Flavia Guerra

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'Pachinko': Entre amor e guerras, nova temporada traz mundo mais complexo

"Mais do que apenas amor, quando ele vê Sunja, está quase enfrentando a si mesmo." Assim o astro Lee Minho falou sobre a grande questão que marca não só seu personagem, o sedutor e violento Hansu, mas todos os personagens da segunda temporada de "Panchinko", que chega à AppleTV+ nesta sexta (23), com a exibição de cada um dos oito episódios toda semana.

Se na primeira temporada deste épico — que une drama familiar, traição, conflitos, ocupação da Coreia pelo Japão no início do século 20 e uma paixão maior que a vida (a de Sunja por Hansu) — as tramas pareciam mais clássicas, neste segundo ano o mundo está cada vez mais complexo, e as emoções também.

Cada personagem, seja no passado ou no "futuro" (que continua no final dos anos 1980 e entra no início dos 1990), tem de enfrentar sua própria natureza, seu caráter e suas convicções para continuar sobrevivendo.

No núcleo do passado, encontramos agora Sunja (Minha Kim) em 1945, com dois filhos para criar em um Japão assolado pela Segunda Guerra Mundial, prestes a perder a grande batalha e a encarar as tragédias de Hiroshima e Nagasaki. Enquanto o mais velho Noa não sabe quem é seu verdadeiro pai e sonha em ir para a universidade, o mais novo, Mozazu, é um típico "espírito livre", que adora quando a família tem de deixar sua casa em Osaka para se refugiar no campo enquanto a guerra não acaba e os bombardeios norte-americanos assolam a cidade.

Com o marido preso, Sunja, que sempre se manteve firme em suas decisões e convicções, entende que não pode sobreviver sem a ajuda de Hansu. Misterioso, sempre vigilante e presença constante, ainda que muitas vezes por meio do olhar de seu capanga, que ele mantém sempre junto da família de Sunja, Hansu é uma espécie de espelho invertido de Sunja.

Assim como seu amor de juventude, ele faz de tudo para sobreviver, inclusive engolir seu orgulho "zainichi" (como coreanos eram chamados, mas que, ao pé da letra significa "morando no Japão") e servir aos japoneses. Mas ela, ao contrário dele, preferiu viver na pobreza, casar-se com o humilde pastor Baek Isak e terminar por vender kimchi na feira e criar os filhos com honra. Sunja é a típica heroína clássica sofrida, perspicaz, que sobrevive em um mundo que não deu muita chance nem a ela e nem às mulheres (que, como diz sua mãe na primeira temporada "não devem ir à escola, mas sim aprender a cozinhar, a se alimentar").

 Sunja (Minha Kim) e Lee Minho (Hansu) em "Pachinko": mais que amor, um é o espelho do outro e enfrentam a si mesmos
Sunja (Minha Kim) e Lee Minho (Hansu) em "Pachinko": mais que amor, um é o espelho do outro e enfrentam a si mesmos Imagem: Divulgação /AppletV+

Quando a Segunda Guerra os une novamente, não é o racional de Sunja que comanda, mas seu senso de sobrevivência e seu corpo, que apenas reage à influência de Hansu. Suas convicções são postas à prova e ela tem de aprender a navegar mais uma vez em águas turvas para sobreviver e, quem sabe, realizar o sonho de mandar os filhos para a universidade.

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"Mas tenho certeza de que Sunja pensou em Hansu quase todos os dias ou sonhou com ele, ou talvez imaginasse um monte de coisas sobre Hansu. E então 14 anos se passaram e eles se reencontram e aconteceu algo que ela talvez tenha imaginado por muito tempo", comentou Minha Kim em entrevista a Splash.

Para a atriz, Sunja não consegue controlar o que ocorre e "seu corpo apenas reage". "Mesmo que ela seja uma mulher forte e ela saiba como lidar com todos os incidentes que está enfrentando, ela tem medo de Hansu. E se não houvesse amor dentro dela por ele, acho que isso não aconteceria. Porque se ela não o amasse, ele não a afetaria", acrescenta.

É justamente esta dicotomia, já presente na primeira temporada, que ganha mais nuances, mais complexidade em um mundo que no pós-Guerra se moderniza, abre-se ao ocidente, torna-se mais rápido, mais complexo e desafiador.

Jin Ha  (Solomon) e Anna Sawai  (Naomi) no centro do núcleo "do futuro" em "Pachinko", cuja nova temporada estreia na AppleTV+
Jin Ha (Solomon) e Anna Sawai (Naomi) no centro do núcleo "do futuro" em "Pachinko", cuja nova temporada estreia na AppleTV+ Imagem: Divulgação / AppleTV+

Muito por isso, o "futuro", ou o "tempo presente" da trama, também revela um mundo ainda mais intrincado. O neto de Sunja, Solomon (Jin Ha) continua às voltas com o eterno desafio de se afirmar como grande executivo do banco em que trabalha. Ele tenta a todo custo fechar o grande negócio que o moveu na primeira temporada ao mesmo tempo que enfrenta sua paixão pela japonesa Naomi (Anna Sawai).

Até que ponto as relações estão à frente das convenções? Em um Japão que traz ainda suas tradições de casamentos arranjados, honra ao que a família quer para seus filhos e a modernidade que bate à porta com suas propostas de amor romântico e liberdade para as mulheres, que cada vez mais brigam por seu espaço no mercado de trabalho, Solomon e Naomi são o símbolo do choque entre duas eras.

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Eunchae Jung and Sungkyu Kim em "Pachinko", segunda temporada: paixões impossíveis em meio à luta pela sobrevivência marcam novamente a trama
Eunchae Jung and Sungkyu Kim em "Pachinko", segunda temporada: paixões impossíveis em meio à luta pela sobrevivência marcam novamente a trama Imagem: Divulgação / AppletV+

Com tramas novas que extrapolam o bestseller de Min Jin Lee, que, não por acaso, nasceu na Coreia e imigrou com a família para os Estados Unidos nos anos 1970, a segunda temporada de "Pachinko" é engenhosa ao retratar este mundo em transformação que afeta o interior também de seus personagens.

"Esta temporada vem com muito amor pelo livro, nós realmente queríamos proteger o espírito do livro, mas especialmente na história de Jin para Solomon, muito da história que trouxemos na primeira temporada, muito dela foi criando um novo material", comentou a roteirista Soo Hugh, que também é showrunner e produtora executiva da série.

"E depois trabalhamos com Jin e com muitos outros atores da fase moderna da série, inventando histórias novas. Mas, neste momento, depois de todos esses anos, não sei se consigo me lembrar do que vem do livro e quais coisas não eram do livro", completou.

De fato, é sempre um desafio manter o ritmo e o padrão em novas histórias criadas a partir de uma saga tão consistente e encantadora quanto "Pachinko". Há quem vá preferir a saga da jovem Sunja e sua paixão impossível por Hansu. Há quem vá se encantar pela Sunja idosa (vivida pela genial Yuh-Jung Youn), que enfrenta novos dramas e a solidão da velhice enquanto observa com olhos bem atentos o neto Solomon.

Há ainda quem vai se identificar mais com a saga de Solomon para se firmar no mundo que desemboca no neoliberalismo voraz, na competição a qualquer custo e em um mundo corporativo em que a truculência dos métodos de Hansu se atualiza em jogos de bastidores e golpes baixos dados não a custa de ameaças e socos no mercado de peixes, mas sim em reuniões embaladas por executivos bem vestidos e cínicos.

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O mundo se sofisticou, mas também perdeu seu rumo e suas grandes convicções. Se no passado a Guerra da Coreia explodiu nos anos 50 em "Pachinko" e, ainda que tenha dividido um povo e um país, agregou muitos corações zainichis que decidiram partir e lutar por sua pátria, no presente a guerra é por dinheiro, por poder contra um inimigo que nem sempre se sabe quem é. Como diz um personagem que frequenta a casa de Pachinko do Mozasu adulto (Soji Arai), "dinheiro limpo, dinheiro sujo, sempre dinheiro".

É neste jogo de sorte e azar que o Pachinko do título, ou o jogo que é um mix de pinball com uma slot machine (caça-níquel) de cassino, traduz perfeitamente a trajetória de cada personagem desta saga que, ainda que um romance épico histórico, segue atual ao tratar de ética, paixão, xenofobia, machismo, sobrevivência, corrupção, mas sobretudo da alma humana.

Sunja galvaniza tudo isso e continua sendo a heroína que amamos torcer e sofrer junto. Como bem diz Minha Kim, "ela é forte e resiliente e as pessoas, e até Hansu se surpreendeu com ela. E eu acho que que existem Sunjas em todo o mundo nos dias de hoje. Então, isso pode conectar o público do mundo todo."

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