Flavia Guerra

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Opinião

Investimento, debate e muita viagem: o caminho de Fernanda Torres ao prêmio

"O que o Brasil precisa fazer para ganhar o Oscar?" Entra ano, sai ano, e os jornalistas especializados em cinema, além dos críticos, sempre escutam essa pergunta na temporada de premiações. A de 2025 começou neste domingo (5) com a entrega dos Globos de Ouro e abriu ainda mais o caminho para que o Brasil conquiste uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional e, claro, de melhor atriz para Fernanda Torres.

"É muito estranho. Eu tenho a sensação de que estou em um universo paralelo, eu nunca ganhei este prêmio e vivo uma vida normal", respondeu Fernanda Torres a uma repórter da TV Globo na coletiva de imprensa logo após a premiação no Globo de Ouro, em que ela levou o prêmio de melhor atriz em drama por seu trabalho impecável em "Ainda Estou Aqui".

Pois bem, em um universo paralelo, o brasileiro ainda tende a achar que há uma receita ou uma fórmula mágica com a qual o Brasil vai levar o Oscar e uma ideia de que a pergunta é praticamente retórica, já que tal feito nunca aconteceu.

Mas, nesse universo de hoje, o cinema brasileiro faz história e, como afirmou o diretor Walter Salles em entrevista para Splash, está se reconectando (mais uma vez) com seu público. Ainda que mais do que desejada, a vitória de Fernanda também foi uma surpresa para o Brasil, afinal, como bater, com um filme falado em português, nomes como Nicole Kidman (apontada como favorita), Angelina Jolie, Tilda Swinton, Kate Winslet e Pamela Anderson?

Walter Salles e Fernanda Torres; atriz concorre ao Globo de Ouro
Walter Salles e Fernanda Torres; atriz concorre ao Globo de Ouro Imagem: Alile Dara Onawale / Divulgação

Só com uma receita que equilibra uma produção contínua de filmes ao longo desses 25 anos, política pública que investe nessa produção, um ótimo filme, prêmio em um festival internacional importantíssimo, uma campanha forte com verba para promover o filme, debates, viagens da equipe e quase transformar Fernanda em uma aeromoça, como ela brincou, e o trabalho da mídia, nacional e internacional, apontando o valor do filme e de Fernanda para a opinião pública e para os próprios jornalistas e críticos que votam no Globo de Ouro.

Dito tudo isso, foi uma surpresa a vitória de Fernanda? Foi. Mas uma surpresa só possível graças a essa equação muito bem resolvida, que fortaleceu "Ainda Estou Aqui" e deixou espaço para que o impossível ocorresse.

Demi Moore fez discurso emocionante após vencer na categoria de Melhor Atriz em Filme de Comédia ou Musical
Demi Moore fez discurso emocionante após vencer na categoria de Melhor Atriz em Filme de Comédia ou Musical Imagem: Rich Polk/GG2025/Penske Media via Getty Images

Em uma premiação sem grandes surpresas e emoções, foram duas atrizes, Fernanda Torres e Demi Moore, que agitaram os corações do público que acompanhou a cerimônia longuíssima e um tanto quanto atrapalhada (o que nem é de todo ruim, pois quebra o protocolo e dá uma certa humanidade). Um teleprompter que falha rapidamente, duas atrizes (Moore e Margaret Qualley) que se distraem e quase esquecem de anunciar o prêmio, um vídeo que falha? Há uma graça nos imprevistos, que também agitaram um pouco a festa, que vinha previsível.

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No mais, em uma noite sem necessariamente momentos inesquecíveis, a apresentadora Nikki Glaser fez um discurso de abertura cheio de piadinhas ácidas, mas nitidamente cuidadoso para não ofender ninguém. A primeira mulher a apresentar sozinha a premiação fez algumas boas piadas e tantas outras realmente insossas, equilibrando o saldo geral. Na verdade, talvez valha não ter apresentador e/ou se conformar que a figura está no palco para conduzir e não necessariamente para tentar a todo custo fazer rir. Isso porque, segundo ela, houve 91 versões do roteiro da cerimônia, escrito por ela e por uma equipe de roteiristas.

Mas, antes do prêmio para Fernanda, nada havia animado tanto quanto o prêmio de melhor atriz em comédia ou musical para Demi Moore.

Em cena de "Emilia Pérez", Zoe Saldaña, que levou o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante em Filme
Em cena de "Emilia Pérez", Zoe Saldaña, que levou o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante em Filme Imagem: Divulgação

"Emília Perez" já havia levado o prêmio de melhor filme de língua não inglesa (ou internacional), o que não deve jamais ser lido como uma derrota para o Brasil, além dos prêmios de atriz coadjuvante para Zoe Saldaña, canção para "El Mal". O último da noite foi também para o longo de Jacques Audiard, completando quatro Globos dos dez aos quais havia sido indicado.

"Shogun" já havia também confirmado seu favoritismo em TV com também quatro Globos (ator, ator coadjuvante, atriz e melhor série drama) e "Bebe Rena" também havia confirmado seu favoritismo com prêmio de melhor atriz coadjuvante em série e minissérie. "Flow", animação genial e inventiva, protagonizada por um gato preto, já havia tirado o favoritismo de "Robô Selvagem" e de "Divertidamente 2". Enfim, a lista de prêmios previsíveis é imensa em um ano em que de fato não havia francos favoritos, mas sim vários possíveis vencedores.

Adrien Brody vence o Globo de Ouro 2025 de Melhor Ator em Drama por "O Brutalista", que também levou Melhor Filme Drama e Melhor Direção
Adrien Brody vence o Globo de Ouro 2025 de Melhor Ator em Drama por "O Brutalista", que também levou Melhor Filme Drama e Melhor Direção Imagem: Michael Buckner/GG2025/Penske Media via Getty Images
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Desses, o inventivo "O Brutalista" desbancou o genial, mas clássico, "Conclave", que só levou melhor roteiro, e saiu com três prêmios dos mais prestigiados: melhor filme em drama, melhor direção (para o jovem Brady Corbet) e melhor ator em drama para Adrien Brody.

Memorável mesmo foi o prêmio de melhor atriz em comédia ou musical para Demi Moore por sua ótima performance em "A Substância", em que ela divide a cena com Margaret Qualley, indicada a atriz coadjuvante. Em "A Substância", Elisabeth Sparkle (Demi Moore), famosa por um programa de ginástica, é demitida ao fazer 50 anos. Em meio à sua angústia, um laboratório lhe oferece uma substância que promete transformá-la em uma versão melhorada de si mesma.

Demi Moore bateu favoritas como Cynthia Erivo e Karla Sofia Gascón. Mereceu cada grama de seu Globo de Ouro. Não somente porque o papel tem muito a ver com sua trajetória, mas porque, como bem disse em seu agradecimento, está há décadas tentando provar o que muitos negavam: é uma mega atriz também dramática! E que sabe rir e ironizar a pressão que ela mesmo sofre como mulher madura em uma indústria que por muito tempo não perdoava quem envelhece.

Viola Davis entrega o prêmio de Melhor Atriz em Drama para Fernanda Torres
Viola Davis entrega o prêmio de Melhor Atriz em Drama para Fernanda Torres Imagem: Michael Buckner/GG2025/Penske Media via Getty Images

Fernanda, aos 59 anos, também quebra mais essa barreira e prova, como bem diz, que a vida vale! E o cinema brasileiro vale muito também. Para encerrar por ora, como bem disse a atriz, seu prêmio diz muito sobre o cinema de hoje, "em que um filme falado em português pode ser indicado em uma categoria tão incrível e vencer." Ela estava tão feliz com a indicação, mas a internacionalização do cinema, pelo menos aos olhos dos críticos e jornalistas, deixa os brasileiros hoje (e o cinema que luta pela diversidade de histórias, idiomas e culturas) mais feliz.

Se as associações que entregam seus prêmios no decorrer desses dois meses e a Academia de Hollywood, que divulga seus indicados no dia 17 (quando "Ainda Estou Aqui" estreia nos Estados Unidos) e entrega seus Oscars em 2 de marco, vai concordar com a crítica, aí saberemos em breve. Por ora, é comemorar e seguir na campanha (pelo Oscar e por um cinema brasileiro cada vez mais forte e próximo de seu público).

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Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferente do informado anteriormente, Kate Winslet foi indicada à melhor atriz de drama no Globo de Ouro, e não Cate Blanchett. O texto foi corrigido.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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