Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por que o Brasil está se tornando o primo pobre do streaming no mundo
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Resumo da notícia
- Em 2022, streamings vão bater recorde histórico de investimentos em conteúdo, com destaque para o aumento de produções internacionais
- Empresas do setor devem investir juntas mais de R$ 1,3 trilhão em produções, um aumento de 14% em relação a 2021
- Sucessos como a série sul-coreana Round 6 fizeram disparar a busca por conteúdo produzido fora dos Estados Unidos
- Netflix é líder do streaming no Brasil e no mundo, mas mesmo tendo quatro vezes mais assinantes no Brasil, produzirá quase 2 vezes mais na Índia
- Não existência de cotas para produção de conteúdo local dentro dos serviços de streaming é apontada como uma das desvantagens do Brasil
- Carência de profissionais, aumento dos preços de estúdio e falta de estrutura seriam outras barreiras para aumento de produções brasileiras
O próximo ano deverá registrar o maior investimento da história em produções para serviços de streaming no mundo. Lideradas pela Netflix, as empresas do setor devem investir juntas mais de R$ 1,3 trilhão em conteúdo, um aumento de 14% em relação a 2021, de acordo com a Ampere Analysis.
"Em 2022, esperamos que o investimento em conteúdo ultrapasse US$ 230 bilhões (R$ 1,3 trilhão), principalmente impulsionado por serviços de streaming por assinatura, à medida que a batalha na arena de conteúdo original se intensifica - tanto nos Estados Unidos, mas também nos mercados globais, que são cada vez mais importantes para o crescimento", diz Hannah Walsh, gerente de pesquisa da Ampere Analysis, em um comunicado.
Com gastos de US$ 14 bilhões em conteúdo em 2021, a Netflix lidera os investimentos em streaming, representando 30% do total gasto em conteúdo de assinatura de vídeo on demand (SVOD), mas apenas 6% do investimento total em conteúdo global em 2021, de acordo com a Ampere
A Netflix é o terceiro maior investidor em conteúdo do mundo em gastos totais, atrás da Comcast e suas subsidiárias (US$ 22,7 bilhões) e da Disney (US$ 18,6 bilhões).
"A Comcast e a Disney investem pesadamente em direitos esportivos, que - junto com seus pesados investimentos em conteúdo original - contribuíram para suas posições de liderança na mesa. Os direitos esportivos representaram mais de um terço dos gastos da Comcast e da Disney em 2021 ", afirmou Hannah.
Mas esses números devem aumentar. A Disney revelou no início deste ano que pretende expandir seu orçamento de conteúdo em US$ 8 bilhões em 2022. A Netflix afirmou que pode até triplicar o investimento nos próximos anos e em 2022 deve gastar US$ 17 bilhões.
A WarnerMedia, dona da HBO Max, anunciou que iria se fundir com a Discovery para conseguir aumentar os investimentos em conteúdo. O plano é investir até US$ 20 bilhões em novas produções.
Brasil na contramão do streaming
As produções realizadas fora dos Estados Unidos nunca estiveram tão em alta. A série Round 6 se tornou o maior fenômeno de entretenimento do ano.
A produção coreana foi vista por 142 milhões de assinantes em 90 países (e finalizada por 87 milhões deles) nos primeiros 23 dias; mais de 1,5 bilhão de horas foram visualizadas nos primeiros 28 dias. A Netflix comprou a produção por US$ 22 milhões e gerou US$ 900 milhões em valor, de acordo com documentos internos que foram revelados em outubro pela Bloomberg.
Round 6 intensificou a corrida por "surpresas" internacionais. Segundo o colunista Matthew Beloni, "enormes investimentos em programação em idioma local levam a sucessos populares que podem ser promovidos por algoritmos para um público global treinado para aceitar legendas e atores estrangeiros; isso, por sua vez, criará um crescimento quase instantâneo e exponencial no consumo desse conteúdo. Em outras palavras: hits massivos. E os acessos se traduzem em assinantes, perpetuando o círculo virtuoso".
Dos 214 milhões de assinantes da Netflix, menos de um terço está nos Estados Unidos.
O Brasil já seria o segundo maior mercado do mundo em streaming. As plataformas internacionais de streaming nos últimos meses inclusive anunciaram o aumento de produções no Brasil, mas o volume é pequeno em comparação a outros mercados até menos relevantes em comparação ao Brasil.
Ou seja, o Brasil parece estar ficando de fora dessa "enxurrada" de recursos para a produção de conteúdo.
Barreiras para o crescimento das produções
A Globo investiu pesadamente no aumento de produções para o Globoplay. Em seu balanço divulgado em março, a emissora disse planejar investir R$ 4,5 bilhões em conteúdo e mais R$ 1 bilhão em tecnologia. Mas no volume geral, considerando os concorrentes internacionais, os números brasileiros para produção de conteúdo são tímidos.
A Netflix, líder do setor no Brasil e no mundo, anunciou semanas atrás uma série de novidades produzidas no país. Mas uma comparação com mercados semelhantes como a Índia evidencia como estamos em desvantagem.
No Brasil a Netflix tem cerca de 19 milhões de assinantes, conforme dados vazados do site do Cade. Na Índia, a Netflix tem pouco mais de 5 milhões de assinantes, segundo a consultoria Media Partners Ásia. Na Índia, a Netflix lançou mais de 70 filmes, documentários, programas e especiais de comédia, e já avisou que aumentará este número em 2022. A Netflix planeja desenvolver 40 ideias no Brasil em 2022.
Vale notar ainda que a Netflix na Índia é bem mais barata que no Brasil. Este mês a empresa cortou o preço dos seus planos no país em até 60%. O plano mais barato da Netflix na Índia custa cerca de R$ 11. No Brasil, o plano básico custa R$ 25,90.
A Netflix deve gastar US$ 1 bilhão apenas em programas coreanos, incluindo US$ 500 milhões este ano em filmes e séries lá. Isso além de US$ 1 bilhão no Reino Unido e US$ 400 milhões na Índia em 2019 e 2020, aponta Beloni. A América Latina é semelhante, mas o Brasil é um de vários países na região.
Falta de políticas para o setor
"Essa questão está ligada com a falta da regulamentação", diz Marina Rodrigues, cineasta e produtora. "Como não existe nenhuma legislação que determine investimentos mínimos, a Netflix acaba gastando bem abaixo do que poderia".
Marina com frequência destaca em seu perfil no Twitter produções de sucesso que recebem benefícios governamentais. O recente sucesso Não Olhe para Cima é um exemplo.
A Coreia, berço de Round 6 e um crescente número de produções de sucesso, é um dos países mais hostis do mundo às empresas internacionais de streaming. O governo criou políticas para proteger o mercado local e usa a influência para estimular segmentos de entretenimento como o K-Pop, cinema e TV.
A reação à chegada da Netflix ao país em 2016 é um exemplo. "Primeiro, os conglomerados de mídia local se uniram para formar a Wavve, uma plataforma de streaming nacional, que tem o objetivo de enfrentar o 'perigo estrangeiro' que a Netflix representa para o mercado", como afirma artigo de Daniela Mazur, Melina Meimarides e Daniel Rios.
"Segundo, a indústria sul-coreana está transformando o alcance das plataformas estrangeiras em um instrumento para expandir a Hallyu (onda coreana) globalmente. Portanto, é uma estratégia de mão dupla, na qual a indústria nacional se utiliza da Netflix para atingir públicos estrangeiros, mas localmente é hostil à empresa", acrescenta a publicação.
Crescentes polos de produção como Índia, França e Reino Unido têm implementado rígidas cotas locais de produção, forçando os grandes streamings a aumentar o volume de obras locais. O Brasil segue sem política específica.
Um executivo ouvido pela coluna também aponta a dificuldade de encontrar profissionais qualificados e até estúdios no país capazes de atender aos altos níveis de qualidade de plataformas como a Netflix. "A série 3% da Netflix era uma boa ideia e tinha grande potencial, mas a produção foi inconsistente e sofreu problemas de execução", afirma.
Resposta da Netflix
"Entretemos o Brasil há uma década e muita coisa mudou de 2011, com títulos licenciados e stand-ups, até 2021, com uma produção variada de conteúdos globais e locais. Esse ano marca os 5 anos da Netflix produzindo conteúdo local original e levando histórias brasileiras para o mundo todo, como 7 Prisioneiros e Cidade Invisível.
Em 2022, a Netflix investirá no desenvolvimento de 40 novas ideias, fomentando a produção de mais histórias brasileiras no audiovisual para audiências ao redor do Brasil, reforçando o compromisso em colocar Mais Brasil Na Tela. Continuaremos a trazer, todos os meses, conteúdo brasileiro inédito e exclusivo da Netflix, com a maior variedade de gêneros e formatos que ofertamos até hoje.
"Estamos dobrando nossos esforços no Brasil com um time local com os melhores executivos de criação, produção e pós-produção do mercado para apoiar o extraordinário ecossistema audiovisual brasileiro com o propósito de trazer mais histórias brasileiras para suas telas. Queremos oferecer uma plataforma para histórias contadas por diversos talentos, tanto atrás como na frente das câmeras", disse Francisco Ramos, Vice-Presidente de Conteúdo da Netflix para a América Latina.
Em novembro, no evento Mais Brasil na Tela, anunciamos:
A renovação de Sintonia, Casamento às Cegas Brasil e Brincando com Fogo Brasil
As animações O Menino Maluquinho e Acorda, Carlo!, que inauguram a oferta de conteúdo original brasileiro para toda a família
Biônicos, filme de ação e ficção científica de Afonso Poyart e um novo filme de Natal brasileiro, estrelando GKAY, Sérgio Malheiros e Vera Fischer. Também Carga Máxima, novo filme de ação.
Nova minissérie dramática Todo dia a mesma noite, inspirada no livro homônimo que conta a história real do incêndio na Boate Kiss, e novos projetos de comédia de Leandro Hassum, Whindersson Nunes e Rodrigo Sant'Anna.
Estamos confiantes que nossos lançamentos nos próximos anos vão seguir mostrando o nosso comprometimento em colocar Mais Brasil na Tela.
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