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Guilherme Ravache

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Resultado ruim e concorrência aumentam pressão por publicidade na Netflix

Crescimento de novos assinantes desacelerou - Reprodução / Internet
Crescimento de novos assinantes desacelerou Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

04/05/2021 04h00

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Resumo da notícia

  • A Netflix anunciou que não alcançou sua meta de 6 milhões de novos assinantes no primeiro trimestre de 2021, chegando a apenas 3,98 milhões
  • Aumento da concorrência e necessidade e crescer em países com menor poder aquisitivo podem forçar a empresa a aderir às assinaturas com publicidade
  • A WarnerMedia começará a oferecer nos Estados Unidos uma versão do HBO Max suportada por anúncios e que deverá custar apenas US$ 9,99 por mês
  • Analistas e investidores têm aumentado a pressão para que a empresa diversifique receita; publicidade poderia gerar mais de US$ 1 bilhão
  • Reed Hastings, CEO e fundador da empresa, acha difícil concorrer com Google, Facebook e Amazon pela publicidade
  • Caso a Netflix aceite publicidade em sua plataforma, TVs abertas e a cabo poderiam ser as maiores impactadas pela mudança

Há anos a Netflix resiste a ter publicidade em sua plataforma. Mas o anúncio de resultados da empresa na semana passada, com número de novos assinantes abaixo da meta, e o aumento da concorrência, com a HBO Max lançando um serviço suportado por anúncios, reacenderam a discussão sobre publicidade na Netflix.

Para Reed Hastings, fundador e co-CEO da Netflix, competir por publicidade é muito difícil. "O Google, o Facebook e a Amazon são tremendamente poderosos na publicidade online, porque estão integrando muitos dados de muitas fontes", afirmou Hastings no início de 2020. "Acho que esses três vão conseguir a maior parte do negócio de publicidade online. Para a Netflix crescer para um negócio de publicidade de US$ 5 bilhões a US$ 10 bilhões, você precisa arrancar isso dessas empresas", disse o executivo, acrescentando que "em longo prazo, não há dinheiro fácil nisso".

Os usuários parecem apoiar a posição da Netflix. Em 2018, a empresa realizou um teste mostrando campanhas entre o fim e início de filmes e séries para alguns usuários, a resposta foi negativa. Na época, a companhia explicou que era somente um teste para mostrar sugestões de novos conteúdos da própria plataforma. Não era um teste de publicidade, destacaram.

Mas o cenário do streaming mudou. A estratégia da Netflix de oferecer assinaturas a preços baixos para atrair novos usuários funcionou ao trazer mais de 200 milhões de assinantes. Ao mesmo tempo, a empresa realizava elevados investimentos em conteúdo usando dinheiro de empréstimos enquanto acumulava prejuízos. Porém, no final de 2020, quando reportou seu primeiro lucro operacional, a Netflix anunciou que iria reduzir a dívida e não precisaria de novos empréstimos. Logo depois, começaram aumentos nos preços das assinaturas do serviço em diversos países.

Outro fator é o aumento da competição. Um crescente número de novos concorrentes com estratégias agressivas e conteúdos de alta qualidade como Disney+, HBO Max e Paramount+ entraram no mercado mirando os clientes da Netflix.

A WarnerMedia, além de lançar seus filmes diretamente no streaming, como fez com "Mulher-Maravilha 1984", a partir de junho, começará a oferecer nos Estados Unidos uma versão do HBO Max suportada por anúncios. A assinatura custará apenas US$ 9,99 por mês. Atualmente, o Netflix custa US$ 13,99 por mês para um pacote padrão. Uma assinatura sem anúncios do HBO Max custará US$ 14,99 por mês.

Na teleconferência de resultados do primeiro trimestre de 2021 da Discovery, o fundador David Zaslav comentou sobre a surpresa da empresa com a boa aceitação do público para a publicidade na plataforma discovery+. "Vemos o Ad-Lite como uma espécie de grande sucesso", disse Zaslav. "E à medida que crescemos, continua a crescer." O discovery + atingiu a marca de 13 milhões de assinantes, adicionando 10 milhões desses assinantes apenas em 2021.

Resultados ruins

Na semana passada, o Netflix anunciou que não alcançou sua meta de 6 milhões de novos assinantes no primeiro trimestre de 2021, chegando a apenas 3,98 milhões. O crescimento desacelerou principalmente nos Estados Unidos, maior e mais rico mercado do mundo. Após o anúncio, o preço das ações da empresa caiu cerca de 10%. Há quem aposte que o mercado nos países desenvolvidos está saturado e resta pouco espaço para crescer.

Regiões menos desenvolvidas e com grandes populações, como o Brasil, são uma oportunidade para encontrar novos assinantes, porém o poder aquisitivo é mais baixo, o que exige assinaturas mais baratas.

Diante disso, a pressão de analistas e investidores para que o Netflix adote uma versão de seu serviço baseado em publicidade tem aumentado. Com assinaturas suportadas por publicidade a empresa atrairia novos usuários e criaria uma nova, e relevante, fonte de receita por meio da publicidade.

"Eles (o Netflix) terão que ter um sistema de preços de duas camadas [com uma incluindo publicidade], porque isso traz de volta ao modelo tradicional de duas fontes de receita", diz Laura Martin, analista sênior da Needham & Co. "O problema é ser o líder. Se você é um novo serviço de streaming, o lugar mais fácil de conseguir assinantes é na Netflix, porque seus clientes já demonstraram tendência a assistir a conteúdo de streaming ", disse a analista em entrevista ao FT.

Em 2019, analistas da Nomura Instinet calcularam que a Netflix poderia gerar mais de US$ 1 bilhão em receita publicitária por ano se lançasse um plano com publicidade, com US$ 700 milhões desse valor sendo lucro. As estimativas da empresa de Wall Street basiavam-se na suposição de que a Netflix lançaria uma camada gratuita para o consumidor em 2020 que escalaria para cerca de 25% de sua base de assinantes pagos até 2021. Hoje, esse valor seria ainda maior.

Obviamente, existe o risco de uma assinatura mais barata com publicidade "canibalizar" a assinatura premium. E o resultado dessa dinâmica é difícil de calcular. Mas o Netflix é um dos campeões de retenção de atenção, segundo Hastings, a TV linear (aberta e a cabo) e o YouTube são seus concorrentes quando se trata de horas de atenção dos usuários. Vale notar que tanto a TV quanto o YouTube tem a publicidade como parte de seu modelo de negócio.

Se o Netflix vai ceder à pressão e adotar assinaturas com publicidade é uma questão aberta. Mas se isso acontecer, será uma revolução, particularmente no mercado publicitário. E as maiores vítimas devem ser as TVs, que já sofrem com a acelerada migração da verba de publicidade para os meios digitais, como os ótimos resultados financeiros de Google e Facebook semana passada mostraram.