Efeitos visuais de 'Senna' garantem veracidade e emoção a cenas marcantes
"Definitivamente, eu não posso me considerar a pessoa mais importante do set, mas é legal entrar no set e todo mundo olhar e falar: 'Olha o cara do VFX (efeitos visuais).' Eu fiz umas marcas, mas até parei de fazer, toda vez que alguém virava pra mim e falava assim: 'Isso resolve em VFX. É fácil de resolver em VFX'", comentou Marcelo Siqueira, que liderou a equipe de VFX de "Senna", em conversa com a imprensa que visitou o set da série durante um dia de filmagem no autódromo de Buenos Aires, em julho de 2023.
Realmente, nem tudo se resolve com efeitos especiais, mas no caso de "Senna" muito da série se construiu graças ao VFX e ao casamento perfeito dos efeitos especiais com a direção no set do que foi chamado de Unidade de Performance. Basicamente, enquanto o diretor e showrunner Vicente Amorim e a diretora Júlia Rezende dirigiam a unidade principal da série, mais focada nas cenas dramáticas, Marcelo Siqueira e o também brasileiro Rodrigo Monte (parceiro de Amorim em trabalhos como a série "Da Ponte pra Lá") se uniram a Cory Geryak (que assina a direção de fotografia de grandes trabalhos como " Missão Impossível" e "Ford vs. Ferrari") para dirigir a segunda unidade da série, que basicamente compreendia todas as cenas de pista, carros, corridas, disputas e afins, a "unidade de performance".
Agora, que "Senna" já estreou e o público de todo o mundo pode finalmente conferir o resultado de mais de uma década de trabalho dos produtores Caio Gullane e Fabiano Gullane, cuja parceria com a Netflix foi crucial para a realização de um projeto ambicioso como esse, um ponto é unânime: a série é impecável tecnicamente e as cenas de corrida não só são eletrizantes dramaticamente como perfeitas ao transmitirem a emoção de cada ultrapassagem, a frustração de cada prova perdida, a tensão de cada largada. Em "Senna", ação e drama não andam, correm, quase voam, juntos, em uma simbiose rara de se ver quando se trata de séries ou filmes sobre automobilismo.
"A possibilidade que o VFX traz para qualquer tipo de série é super bem vista. Então, acho que é meio que por aí.", completou Siqueira, carinhosamente chamado de Sica, que é especializado em pós-produção e efeitos visuais e sócio-diretor da Mistika Post.
Quando foi convidado por Amorim e os Gullane para entrar para o time de "Senna" em 2022, Sica seria líder de VFX e assumiu a função de produtor e de codiretor da célebre Segunda Unidade. Com vasta experiência na área, ele encarou o novo desafio de, mais que efeitos mirabolantes, trabalhar em equipe para dar veracidade e emoção a cenas antológicas da carreira do piloto brasileiro.
Como superar o que o público viu ao vivo na TV em 1984, quando Senna, debaixo de chuva, quase venceu o então campeão Alain Prost e deixou o mundo embasbacado com sua audácia e talento sob a chuva? Como transmitir a tensão e a adrenalina do GP do Japão em 1989, quando, ao tentar ultrapassar Prost, Senna se chocou com o francês em um episódio que entrou para a história como um dos mais polêmicos da vida do brasileiro e da própria Fórmula 1?
Mais do que telas verdes, efeitos da pós, computação gráfica em 3D ou qualquer outro recurso técnico amplamente dominado pela equipe da Segunda Unidade (tanto a presente no set quanto os mais de mil profissionais em diversos países) foi a escolha de sempre filmar e construir as cenas do ponto de vista de Senna ou muito próximo a ele, como quem também estava na pista, o grande acerto das sequências de ação. Mais que pirotecnias para mostrar o que a equipe era capaz (e era e foi capaz de muito), Vicente Amorim e a Segunda Unidade apostam na técnica a serviço da história.
"O drama na pista também precisa ser muito bem representado. Então, para poder representar esse drama, a gente tem uma combinação tanto de uma performance ao vivo como para buscar a expressão dos atores e para ter os close ups. É tudo muito mais perto. A gente vai para um outro mundo, que é o mundo da Virtual Production e do Volume Capture, que é onde a gente recria o mundo do Virtual Production, que tem um painel de LED atrás onde a gente está num super close up", explicou Sica.
"Assim, você está seguro, tá num estúdio controlado, mas tem todo um ambiente ao redor daquilo que precisa ser real: o vento, a chuva, a vibração. Fora o próprio cenário. E, então, a gente tem as performances mesmo, que são carros e quantos forem na pista correndo, super ensaiados. Quando a gente vai filmar isso, tem uma equipe pensando no ensaio da performance, a equipe de câmera, o diretor e tudo mais que está entendendo como é aquela cena", continuou.
Além da equipe técnica, uma equipe de segurança também é necessária, que diz literalmente o que pode e o que não pode. "E se não pode, mas a gente precisa, como a gente faz? 'Ah, eu preciso ter o choque dos dois carros. Então tá bom.' Então, quando eu chegar, a gente vai de verdade até chegar nesse lugar", detalha.
E acrescenta: "E na hora que eles vão se chocar, a gente vai cortar para um outro plano e aí eu faço um, depois faço outro. Aí junta ou depois vai para o mundo todo em computação gráfica e a gente deixa nossos pilotos salvos e seguros."
Para que essa engrenagem funcionasse perfeitamente, foi minuciosamente construído o Studio Chroma (de chroma key, a famosa tela verde que permite que, na fase de pós-produção, imagens sejam aplicadas. "A gente chama de estúdio de sprite, onde toda figuração passa por ali também. E a gente grava as cenas do fundo verde para eles, elementos para poder ajudar no mundo da composição. Porque a hora que você olha para qualquer bancada são 3 mil pessoas. O volume é enorme", detalhou Sica.
O diretor de efeitos explicou ainda que dimensionar as proporções entre o estúdio e os autódromos reais também foi um desafio à parte. "Quando você chega na pista, tudo é muito grande no sentido de dimensão mesmo. Então, qualquer coisa que você tenha que construir é grande e a velocidade nessa hora te obriga a ter cenários infinitamente maiores, porque imagina que assim um segundo são 100, 300 km/ hora, o quanto a gente passa naquele pedacinho? Então, um dos grandes desafios nesse lugar é: 'Bom, como é que eu faço um plano em que eu preciso de arquibancada, guard rail e toda aquela estrutura que 100 metros, 200 metros não me são suficientes porque eles não duram nada?", observou.
Foi tentando e testando que soluções vieram. "A gente fez um teste de chuva. Para você ter uma ideia, neste primeiro programa que a gente fez, tínhamos 100 metros de chuva para poder testar como era a reação da água e tudo mais. Só durava um segundo na tela. As dimensões físicas já são enormes. E aí quando você entra num mundo de recriar ambientes que já existiram, a gente tem um compromisso com a realidade muito forte também, o tempo inteiro."
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Quero receberA realidade de construir cenários históricos foi outro desafio. Para Sica, construir autódromos que já não existem mais, como Suzuka no Japão ou Interlagos, era entender que esses lugares existem hoje, mas não mais como eram nos anos 80 e 90. "É aí que entra um desafio muito grande de logística, de reconstrução, o que a gente chama de extensão. E se cai num lugar onde se tem sei lá quantas corridas, pelo menos 20, onde se tem uma quantidade de público imenso. E o público é um outro desafio, porque a hora que a gente está nos planos mais fechados, você conta a figuração. A hora que você vai para planos mais abertos tem que por 3D", concluiu.
Para alcançar tudo isso, três equipes rodaram ao mesmo tempo em frentes diferentes por mais de 150 dias de filmagens, além do trabalho da lendária "pós", que contou com profissionais do Brasil, China, Índia, Canadá e Estados Unidos, em uma babel de troca de trabalhos e mais de 1.500 planos que requereram efeitos especiais.
Tanto quanto a expertise dos profissionais foi essencial para solucionar todas essas questões quanto pensar sempre em função da história fizeram toda diferença. Os efeitos visuais não tiram o espectador das cenas, mas o levam para o centro da ação dramática. O resultado é pura adrenalina misturada à nostalgia (por parte de quem viveu ao vivo a época) e descoberta (no caso das gerações mais jovens).
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