Premiado na Mostra SP, 'No Other Land' retrata a questão Palestina-Israel
A Mostra de Cinema de São Paulo 2024 trouxe documentários e ficções que refletem, como é natural no cinema, questões urgentes do mundo contemporâneo. Neste ano, a questão Israel-Palestina não poderia ficar de fora, e filmes que trouxeram visões diversas do tópico tiveram não só atenção do público como foram premiados pelo júri oficial.
Na competição de documentários, o júri premiou dois filmes: o contundente "No Other Land", de Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal e Yuval Abraham, uma produção palestina-norueguesa, e "Sinfonia da Sobrevivência", do brasileiro Michel Coeli (Brasil).
Enquanto o brasileiro retrata a luta dos animais, Bombeiros e voluntários para vencer o maior incêndio que já atingiu o Pantanal, "No Other Land" traz uma outra luta. Um dos documentários mais celebrados do ano, o filme traz a questão da Palestina com uma abordagem humana, pessoal e geopolítica ao mesmo tempo. Realizado por um coletivo palestino-israelense de quatro ativistas, cocriado durante os tempos mais sombrios e aterrorizantes da região, "No Other Land" conta a história dos jovens Basel Adra e Yuval. O primeiro é um ativista palestino de Masafer Yatta, que desde a infância luta contra a expulsão em massa da sua comunidade pela ocupação israelense. Desde sempre, Basel documenta o apagamento gradual da situação no local, ao mesmo tempo em que as casas de famílias durante as transferências forçadas na Cisjordânia ocupada.
Um dia, ele conhece o jornalista israelense Yuval, que se une à sua causa. Ao longo de anos, o filme acompanha a amizade que se forma enquanto eles lutam contra a expulsão. Mas, enquanto Basel fica preso em meio a uma forte ocupação militar, Yuval tem liberdade de ir e vir. Vencedor de importantes prêmios, como o de Melhor Documentário e Prêmio do Público da seção Panorama Documentário no Festival de Berlim, é um forte concorrente ao Oscar 2025 de documentário.
"Uma denúncia sistemática e coletiva da Cisjordânia e Palestina e um apelo poético do Pantanal no Brasil, ambos com terríveis implicações globais, criadas por cineastas corajosos e dedicados a conscientizar a respeito de tragédias que estão acontecendo agora, e estas obras destacam a urgência e relevância de seus temas", declarou o ator e cineasta português Gonçalo Waddington ao anunciar os prêmios no encerramento da Mostra. Integraram também o júri o cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf, a atriz Camila Pitanga, a curadora e produtora Hebe Tabachnik, o produtor Kyle Stroud e o crítico de cinema francês Thierry Meranger.
Outros dois filmes que trataram da questão Israel-Palestina na Mostra SP foram "Por Que a Guerra", do israelense Amos Gitai, e "Aqui as Crianças não Brincam Juntas", do iraniano Mohsen Makhmalbaf. Gitai, que esteve na Mostra 2024 também com "Shikun", traz a proposta de encenar com "Por Que a Guerra" um diálogo entre Sigmund Freud e Albert Einsten, baseado em cartas que os dois trocaram nos anos 1930, antes da ONU e da Segunda Guerra existirem. Neste diálogo epistolar, os dois discutiram sobre o porquê de a humanidade, ainda que tenha havido tanto progresso, se mate em conflitos tão brutais quanto inúteis.
"Por Que a Guerra" complementa "Shikun", que parte do teatro do absurdo do dramaturgo Eugène Ionesco para retratar, em um conjunto habitacional em Israel, diversos perfis de judeus. Como quem passeia pelo Shikun, a câmera de Amos Gitai acompanha a atriz Irène Jacob pelo conjunto habitacional enquanto ela encontra diferentes encontros entre pessoas que falam línguas diferentes, pensam de forma diferente e são de gerações diferentes. À medida em que se discutem até onde cada um abre mão de seu pensamento individual para se integrar ao todo, alguns se transformam em rinocerontes, em um claro paralelo com a peça "O Rinoceronte", de Ionesco.
Enquanto muitos esperam que Gitai, sempre muito politizado e contundente, além de crítico, traga respostas prontas sobre a questão, o cineasta traz em seus dois filmes mais questões que convidam todos a, realmente, pensar sobre até onde vamos em prol de ideias pré-estabelecidas e até onde estamos dispostos a ir pela paz e igualdade para todos. "Não importa que lado você escolhe. Se você tem uma visão uniformizada, você está se unindo aos rinocerontes. Se você quer perturbar o esforço de guerra, oponha-se, recuse-se, seja um pensador. O cinema hoje que vale a pena é o que questiona", declarou Gitai à coluna.
Já Makhmalbaf também exibiu dois filmes na Mostra. "Aqui as Crianças não Brincam Juntas" filmou desde 2018 o cotidiano dos palestinos e judeus em Jerusalém. Entre uma entrevista com um jornalista negro palestino, o cotidiano das aulas e dinâmicas de um grupo de jovens palestinos e conversas francas com judeus que têm visões humanistas sobre o tema, o cineasta nos faz pensar em como em uma cidade tão importante e sagrada para diversas culturas e religiões, as pessoas chegam a morar no mesmo quintal, mas não se falam e não deixam que suas crianças brinquem juntas. Com dados como o de que em Jerusalém apenas duas escolas têm alunos palestinos e judeus, Makhmalbaf traz a visão pessoal de quem vive esta separação tão próxima no seu dia a dia.
"Você é um ser humano, apenas um ser humano. Política e religião dividiram este planeta e dividiram o ser humano em duas nacionalidades diferentes. E esquecemos que, antes de mais nada, somos seres humanos. Então, de repente, estamos nesta parte do mundo e pela linguagem, que são os nossos pensamentos, nós nos identificamos de forma diferente. Mas, na verdade, não somos diferentes. Nós somos um pedaço de ser humano. Nós somos um pedaço da natureza. Então, eu acredito no cinema sem fronteiras. Cinema para o ser humano", declarou o cineasta em entrevista para Splash.
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Quero receberAlém destes, outros documentários trouxeram visões e reflexões sobre tensões no Oriente Médio, como Afeganistão e Líbano, Ucrânia, Rússia, Sérvia, entre outros territórios do mundo. Destaque também para "Contos de Gaza", produção da Palestina e Tunísia, de Mahmoud Nabil Ahmed, que retrata o dia a dia de quatro homens que vivem na Faixa de Gaza. O conflito Israel-Palestina chegou em imagens históricas inéditas da década de 1950 até 1990 em "Israel-Palestina na TV Sueca", de Göran Hugo Olsson.
Longe de ser um capítulo da história concluído, a questão Israel-Palestina segue sendo documentada e, certamente, outras abordagens estarão na Mostra SP 2025. Até lá, e antes disso, "No Other Land" deve chegar aos cinemas e, como já afirmado, ao Oscar 2025, ampliando e aprofundando um tema que merece ser discutido sob vários pontos de vista, vozes, conhecimento, empatia e profundidade.
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