Conteúdo publicado há 3 meses
Flavia Guerra

Flavia Guerra

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Almodóvar ganha o Leão de Ouro no Festival de Veneza

"The Toom Next Door", primeiro filme em inglês de Pedro Almodóvar, leva o grande prêmio Leão de Ouro, do Festival de Veneza 2024.

O cineasta era apontado como um dos favoritos aos prêmios desta edição, mas o Leão de Ouro veio como surpresa, com gosto de prêmio à carreira genial que ele construiu ao longo de décadas.

Aplaudido de pé pela pátria que lotou a Sala Grande, ele agradeceu em espanhol e defendeu o direito de cada um ser senhor de sua vida, decidindo a hora de partir.

Eutanasia deveria haver em todo o mundo. Almodóvar

Para o espanhol Pedro Almodóvar, "The Room Next Door" (O Quarto ao Lado), seu novo filme "talvez seja sobre uma mulher que agoniza em um mundo que também agoniza."

Diretor de mais de 20 filmes, algumas obras-primas como "Tudo Sobre Minha Mãe" e "Ata-me", Almodóvar assina com este seu primeiro longa-metragem em língua inglesa. Repete agora a parceria com Tilda Swinton, com quem filmou o curta "A Voz Humana". Desta vez, é do desejo humano de ser dono de sua própria existência que o cineasta fala primordialmente.

A história

Basicamente, a história retrarada é de Ingrid e Martha, duas mulheres na casa dos 60 anos que já foram amigas muito próximas, mas que, por conta da própria vida, distanciaram-se. Julianne Moore vive Ingrid, uma jornalista que se tornou escritora e acaba de lançar seu novo livro, em que trata prioritariamente do tema da morte e do luto.

Encontramos Ingrid no início do filme lançando o tal livro, mas mais não sabemos e nem saberemos. Ela encontra a irmã da amiga, Martha (Tilda Swinton), que conta à autora que ela está com câncer.

Ingrid decide então visitar a amiga no hospital e se reaproximar. Jornalista de guerra, que foi mãe na adolescência e praticamente não criou a filha, Martha se abre com Ingrid sobre suas frustrações, desentendimentos com a filha, que a culpa por crescer longe do pai e por sua constante ausência por conta do trabalho. Sua doença trouxe memórias, questões mal resolvidas e uma fragilidade que é bela e, ao mesmo tempo, intrigante, pois dá a ele também uma força para encarar com sobriedade a morte.

Continua após a publicidade

Os encontros vão ficando cada vez mais frequentes e quando Martha descobre que o tratamento de ponta que estava fazendo não deu resultado, decide que prefere morrer a seguir e encarar os estágios terminais da doença. É então que de um drama o filme passa a ter pontos mais trágicos e melodramáticos até, ainda que a emoção seja muito mais contida que em outros filmes do cineasta.

Martha decide morrer e pede ajuda da amiga para acompanhá-la no processo depois que várias outras amigas se recusaram. Ingrid, que disse não aceitar a morte, aceita a decisão da amiga, pois para ela, a liberdade de se escolher inclusive a hora de morrer é primordial.

É uma chamada. A Espanha é o quarto país da Europa de ter uma lei de eutanásia, mas acho que devia ter em todo o mundo, disse o diretor

É intrigante o quanto Almodóvar trata a dor e a morte em seus filme, sobretudo os mais recentes, como "Dor e Glória", em que Antonio Banderas vive em luta com sua dor crônica nas costas. A dor muitas vezes define os personagens almodovarianos. A morte também. Mas em "The Room Next Door" é a liberdade de "ser dono de sua própria existência" que está em jogo.

Ingrid, ao contrário de Martha, não está preparada para a morte, mas ainda assim respeita a decisão da amiga e a apoia no plano de viajar para uma casa de montanha para concretizar seu plano de partida. Com uma narrativa calcada em muita história contada por Martha, que, naturalmente, está em uma fase de rememorar, repassar suas questões antes de partir, "The Room Next Door" é um tanto frio, destacado, que se assiste quase com um distanciamento como quem assiste a uma aula.

A direção sóbria, um dos pontos que sinalizam o amadurecimento do cineasta, que já foi tão melodramático e até cômico e barroco, permite com quem o drama nunca caia em um melodrama rasgado. As cores de Almodóvar continuam em cena, principalmente em roupas em tons de pink, azul, vermelho e verde. Mas, nesta nova incursão pela alma humana, tudo é mais frio, mais "clean", mais equilibrado.

Martha e Ingrid conversam muito, há um tom de volta ao passado, claro, de tentar fazer as pazes com temas não resolvidos, de repassar a trajetória. Mas tudo é filmado com o distanciamento que faz com que o público mergulho nas questões que elas trazem, mas não se derrame em lágrimas ou autocomiseração jamais.

"São raros os filmes que trazem histórias de amizade feminina, que especialmente são mais velhas. Isso é muito especial e único", comentou Julianne Moore que, ao lado de Tilda e Almodóvar, recebeu cerca de 16 minutos de aplausos na sessão de gala do filme.

A performance da dupla pode até render uma Copa Volpi (o prêmio dado às melhores atuações) em um ano em que há filmes com grandes papeis femininos, como "Maria", com Angelina Jolie, "Babygirl", com Nicole Kidman, além de "Ainda Estou Aqui", com Fernanda Torres.

"The Room Next Door", bem ao modo do diretor espanhol, fala de muitos temas, como tolerância, empatia e escolhas. Ao tratar de tema tão delicado como a eutanásia, ele pode não ousar na forma, que é delicada e, ao mesmo tempo, contundente, mas ousa ao falar abertamente e com afeto de um tema que aparentemente é sobre a morte, mas trata, no fundo, do direito de cada um de gerir sua própria vida. E isso não é pouco.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.