'Senna': 'Por ódio ou amor, eles estavam ligados', diz intérprete de Prost
"Seja ódio ou amor, ou o que quer que houvesse entre eles, havia essa coisa constante ligando um ao outro." É assim que o francês Matt Mella definiu com muita precisão a natureza de uma das relações de maior rivalidade da história não só da Fórmula 1, mas do esporte mundial: a de Ayrton Senna e Alain Prost.
No entanto, no caso dele, que vive o piloto francês na série "Senna", e de Gabriel Leone, que vive o brasileiro, a relação foi de companheirismo e passou longe da rivalidade. "Enquanto estávamos trabalhando nas cenas juntos, ensaiando, preparando e andando de kart, desenvolvemos uma amizade, e como isso foi útil."
"Podemos ser caras competitivos, mas não havia antagonismo um com o outro, porque somos uma equipe e fomos um grande apoio um para o outro durante todo esse processo", comentou Mella em conversa com a imprensa em um dos intervalos das filmagens da série, em julho de 2023, no autódromo de Buenos Aires.
Na ocasião, eram rodadas as cenas de pista de Grandes Prêmios que foram palco de rivalidades antológicas entre Prost e Senna e de vitórias históricas do brasileiro, como o GP do Brasil (Intgerlagos), de 1991, o GP do Canadá (Circuit Gilles Villeneuve) de 1990, o da Inglaterra (Silverstone) de 1990 e da Bélgica (Spa Francorchamps) de 1990.
Em uma das cenas, o francês Arnaud Viard encarnava o polêmico Jean-Marie Balestre diante de um grupo ávido de jornalistas. Balestre foi presidente da Fisa (Federação Internacional de Esporte Automobilístico) de 1979 a 1991 e da FIA (Federação Internacional de Automobilismo) de 1986 e 1993. O francês se tornou famoso entre os brasileiros, principalmente porque foi o responsável pela desclassificação de Senna no Grande Prêmio do Japão de 1989, quando o brasileiro tentava o bicampeonato e se chocou com o carro de Prost.
Depois da batida, o francês deixou a corrida e foi direto à sala da direção de prova. Senna ultrapassou Prost por dentro, antes da chicane, mas o francês jogou sua McLaren de propósito para cima do brasileiro a fim de provocar o abandono dos dois pilotos, o que lhe daria o título. Mesmo com o carro avariado, Senna conseguiu voltar para a prova, ajudado por fiscais de prova, saindo reto pela área de escape da chicane.
Com o argumento de que tinha cortado o traçado oficial, Senna acabou desclassificado e o italiano Alessandro Nannini, que chegara em segundo, venceu oficialmente o GP do Japão. Nem Senna e nem Prost pontuaram na prova, e o francês acabou campeão da F1 em 1989. O episódio marcou não só uma das epítomes da rivalidade entre os pilotos, como também tornou Balestre persona non grata entre os torcedores brasileiros, que o vaiaram para valer no Grande Prêmio do Brasil do ano seguinte.
Nem Mella e nem Leone eram nascidos na ocasião, mas cresceram ouvindo os casos que envolviam a rivalidade histórica. Mas também descobriram, durante as pesquisas para a série, que havia muito respeito, admiração e, inclusive, amizade entre Senna e Prost.
"Se você assistir a qualquer entrevista de 1989 em diante, não parece que eles tinham muito respeito um pelo outro. Mas, então, no momento em que Prost se aposenta, o relacionamento deles muda, o que foi fascinante. Eu não sabia de nada disso", contou o ator, que conversou também com seu pai sobre suas memórias do período e sobre como a França via a rivalidade entre os dois pilotos. Mella conta que não conversou com Prost, mas que leu vários livros, ouviu podcasts, assistiu a material em vídeo, documentários e afins.
Para o ator de 34 anos, a maior descoberta foi, de fato, como a dinâmica entre os dois tomou um rumo que poucos imaginariam. "Eu não sabia, até ouvir todos os podcasts, ler todos os livros, o que se tornou a relação deles entre o momento em que Prost se aposenta e a morte de Senna, em 1994. Essa foi a parte mais fascinante para mim, porque, uma vez que você remove a rivalidade, o que ficou entre eles foi a parte mais interessante", analisou Mella.
Para encontrar Prost, que Mella "tem de defender", além da extensa pesquisa, o ator partiu do fato de que se trata de uma série sobre Senna e não um "Prost x Senna" (como no filme "Rush", que retrata a rivalidade entre Niki Lauda e James Hunt). "Se fosse uma série diferente, se fosse uma série sobre Prost vs Senna, se fosse isso a série inteira, acho que teria sido um processo diferente. Mas esta é uma série sobre Senna. Então, muita pesquisa foi em relação a Senna", explicou ele.
O fato é que, a julgar já pelas cenas do trailer oficial da série, tanto Mella quanto Leone, mesmo que tenham apostado no companheirismo nos bastidores, conseguiram transmitir na tela a tensão e a eletricidade que permeavam essa ligação tão especial entre Prost e Senna. Já como comentarista da TV francesa, Prost ouviu de Senna, falando no rádio em pleno GP de Ímola de 1994, que "sua falta era sentida" nas pistas. Pouco tempo depois, ele foi um dos que carregou o caixão do brasileiro e, como aponta Mella, fala até hoje do quão única foi sua amizade permeada de rivalidade entre duas grandes personalidades.
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Quero receberDepois desse longo processo, Mella vai passar pelo crivo do público brasileiro a partir de 29 de novembro, quando "Senna" estreia na Netflix mundialmente. Uma coisa é certa. Se havia rivalidade, também havia admiração do público brasileiro por um grande piloto, capaz de disputar a cada curva os títulos e provas com Senna.