipe do longa-metragem brasileiro 'Estômago 2 - O Poderoso Chef' no Festival de Gramado
Equipe do longa-metragem brasileiro 'Estômago 2 - O Poderoso Chef' no Festival de Gramado Imagem: Ticiane da Silva/Agência Pressphoto

"Estômago 2" é um filme de comida, de máfia, de cadeia e também sobre a questão da busca da própria identidade. Para não dar spoilers, paramos por aqui os detalhes cruciais da forma como Caroglio também foi parar no núcleo da máfia.

O que importa mesmo é que ele, assim como Nonato em "Estômago', está em busca de sua identidade, de quem é no mundo e de como constrói para si uma persona social. Marcos Jorge ressaltou em conversa com Splash que todos nós construímos nossas figuras e personas sociais para viver em sociedade, sejamos cineastas, médicos, jornalistas, atores, chefs de cozinha, mafiosos?

"A busca da identidade está em Don Caroglio e o filme é muito fiel ao primeiro, mas a história vai para frente, introduz novos personagens e amplia", comentou o cineasta.

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O que se amplia também é a produção do filme. Se "Estômago" era um filme de ambientes fechados, claustrofóbico, com João Miguel (Nonato) quase sempre ou na cozinha, ou preso, raramente na rua (e quando na rua, em cenas noturnas), "Estômago 2" é mais solar e um "filme coral". Don Caroglio frequenta o restaurante que sua mãe mantém em um cenário campestre belíssimo e cenas aéreas nos situam nessa paisagem — no caso, é a região do Lácio, coprodutora do filme, que na trama faz as vezes da Sicília.

A produção se torna mais complexa porque se trata realmente de uma coprodução bilateral, com o núcleo italiano tendo o mesmo peso que o núcleo brasileiro (totalmente passado na prisão e nas tensões que nascem entre os brasileiros e italianos).

O filme se abre também para um diálogo maior com o público. Se "Estômago" começou pequeno, como um filme de autor que tinha humor, mas um tanto mais de psicologia do personagem de Nonato, com o humor genial e a melancolia que vinha muito da atuação de João Miguel, "Estômago 2" traz um humor mais leggero, que se apoia muito nas situações, na ação em cena e na canastrice (no melhor sentido da palavra) do personagem de Nicola Siri (muito à vontade no papel deste homem que performa uma dureza que ele mesmo não sabe se de fato tem ou se inventou para si).

É nítido que "Estômago 2" é maior, tem mais comédia que o primeiro e que quer chegar a um público mais amplo. "A tentativa é de fazer um filme mais aberto sem perder aquela reflexão que há no primeiro", comenta Marcos Jorge.

Para quem espera o humor mais taciturno do filme original e um prato requentado, o novo filme da franquia vai surpreender. Marcos Jorge traz o tradicional spaghetti alla norma siciliano, mas traz também a massa com ouriço do mar com tucupi ( em vez do vinho da receita original). É esta mistura entre sabores como a flor de jambu, o tucupi, a comédia e um filme mais aberto, em que o diretor renuncia ao monólogo do genial João Miguel, que se tornou coprotagonista ao lado de Miklos e Siri, que "Estômago 2" é. Goste-se ou não do novo prato, o fato é que Marcos Jorge não repete a receita e arrisca.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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