Flavia Guerra

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Reportagem

'Uma contadora de histórias': Malala usa o cinema para dar voz às mulheres

Extracurricular. O nome da produtora que a ativista Malala Yousafzai fundou e que lançou há pouco seu primeiro filme, "As Últimas Mulheres do Mar" ( The Last of Sea Women") , em cartaz na AppleTV+, não poderia ser mais perfeito. É exatamente trazer uma formação do olhar, entreter e informar que ela quer por meio do cinema.

Focada principalmente em contar histórias de mulheres que têm trajetórias que merecem ser contadas também no cinema, a Extracurricular não fará, claro, apenas filmes para o público feminino, mas para todos dispostos da enxergar o mundo de uma perspectiva nova, emocionante e, como ela, revolucionária.

Não por a acaso, o filme foi indicado em três categorias do prêmio Critics Choice 2024: Melhor Diretor Revelação (para Sue Kim), Melhor Documentário de Ciência e Natureza e Melhor Direção de Fotografia (para Iris Ng, Eunsoo Cho e Justin Turkowski). Com cenas subaquáticas de tirar o fôlego, "As Últimas Mulheres do Mar" conta a história incrível das "haenyeo".

Dirigido pela cineasta norte-americana de origem coreana Sue Kim, o filme nos apresenta para a fascinante trajetória das mergulhadoras da ilha de Jeju, que há décadas mergulham todos os dias no mar, sem equipamento, para coletar ouriços e afins. Mais que extrativistas, elas também são defensoras do oceano, pois sem um trabalho que respeite os ciclos da natureza, a fonte da fartura marinha correria perigo.

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Interessante observar que das cerca de 30 mil haenyeo que havia em Jeju há cerca de 60 anos, hoje há somente cerca de 3.000 mergulhadoras, a grande maioria na faixa dos 60, 70 e algumas até com 80 anos. Tradição curiosa para quem não as conhece desde a infância, o mergulho jamais foi feito com oxigênio e, por exigir força, resistência, mas também delicadeza, tornou-se um trabalho exclusivamente feminino.

A propósito, ainda que respeitado, o trabalho das mergulhadoras era, de certa forma, visto como algo inferior e muitos maridos pediam para que as mulheres não comentassem que trabalhavam como haenyeo. A história começou a mudar quando a Unesco reconheceu o valor cultural e ecológico do trabalho delas e, em 2016, as incluiu na lista do Patrimônios Imateriais da Humanidade pela combinação de valor cultural, comportamental e ambiental.

No entanto, o trabalho das haenyeo corre perigo há tempos por conta da poluição dos mares, causado por inúmeros motivos e ações. Além de enfrentar o fato de que as novas gerações não querem seguir um trabalho tão árduo, as haneyeo enfrentam as consequências das mudanças climáticas, da poluição e até a ameaça da radiação da usina de Fukushima no Japão, que pretende despejar no mar a água contaminada com a radiação da usina, destruída depois do desastre ocorrido em 2011.

Após o reconhecimento da Unesco, há diversas jovens na faixa dos 30 que passaram não só a se interessar pelo trabalho como até a modernizar profissão, fazendo vídeos e postando nas redes sociais. "As Últimas Mulheres do Mar" narra essa história cheia de camadas e inspira a pensar se há um equilíbrio possível entre a modernização e o trabalho ancestral das haenyeo. Ao revelar a saga dessas mergulhadoras fascinantes, Malala e a diretora Sue Kim contam histórias de resistência que podem inspirar novas gerações.

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"Desde que me tornei ativista, também me tornei uma contadora de histórias. Quando comecei a defender minha educação aos 11 anos, eu fiz isso por meio da mídia, compartilhando minha experiência e minha perspectiva de mundo com quem quisesse me ouvir. É por isso que eu quis abrir minha própria produtora de cinema, para dar a mais mulheres, meninas e vozes sub-representadas a oportunidade de compartilhar suas histórias", disse a ativista e agora produtora Malala para Splash por email.

Malala ainda continua: "Tem sido uma experiência incrível e eu estou orgulhosa que o primeiro longa-metragem da Extracurricular não só conta a história incrível das haenyeo como também é dirigido por uma mulher e tem uma equipe majoritariamente feminina."

 Malala Yousafzai
Malala Yousafzai Imagem: Getty Images/Getty Images for EIF & XQ

Para a vencedora do Nobel da Paz em 2014, quando tinha apenas 17 anos, é a abordagem de assuntos que, aparentemente, são locais, mas que têm impacto global, uma das grandes capacidades do cinema. Malala contou um pouco mais sobre seu novo projeto para Splash:

Como você vê o poder do cinema, além de contar histórias, ser uma ferramenta importante para um mundo mais democrático?
Muitas vezes os problemas do mundo dos quais ouvimos falar por meio das notícias parecem tão distantes da nossa própria realidade. Histórias, especialmente os documentários, dão ao público a oportunidade de compreender como estas questões globais que afetam a nossa vida cotidiana. Por exemplo, as haenyeo passaram quase toda a vida perto ou no oceano. Elas sabem como o oceano está sendo afetado pelas alterações climáticas. Elas veem como o aquecimento das águas e a poluição estão afetando a vida marinha. Histórias como as de "As Últimas Mulheres do Mar" são vitais para aumentar a conscientização. O filme mostra que a realidade que pessoas em todo o mundo enfrentam e permite que a gente se conecte à humanidade uns dos outros --tomara, que isso se transforme em atitudes.

Hoje em dia, em um mundo tão conectado, as pessoas vivem vidas projetadas nas redes sociais, isoladas e ansiosas. Você vê na forma coletiva que as haenyeos vivem, que elas são uma inspiração para construir um modo de vida mais "pé no chão"? Essas avós guerreiras podem ensinar e inspirar novas gerações de mulheres a se unirem e trabalharem juntas?
As relações intergeracionais entre a haenyeo mais velhas e a mais novas são algumas das minhas partes favoritas deste documentário. Tornei-me ativista desde muito jovem, mas não fiz isso sozinha. Aprendi muito com meu pai. Se quisermos construir uma sociedade mais justa, precisamos que cada geração se una em torno de uma visão partilhada. Também acho que as gerações mais jovens, inclusive eu, como membro da Geração Z, têm muito a aprender com os mais velhos. Não podemos dar nosso mundo como garantido. Devemos respeitar e preservar o nosso ambiente para que ele esteja disponível para as gerações futuras.

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As haenyeo também são uma das poucas sociedades matriarcais do mundo. Todos nós poderíamos nos beneficiar se vivêssemos nossas vidas apoiando uns aos outros. As gerações mais jovens, que se sentem ansiosas e sozinhas e que recorrem às redes sociais para se sentirem menos solitárias, poderão sentir uma conexão melhor se aderirem a um clube na escola ou se fizerem voluntariado no seu bairro. As haenyeo nos mostram que nossas vidas são muito mais gratificantes quando temos um propósito maior do que simplesmente quantos seguidores você tem ou se seu último vídeo teve muitas visualizações.

Você poderia contar um pouco sobre os próximos projetos da Extracurricular Productions? Você se concentrará principalmente em documentários ou também em filmes de ficção?
Espero fazer muito por meio da minha produtora, incluindo comédias e séries dramáticas. Por meio de todos esses projetos, espero dar a mais mulheres jovens uma plataforma para contarem as suas histórias. Tenho outro documentário que está sendo lançado na Apple TV + em novembro, o "Pão, Rosas e Liberdade" ("Bread & Roses"), que foi produzido por Jennifer Lawrence e dirigido por Sahra Mani. Conta a história de mulheres no Afeganistão que protestam contra os talibãs depois de terem subido ao poder em agosto de 2021.

É um testemunho incrivelmente poderoso da coragem das mulheres afegãs que vivem sob o regime opressivo dos talibãs. Tenho orgulho de podermos fazer parte deste filme porque ele mostra o que essas mulheres estão realmente vivendo, com imagens que não vemos tanto nos principais meios de comunicação. Espero que as pessoas assistam ao documentário e peçam aos seus líderes que responsabilizem o Talibã.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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