Flavia Guerra

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'Me conecto com a vulnerabilidade dela', diz Jolie sobre Maria Callas

"Me conecto com a vulnerabilidade dela", afirmou Angelina Jolie sobre um dos pontos que mais a conectam com sua mais nova personagem, a soprano Maria Callas, uma das maiores, se não a maior, vozes do canto lírico de todos os tempos. "Maria", novo filme do chileno Pablo Larraín, compete no festival de Veneza e fez sua estreia mundial na noite de quinta-feira.

Em conversa com a imprensa, Jolie, também afirmou que entende o que é ser mulher e falou sobre como o termo "diva" muitas vezes tem conotação negativa.

Reaprendi essa palavra com Maria, tenho uma nova relação com ela. Muitas vezes é a percepção que outras pessoas têm de uma mulher que define muito quem ela é e quem ela era. Acho que Maria era uma das pessoas que mais trabalhava e não fazia mal a ninguém. Declarou a atriz, em referência a uma frase da área "Vissi D'Arte", da ópera "Tosca", de Giacomo Puccini.

Angelina surge como uma intérprete nada óbvia de uma diva também exuberante, mas com uma beleza muito diferente da sua. A atriz passou sete meses se preparando para o papel e, sabiamente, não canta no filme, mas dubla as árias mais emblemáticas que se eternizaram na voz de Callas, como "Casta Diva" (de "Norma", de Vincenzo Bellini), "O mio babbino caro" ( de "Gianni Schicchi", de Puccini), "Anna Bolena" (de Anna Bolena", de Gaetano Donizetti - a preferida de Jolie), a já citada "Vissi D'arte", entre outras.

Sobre o desafio de aprender tudo sobre ópera e a cantar, ela afirmou que aprendeu com a melhor. "Tive muita sorte porque a melhor maneira de entrar era ser ensinada por Maria, que dizia que quando ela se aproximava de um trabalho, a primeira coisa que você deve fazer é o que ela chama de "apertar o cinto". Então, a primeira coisa que você faz é: "Você não pensa como se sente ou o que você quer. Você só tenta entender a música e a intenção do compositor", explicou a atriz.

E você é disciplinado e simplesmente faz o trabalho exatamente como pretendido e pratica e pratica. E então eu fiz isso. E acho que, ao se aproximar dessa maneira, aí, no final, você libera seu lado pessoal e sua emoção. Isso só quando você estiver pronto. Angelina Jolie

"Eu tive tanta sorte de estar com Pablo, que me protegeu. Quando eu me senti capaz, eu deixei essa emoção entrar e poderia tentar fazer algo que eu nunca tinha feito antes.

Então, realmente, a música e as árias me levaram, pois foram tão cuidadosamente escolhidas por Steven e Pablo, e conversamos muito sobre quais árias entrariam e quando e por quê?", explicou a atriz, pontuando que cada uma das árias que entram ao longo da trama não está enfeitando a narrativa, mas conta muito sobre cada fase da vida da soprano, que vão entrando não de forma linear no roteiro, mas em flashbacks ao longo dos últimos dias de Callas.

"Se você assistir de novo, e espero que assista, vai ver que cada peça (ária) realmente fala mais do que você imagina sobre os momentos da vida dela. E não é acidental", completou.

Festival de Veneza: Angelina Jolie fala de sua nova personagem
Festival de Veneza: Angelina Jolie fala de sua nova personagem Imagem: Andreas Rentz / Getty Images

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De fato para os conhecedores de ópera, fãs de Callas, cada ária conta também uma fase e um sentimento que predomina na vida da soprano. Nascida nos Estados Unidos e filha de pais gregos, Maria Callas foi descoberta aos 17 anos e nunca mais parou de cantar e maravilhar plateias de todo o mundo com sua voz clara, divina, exuberante como sua figura.

A cena em que ela canta, ainda muito jovem, para sobreviver, "Habanera", de "Carmen" de Georges Bizet, diz muito sobre sua juventude difícil e pobre. Mas há quem defenda que é nas composições de Puccini e Donizetti que ela alcança seus momentos de sublimação.

"Acho que se não houvesse nenhuma palavra no mundo, se a humanidade não tivesse inventado nenhuma palavra, a voz da Callas seria o que de mais profundo sobre o sentimento humano existe", declarou o roteirista Steven Knight (de "Peaky Blinders") sobre a genialidade da cantora lírica.

Ainda que diva suprema, Callas teve uma vida longe de perfeita e enfrentou seu próprio gênio forte, a opinião pública e a imprensa, que a vigiava de muito perto, a decepção amorosa ao ser "trocada" por Jackie Onassis quando o milionário grego Aristóteles Onassis, seu grande amor, se casou com a viúva de John Kennedy, e a perda da potência de sua voz em uma fase em que sofria com o luto após a morte do eterno amado.

É exatamente a semana em que Callas morre de ataque cardíaco na sala de seu apartamento em Paris que "Maria" foca. Mas os já citados flashbacks que vão entrando à medida que a memória da soprano traz estes momentos de volta contam mais sobre quando conheceu Onassis, sobre suas mais memoráveis performances, que deixam o palco de templos como o La Scala de Milão ou o La Fenice de Veneza para invadirem as ruas de Paris em números que também traduzem o estado de confusão mental da artista, que começou a abusar dos remédios e que passava por uma severa crise.

Quem cuidava dela e era sua família? O mordomo Ferruccio (Pierfrancesco Favino) e a empregada Bruna (Alba Rohrwacher). A interação com a dupla é o mais próximo de uma família que ela teve em seus últimos dias.

Callas morreu em setembro de 1977, na sala de seu apartamento, vítima de um ataque cardíaco, tão tragicamente quanto personagens como Anna Bolena, Tosca e Madame Butterfly. "Acho que ela se tornou esses personagens. E acho que, no final, é a soma das árias que ela cantou que a tornaram quem ela era. Então, sim, este filme é ópera.

E eu continuei perguntando ao Pablo no meio do caminho, eu continuei questionando: "Estamos fazendo um musical", comentou Jolie.

Mas, ainda que árias grandiosas entrecortem e contem sua história em "Maria", não se trata de um musical. Callas é a mistura de cada uma de suas grandes personagens. E também se funde agora no cinema com a figura de Angelina Jolie, que não é fisicamente parecida com a soprano e não tem a mesma natureza de exuberância, mas que tem, como ela se referiu à vulnerabilidade, à exposição pública de sua vida privada, a estar sempre sob os holofotes, pontos de conexão.

Como afirma o diretor Larrain, em um sentido trágico da vida, a maioria das histórias que ela cantou, seja na tradição italiana ou na alemã, eram tragédias. "E Maria Callas muitas vezes, sabe, diria 90% do que ela cantou trazia sua morte no palco. Então, tem alguma coisa íntima que Steven e eu discutimos extensivamente que como poderíamos fazer um filme em que a personagem principal lentamente se torna a soma do que ela cantava. Mas o ângulo foi a celebração. Não queríamos fazer um filme sobre uma situação trágica", declarou o cineasta.

É mais como um filme em que uma mulher tem que passar sua vida cantando para os outros, cuidando dos outros, preocupando-se com relacionamentos. Mas que agora ela está pronta para cuidar de si mesma e encontrar seu próprio destino. Angelina Jolie

Angelina, provando que, neste sentido, também é muito como sua personagem, tomou seu destino para si, encarou o desafio de viver uma diva, mas não ser uma diva trágica e encontrar sua força ainda jovem. Fofocas em pauta, aliás, a atriz deixa Veneza antes que seu ex-marido, Brad Pitt, que apresenta "Wolfs" fora de competição no fim de semana no festival.

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A produção do evento deixou, estrategicamente, alguns dias entre a partida dela, que seja já para o festival de Telluride nos Estados Unidos, e a chegada de Pitt ao Lido. Ao final, Callas e Angelina brilham sozinhas no palco de Veneza 2024 e devem brilhar no Oscar 2025 com certeza.

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