Diretores de 'Senna' fazem 'thriller íntimo' e mostram piloto além da pista
O que mostrar sobre Ayrton Senna que já não foi mostrado? Esta é a grande pergunta que tanto o público faz quanto os próprios diretores de "Senna", série ambiciosa que estreia dia 29 na Netflix.
Grande produção que leva para as telas a trajetória de um dos maiores nomes do automobilismo internacional, "Senna" tem direção geral de Vicente Amorim, que também é showrunner, e de Júlia Rezende, além de produção de Fabiano Gullane e Caio Gullane.
A série busca não só recriar com maestria as grandes corridas que o tornaram uma lenda, mas também trazer a dimensão da vida privada, tanto em família quanto amorosa.
Também mostra sua personalidade obstinada e as tantas polêmicas que comprou com poderosos da Fórmula 1 em sua obsessão por se tornar um grande campeão, além de sua luta por um campeonato que primasse pela competição nas pistas e não pela politicagem fora delas.
"Existia uma infinitude de materiais, livros, séries, documentários que já se debruçaram sobre o Senna e sobre a trajetória profissional dele. E como é que a gente poderia fazer para encontrar uma perspectiva, um ponto de vista original?", declarou Júlia Rezende em uma conversa com jornalistas brasileiros e internacionais durante as filmagens no autódromo de Buenos Aires, no final de julho de 2023.
Na ocasião, foram rodadas cenas de pista, mais tensas, quando Senna, já na McLaren, tentava ultrapassagens. Fora das pistas, nos boxes, o ator francês Arnaud Viard, na pele do polêmico Jean-Marie Balestre, era cercado por um grupo de jornalistas.
Um dos repórteres tem importância crucial para a condução da trama: Laura (Kaya Scodelario), filha de pai inglês e mãe brasileira, que acompanha a carreira do brasileiro desde sua estreia no exterior, na Fórmula Ford 1600, em 1981, na Inglaterra, e com quem ele tem diálogos que vão pontuando cada momento de sua vida.
Vale lembrar que Balestre foi presidente da Fisa (Federação Internacional de Esporte Automobilístico) de 1979 a 1991 e da FIA (Federação Internacional de Automobilismo) de 1986 e 1993. O francês se tornou famoso entre os brasileiros principalmente porque foi o responsável pela desclassificação de Senna no Grande Prêmio do Japão de 1989, quando o brasileiro tentava o bicampeonato e se chocou com o carro de Prost.
As sequências de pista filmadas no dia em que Splash visitou o set incluíram cenas de Grandes Prêmios que entraram para a história, como o GP de Interlagos de 1991, o GP do Canadá (Circuit Gilles Villeneuve) de 1990, o da Inglaterra (Silverstone) de 1990 e Bélgica (Spa Francorchamps) de 1990.
É exatamente encontrar o equilíbrio entre pista, boxes, bastidores, vida pessoal e, principalmente, a perspectiva pessoal de Ayrton o grande desafio encarado não só por Júlia e Vicente, mas por toda a equipe de roteiristas.
Tudo, do próprio roteiro à direção de arte e efeitos especiais, passando pelo elenco e até pelos efeitos especiais, devia trazer a dimensão humana de Senna.
Takes dos olhos de Gabriel Leone, que vive o piloto brasileiro, eram cruciais para passar a emoção e a tensão que Senna viveu, por exemplo, no GP de Interlagos 1991, quando venceu com o carro engatado apenas na sexta marcha. O esforço foi tamanho que o piloto teve exaustão muscular e precisou ser atendido pelo médico Sid Watkins, que também se tornou amigo do brasileiro.
Senna teve até dificuldade para levantar o troféu no pódio e, na série, Gabriel Leone revive o momento de alegria e dor com maestria.
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Quero receberSe nas pistas a adrenalina foi imensa, recriada e dirigida com exímio cuidado por Amorim, nos boxes, a exaustão e o mix de sentimentos do piloto revelam que o esforço hercúleo também o levou à exaustão física e a um estado emocional que foi do cansaço à euforia e ao alívio, tudo ao mesmo tempo agora.
Essa sequência é uma das tantas que revelam o desafio de se contar a história nas pistas e de dentro do cockpit e da perspectiva de Senna —este talvez o maior desafio de fato.
"Como a gente faz para ter uma linguagem, uma câmera que revelasse esse personagem por dentro? Acho que o roteiro vai nos apresentando também a intimidade desse personagem. A gente tem a oportunidade de entrar na intimidade da família dele, dos afetos dele, de quem era esse homem quando ele colocava a cabeça no travesseiro na véspera de uma corrida", analisou Júlia, diretora de filmes como "A Porta ao Lado" e "Depois a Louca Sou Eu", em que constrói histórias que trazem humor, leveza, mas também exploram questões de relacionamento e intimidade.
Júlia conta que ficou surpresa com o convite de Vicente para codirigir "Senna".
Quando ele me ligou, acho que a gente nem se conhecia pessoalmente ainda e eu falei: 'Você ligou para a pessoa certa?' Eu achei muito surpreendente e muito desafiador, muito interessante. Nasci em 86. Então, quando o Senna morreu, eu era uma criança.
Júlia Rezende
"É claro que eu me lembro da família no domingo, tenho essa memória afetiva, esse registro. Mas não era uma fã de Fórmula 1 naquela idade, não acompanhei. Tem sido um mergulho muito profundo de tudo mesmo, de se dedicar a ler e assistir tudo. O portal se abriu de todo um novo universo de personagens, lugares, enfim, de toda essa ambientação que a Fórmula um tem de percorrer", completou Júlia.
O que diferencia o Senna de todos os outros pilotos de F1 é que ele era demasiadamente humano. Ele era todo coração. Não era só a técnica, não era só um gênio esportivo. Ele era uma pessoa de quem você sentia o coração pulsando mesmo ao vê-lo na televisão e de quem você sentia a verdade e a sinceridade em cada curva que ele fazia, em cada resposta que ele dava.
Vicente Amorim
Para trazer este coração, a parceria com Júlia vai ao encontro justamente de trazer a dimensão das relações pessoais, da dimensão mais íntima e de uma sensibilidade que um thriller íntimo pedia.
"Quem é o homem para além do uniforme? A minha contribuição vem muito nesse sentido, para uma tentativa de humanizá-lo e de encontrar as fragilidades, as vulnerabilidades. A F1 é sem dúvida um ambiente muito masculino e, inclusive, acho que muito machista. A gente pode dizer também assim. Então, acho que todas as personagens femininas dessa história são muito fortes e muito relevantes", analisa Júlia.
Vicente concorda e acrescenta: "Todos nós, homens, somos machistas. Um homem dos anos 80 não há como ser exceção. Mas ele tinha uma sensibilidade muito superior que a maioria de nós, homens, temos hoje, nos anos 2020, na relação dele com as mulheres. Não só o respeito dele por elas, mas como o peso que elas tiveram nas decisões que ele tomou ao longo da vida."
Para o diretor, Senna buscou em cada uma delas um amor verdadeiro.
Isso pode soar piegas e clichê, mas o amor às vezes é assim e ele tinha essa sensibilidade. Uma coisa que ficou muito clara é que ele era um romântico, mas um romântico respeitoso, um romântico bacana, divertido. Ele nunca considerou nenhuma das parceiras como um acessório na vida dele.
Vicente Amorim
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