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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como a China venceu Hollywood e se tornou a maior do mundo em cinema

O filme chinês A Batalha do Lago Changjin foi segunda maior bilheteria do mundo - Getty Images
O filme chinês A Batalha do Lago Changjin foi segunda maior bilheteria do mundo Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

09/01/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • O mercado de cinema na China superou os Estados Unidos pelo segundo ano consecutivo
  • Menos produções internacionais no país e mais produções locais tem acelerado o crescimento dos cinemas e produtores chineses
  • A Batalha do Lago Changjin, filme sobre a vitória chinesa sobre os americanos em uma batalha na Guerra da Coreia foi segunda maior bilheteria do mundo
  • Apenas 21 filmes de Hollywood foram lançados na China em 2021, muito menos do que a cota de 34 títulos estabelecida
  • Homem-Aranha não foi suficiente para evitar o declínio da bilheteria nos EUA, onde o faturamento das salas de cinema em 2021 foi 60% menor que 2019
  • A China é um caso extremo, mas aponta para lições que o Ocidente pode aprender sobre incetivar as indústrias nacionais

Enquanto no Brasil muitos ainda encaram políticas de incentivo cultural como desperdício de dinheiro público, países como Austrália, Canadá, França, Inglaterra, Espanha, Índia, Coreia do Sul e até os Estados Unidos intensificam seus esforços para aumentar a produção local de conteúdo audiovisual.

A lógica é simples. Além da indústria cultural empregar milhares de pessoas e gerar divisas com a exportação de filmes e séries para o exterior, produtos culturais são um forte elemento de influência. Filmes, séries e músicas aumentam o poder de identidade nacional e geram o chamado soft power, a capacidade de influenciar estrangeiros levando de maneira sutil sua cultura para outro país.

Hollywood é um caso notório. Suas produções há décadas influenciam o restante do mundo. Mas o tempo em que os Estados Unidos produziam músicas e filmes sem enfrentar concorrentes internacionais ou limitações no exterior está ficando no passado.

Mas poucos lugares no mundo mostram o aumento da concorrência no setor cultural de maneira tão clara quanto a China e sua indústria cinematográfica.

Filmes com mais qualidade

Em 2020, a China ultrapassou os Estados Unidos como a maior bilheteria do mundo. O feito foi repetido em 2021. A pandemia tem relação direta com a mudança, mas não é o único fator. Enquanto nos Estados Unidos os espectadores ainda não voltaram aos cinemas, na China eles não somente voltaram como aumentaram a frequência de visita às salas.

Além disso, enquanto nas últimas duas décadas a indústria cinematográfica americana se apoiou cada vez mais no mercado chinês para crescer, os chineses criaram sua própria estratégia para crescer e vencer Hollywood.

Os estúdios chineses estão fazendo filmes melhores dos mais variados gêneros. Além disso, o país busca transformar sua crescente força cinematográfica em uma enorme máquina de exportação cultural e influência internacional.

A indústria de cinema chinesa tornou-se mais focada em filmes locais. Essas produções ganharam maior participação no mercado local graças à oferta reduzida de lançamentos de Hollywood e aos crescentes controles políticos do governo chinês sobre o setor cinematográfico.

Apenas 21 filmes de Hollywood foram lançados na China em 2021, muito menos do que a cota de 34 títulos estabelecida pelo Acordo de Cinema EUA-China assinado em 2012. Franquias como Viúva Negra, Shang-Chi, Eternals e Homem-Aranha não estrearam na China.

Maior concorrência interna

Hollywood e a indústria cinematográfica ocidental imaginavam que a China se tornaria mais um novo e crescente mercado a ser explorado. Mas a China se transformou em um gigantesco concorrente.

Imaginar que os filmes chineses são "menores" ou mera ideologia para um público sem opções é um equívoco. O segundo maior filme de ficção científica da China é Terra à Deriva. Baseado em uma história de Liu Cixin, que escreveu o Problema dos Três Corpos (que está sendo adaptada pela Netflix), narra a aventura de um grupo de cientistas que tentam empurrar a Terra para Alpha Centauri com 12.000 foguetes.

Terra à Deriva também está disponível na Netflix. A empresa de streaming não está presente na China, o que reforça a relevância da obra e o potencial de exportação das produções chinesas.

Mas para chegar a esse ponto uma das medidas do governo chinês foi aumentar a concorrência interna. Ao longo da última década, o governo liberalizou gradualmente seu mercado doméstico de cinema até o ponto em que mesmo os filmes fortemente apoiados pelo Partido precisam competir com outros lançamentos.

"Se você olhar para os filmes de maior bilheteria no mercado chinês, verá as posições mais altas ocupadas por produtos de estúdios privados. A forma como a liberalização aconteceu não foi permitindo que mais filmes estrangeiros entrassem no mercado. Mas, em vez disso, alimentando uma indústria de estúdios de cinema na China capaz de fazer filmes que são tão ou até mais populares com o público como um filme dos Vingadores americanos", explica Jon Y, autor da newsletter The Asianometry.

Parcerias internacionais

Os chineses também buscaram apoio em mercados mais desenvolvidos. Mas à medida que as parcerias com os americanos se mostraram complexas em vista das diferenças culturais, os chineses se voltaram para Hong Kong, que possui tradição no setor cinematográfico desde os anos 1970.

Como Jon aponta, "a partir de 2004, o governo chinês aprovou novas medidas para permitir às empresas cinematográficas de Hong Kong um maior acesso ao mercado chinês. As empresas de Hong Kong podem contornar a cota e obter mais receitas de bilheteria".

"As produções de Hong Kong-China subiram para o recorde de mais de 30 filmes por ano. Os principais sucessos iniciais incluem a Sereia de Stephen Chow (2016), Operação Mar Vermelho (2018) e Caça aos Monstros (2015). As empresas chinesas ganharam rapidamente habilidades de produção, um histórico de bilheteria e, o mais importante, pessoas talentosas", conclui.

Investimento em mais salas de cinema

Homem-Aranha Sem Volta Para Casa já superou US$ 1,4 bilhão de bilheteria no mundo. Mas não fosse pelo lançamento da produção da Marvel em dezembro, A Batalha do Lago Changjin, um filme feito sob encomenda do Partido Comunista sobre os chineses derrotando os americanos na Guerra da Coreia, teria sido o mais visto do mundo.

Para piorar, os cinemas americanos têm perdido público há décadas e muitas salas estão ameaçadas de morte. As bilheterias eram altas graças aos aumentos dos preços dos ingressos (fenômeno semelhante acontece no Brasil).

Os Estados Unidos tem pouco mais de 40 mil salas de cinema. Segundo especialistas, é um número muito superior ao necessário. Na China já existem quase 76.000 telas e 5.794 foram adicionadas em 2020, em plena pandemia.

O sucesso de Homem-Aranha não foi suficiente para evitar o declínio da bilheteria nos EUA, onde o faturamento das salas de cinema em 2021 foi 60% inferior ao de 2019, período anterior à pandemia. A queda de receita vinda da China também pesou nas contas de Hollywood. Filmes dos EUA representam menos de 12% da bilheteria total da China em 2021.

Busca de influência global

Vale lembrar que nos últimos anos a China e os Estados Unidos entraram em uma acirrada guerra comercial. O cinema é um dos fronts deste confronto. A China também tem "brigado" com a Índia e a Coreia do Sul nos campos diplomáticos e cinematográficos. A China também tem dificultado a entrada de produções da Índia e Coreia do Sul em seu território.

Diversos países têm obtido bons resultados graças a políticas efetivas de incentivo à produção cultural. O streaming e a criação de cotas locais é o mais recente front dessa batalha.

A China é um caso extremo de controle estatal, mas isso não significa que não possamos tirar lições para acelerar o desenvolvimento da indústria cultural brasileira. E quem sabe, gerar mais empregos, divisas com exportações e influência internacional em uma das indústrias que mais cresce no mundo.

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