Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Algoritmo do Spotify privilegia músicos homens, diz pesquisa
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Resumo da notícia
- No Top 50 do Spotify no Brasil, somente seis músicas de mulheres aparecem na lista. No Top 10, somente uma.
- Algoritmo "utilizado" em serviços de streaming como o Spotify tem mais probabilidade de recomendar músicas de homens do que de mulheres
- Segundo estudo, em média, as seis primeiras faixas recomendadas são de homens, os usuários tinham que esperar até a música sete para ouvir uma mulher
- Pesquisadores afirmam que ajustes no algoritmo poderiam tornar as sugestões mais equilibradas e menos sexistas
- O Spotify é a maior plataforma, mas o problema também acontece em outras plataformas de streaming de música como o YouTube
- O Spotify é a maior e mais importante plataforma de música, aparecer mais ou menos ajuda as gravadoras a decidir onde investir
Muitos argumentos sobre o progresso feminino são uma ficção conveniente para os homens. E poucos lugares deixam isso tão evidente quanto as playlists do Spotify. Hoje, no Top 200 da plataforma no Brasil, entre as 50 músicas mais tocadas no país, somente seis músicas de mulheres aparecem na lista. Nas 10 primeiras, há somente uma, "Disco Arranhado" (Funk Remix) de Malu e DJ Lucas Beat.
Há tempos se discute como os algoritmos privilegiam ou prejudicam determinados grupos. Historicamente, boa parte dos programadores são homens, brancos e héteros. As decisões que tomam ao desenvolver as tecnologias influenciam a maneira como elas funcionam, e não raro, essas decisões são tendenciosas, mesmo que isso aconteça involuntariamente. Com os algoritmos, não é diferente.
O Spotify, como outras empresas de streaming, também usa humanos para ajudar os algoritmos na escolha de suas indicações, mas isso parece ter pouco efeito nos resultados finais. Um algoritmo "amplamente utilizado" em serviços de streaming, incluindo o Spotify, tem mais probabilidade de recomendar músicas de homens do que de mulheres, aponta um estudo publicado em março.
Pesquisadores europeus analisaram os hábitos de escuta de 330.000 pessoas, ao longo de nove anos, e descobriram que apenas 25% dos artistas ouvidos em todo esse período foram mulheres.
"A representação de mulheres e minorias de gênero na indústria da música é tremendamente baixa. Cerca de 23% dos artistas no Billboard 100 de 2019 eram mulheres ou minorias de gênero. As mulheres representam 20% ou menos dos compositores e compositores registrados, enquanto 98% das obras executadas por grandes orquestras são de compositores homens", afirmam os autores do estudo em um artigo para a The Conversation.
"Esse viés também está presente nos serviços de streaming. Algumas 'superestrelas' femininas dominam entre os artistas mais populares, mas a maioria das mulheres e artistas mistos estão nos níveis mais baixos de popularidade. Embora o problema venha de fora da indústria musical, as plataformas de música online e seus algoritmos que recomendam música - chamados de recomendadores - desempenham um grande papel", afirmam os autores.
Sugestões 'viciadas'
O problema começa pela recomendação do algoritmo. Segundo os pesquisadores, quando testaram o algoritmo, descobriram que, em média, as seis primeiras faixas recomendadas são de homens, e os usuários tinham que esperar até a música sete ou oito para ouvir a música de uma mulher.
Há anos o assunto é discutido. Uma olhada nas playlists do Spotify mostra a preponderância masculina nos rankings e sugeriram que artistas femininas não têm tanta exposição quanto artistas masculinos. A cantora americana Martina McBride chamou atenção, em 2019, ao apontar o problema na imprensa. Outras artistas reclamam privadamente, mas tem receio de "brigar" com a plataforma e de algum modo serem prejudicadas.
Mas o estudo europeu dá novo fôlego para essa discussão.
Uma olhada no ranking de vídeos de música do YouTube Brasil, neste momento, mostra um cenário semelhante ao do Spotify. No topo da playlist de vídeos de música, Anitta lidera na primeira posição, e Marília Mendonça, aparece na terceira posição. Mas entre os 20 primeiros, há somente 5 mulheres. Mas vale notar que no mesmo YouTube Brasil, quando a playlist se limita à música, "Disco Arranhado" de Malu aparece em quanto e "Foi Pá Pum", de Simone & Simaria, vem em 19°. Mas há somente 2 mulheres no Top 20. Já no Top 50 de músicas do YouTube Brasil, somente três mulheres, com Marília Mendonça na posição 48, com "Troca de Calçada".
Ou seja, as mulheres representam somente 6% da lista das 50 músicas mais tocadas no YouTube. No Spotify a proporção é até melhor, 12%. Mas segundo dados do IBGE, as mulheres são mais de 51% da população brasileira.
Furando a bolha
Como acontece nas redes sociais, os algoritmos tendem a criar bolhas. Conforme os usuários ouvem as músicas recomendadas, o algoritmo aprende o padrão e o intensifica. Isso cria um ciclo de feedback.
A sugestão dos pesquisadores é quebrar esse ciclo. "Criamos uma abordagem simples para dar gradualmente mais exposição às artistas mulheres. Pegamos as recomendações calculadas pelo algoritmo básico e as reclassificamos (movendo os artistas homens um número específico de posições para baixo)", diz a autora do estudo, Dra. Christine Bauer, da Universidade de Utrecht.
"Em uma simulação, estudamos como nossas recomendações reclassificadas podem afetar o comportamento de escuta dos usuários a longo prazo. Com a ajuda de nosso algoritmo de reclassificação, os usuários começaram a mudar seu comportamento. Eles ouviriam mais artistas femininas do que antes", diz Christine.
Eventualmente, o algoritmo de recomendação aprendeu com essa mudança de comportamento. Isso começou a colocar as mulheres em posições mais altas na lista de recomendações, mesmo antes da reclassificação. Em outras palavras, o ciclo de feedback foi quebrado e as mulheres começaram a ganhar melhores posições.
Isso mostra como é possível equilibrar o jogo. "Nosso método simples pode ajudar a resolver os preconceitos nos algoritmos que desempenham um grande papel na maneira como muitas pessoas descobrem novas músicas e artistas", afirma a pesquisadora. O próximo passo do estudo será avaliar como os consumidores reais percebem as mudanças introduzidas pela estratégia de reclassificação e como isso afeta seu comportamento de escuta a longo prazo.
E eu com isso?
Então, as playlists do Spotify são incrivelmente masculinas. Por que isso importa? Porque o Spotify é a maior e mais importante plataforma de música no mundo. Além de uma fonte de renda para os artistas, também é uma maneira para o público descobrir novos talentos. Se o algoritmo mostrar mais homens e menos mulheres, o ciclo que beneficia homens na indústria musical é alimentado e intensificado. Mais homens tocando no Spotify, mais homens serão escolhidos para se tornarem apostas das gravadoras. Mas como o estudo defende, ajustes no algoritmo podem dar chances mais igualitárias também para as mulheres na indústria da música.
Questionada pela coluna, a empresa respondeu: "O Spotify leva a responsabilidade algorítmica muito a sério e estamos trabalhando para abordar este tópico com uma pesquisa focada em uma iniciativa de educação para prevenir o viés algorítmico não intencional. O Spotify financiou o estudo da USC Annenberg nos últimos anos e criou iniciativas e programas internos para apoiar mulheres criadoras, entre eles o EQUAL, o Sound Up, e o Escuta as Minas. Reconhecemos que ainda há trabalho a ser feito e o Spotify está comprometido em fazer parte de uma solução mais ampla do setor, compartilhando ativamente nossas melhores práticas e aprendendo com os outros".
O Spotify revolucionou a indústria musical. Agora, tem a oportunidade de mostrar que também pode 'salvar' o setor de uma injustiça histórica ao fazer com que o progresso feminino não seja somente uma ficção conveniente para os homens na indústria da música.
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