Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por que os ricos e famosos mentem mais que as pessoas normais
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Resumo da notícia
- Famosos contando mentiras não são uma novidade, mas a prática parece ter se intensificado nos últimos anos
- A publicidade cada vez mais usa famosos mentindo para vender produtos e normaliza a mentira
- Estudos indicam que o poder e a riqueza aumentam a propensão das pessoas para trair e mentir
- As redes sociais intensificaram o fenômeno, com os artistas cada vez menos dependentes da imprensa para alcançar o público
- Os algoritmos ainda intensificam a bolha em torno dos famosos, onde quem questiona pode perder acesso à celebridade
Os jornalistas Daniel Palomares e Renata Nogueira, do Splash, publicaram essa semana um texto mostrando como os famosos iludem o público e recorrem a mentiras para faturar com publicidade. Pabllo Vittar vai se casar. Fiuk mandou nudes para amigos. Marina Ruy Barbosa está loira. Simone e Simaria não serão mais uma dupla. Tudo mentira para enganar o público e vender mais produtos.
Por que isso é um problemão? Como fala na reportagem Alexandre Gimenez, gerente geral de Notícias e Entretenimento do UOL, "a mentira não pode ser relativizada. Quando a imprensa checa uma informação com fonte oficial e recebe confirmação de uma notícia falsa, a seriedade e a credibilidade desse meio de comunicação ficam comprometidas em nome do marketing. Isso é inadmissível. Especialmente em um momento como o atual, em que lutamos dia a dia contra fake news".
Infelizmente, ao usarem a mentira como estratégia de vendas, as marcas estão institucionalizando uma realidade que cresce há anos, particularmente no mundo dos famosos.
Um popular estudo de 2012 intitulado "Classe social mais alta prevê aumento de comportamento antiético" confirmou muitas de nossas piores suposições sobre os ricos e o poder de corrupção da riqueza.
Em um experimento, os pesquisadores se posicionaram em um cruzamento movimentado com sinais de parada de quatro vias e rastrearam o modelo de cada carro cujo motorista cortou os outros em vez de esperar sua vez. Pessoas dirigindo carros caros - como um Mercedes novo em folha - tinham quatro vezes mais probabilidade de ignorar as leis de direito de passagem do que aqueles em carros baratos.
De modo geral, diversas pesquisas sugerem que a riqueza e o poder tiram as inibições das pessoas, aumentam a aceitação de riscos e os sentimentos de direito e invulnerabilidade. Ao mesmo tempo, o poder torna as pessoas menos empáticas e incapazes de ver as perspectivas dos outros.
Fama, o anabolizante da mentira
Se o poder e a riqueza corrompem, é natural que os famosos se tornem ainda mais expostos a essa dinâmica, porque além dos recursos financeiros e sensação de invulnerabilidade, eles são admirados por milhares de pessoas.
Ricos e famosos mentindo não são novidade. Das fotos combinadas de novos casais às fotos sem calcinha de famosas para as revistas de celebridades, que fizeram sucesso nos anos 2000, boa parte eram combinadas com os fotógrafos. Mas com o advento das redes sociais o descaso por mentir só cresceu.
Dias atrás, o cantor Zezé Di Camargo passou por uma cirurgia no coração. A notícia começou a circular na imprensa e o jornalista Pedro Antunes, meu colega aqui no SPLASH, entrou em contato com a assessoria do cantor para apurar a informação.
Pedro não somente ouviu que o cantor não tinha passado por uma cirurgia, como ainda recebeu um vídeo de Graciele Lacerda, namorada do cantor e musa fitness, negando a informação. Pouco depois, foi confirmado que o cantor de fato havia passado pelo procedimento cirúrgico. O que levou Graciele a mentir? Entrei em contato com a assessoria de Graciele e Zezé ontem no meio da tarde, disseram que estavam avaliando e retornariam, o que não aconteceu até o momento.
As causas do problema
Nos últimos anos, o mundo das celebridades ficou de pernas para o ar com o advento das redes sociais. Veja o caso da família Camargo. Graciele, relativamente desconhecida até começar a relação oficialmente com Zezé (eles já namoravam há 10 anos, inclusive quando Zezé era casado), hoje tem 2 milhões de seguidores no Instagram. Zezé tem 3,3 milhões. Já Luciano Camargo possui 2,2 milhões, número próximo ao de Graciele. Wanessa Camargo, filha de Zezé, está praticamente empatada com o pai, com 3,2 milhões. Zezé e Luciano construíram suas carreiras com décadas de sucessos, e mesmo assim, parecem preteridos pela audiência nas redes sociais em comparação aos próprios familiares com carreiras menos brilhantes fora dos palcos mas bem-sucedidas nas mídias sociais.
Da mesma maneira que o Photoshop mudou nossa percepção da realidade e criou expectativas irreais de beleza nas capas de revistas, as redes sociais estão mudando nossos conceitos e criando novas expectativas com relação aos famosos.
No Instagram, todos viajam e os voos nunca atrasam. A não ser que o famoso (e até o anônimo) esteja irritado e use a reclamação para tentar uma solução imediata pressionando a empresa virtualmente. Sob influência das redes sociais, a ordem se tornou construir uma imagem perfeita. E isso incentiva os assessores a negarem qualquer acontecimento que possa parecer ruim.
O desejo dos famosos de manipular e controlar a percepção do público, cada vez mais se estende a outras mídias. Se seus milhões de seguidores aceitam sem questionar o que o famoso diz, por que um jornalista não aceitaria? São tempos em que mentir descaradamente deixou de ter consequência. A verdade e a mentira se perdem em um volume absurdo de informações das mais diversas fontes.
Algoritmos e um milhão de amigos
E existe uma lógica perversa de desvio de confirmação. O famoso tem milhões de seguidores e esses milhares de seguidores parecem concordar com tudo o que ele diz. Então, ele imagina que deve realmente estar certo porque na bolha dele todos concordam. Mesmo que o famoso saiba que está errado, ele ainda terá o apoio de batalhão de defensores no universo digital que não irá ouvir argumentos diferentes. Pouco importa que por trás da aceitação e concordância da audiência estejam algoritmos que estimulados por likes e antigas interações aproximem o famoso das pessoas com a mesma opinião que a dele.
Além disso, os famosos precisam cada vez menos da imprensa para falar com o público. Os 2 milhões de seguidores de Graciele são uma audiência maior do que muitos veículos de comunicação tradicionais alcançam. O respeito, e até em certo sentido o temor que fazia o famoso e seu assessor serem "mais honestos" com a mídia estão desaparecendo.
Para piorar, a imprensa embalada pela dinâmica digital, é cada vez mais fragmentada e estimulada pelas redes sociais a produzir muito, cada vez mais rápido e gerando impacto. Checar e apurar são desafios cada vez maiores em uma batalha minuto a minuto pela audiência.
Babá de luxo
Outro problema dos ricos e famosos é a cultura da babá de luxo. Famosos são constantemente bajulados, então por que um funcionário o trataria de modo diferente? Há uma relação de poder desigual entre o famoso e seu círculo. Melhor concordar com o famoso do que perder o emprego ou o acesso às coisas exclusivas e bacanas que a amizade com um famoso permite.
Observar o passado talvez ajude a iluminar o futuro. Em 2006, Karina Bacchi e José Valien, o "Baixinho da Kaiser", estamparam a capa da revista Caras anunciando um suposto namoro. Depois, soubemos que a iniciativa foi uma ação comercial da Kaiser. A exposição na mídia foi tremenda e inclusive rendeu uma capa na Playboy, da qual Karina diz se arrepender. Karina segue na ativa. Ela já venceu uma edição da "Dança dos Famosos" e a segunda edição de "A Fazenda". A carreira da atriz anda meio parada, mas o Instagram está bombando com 8,2 milhões de seguidores. Na plataforma, ela divulga um app de orações e fala de sua aproximação com a religião.
A bíblia diz, "mais fácil é passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus» (Lucas 18:24-25). Isso talvez ajude a entender por que tantos famosos após alguns anos de carreira busquem a redenção na religião.
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