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Guilherme Ravache

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Milionários, influenciadores dos influenciadores querem ser levados a sério

Fátima Pissarra, Carlos Scappini e Murilo Henare se tornaram sócios do BuzzFeed no Brasil e passam a liderar operação - Divulgação
Fátima Pissarra, Carlos Scappini e Murilo Henare se tornaram sócios do BuzzFeed no Brasil e passam a liderar operação Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

06/02/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • Para acelerar o crescimento no Brasil, BuzzFeed terá Fátima Pissarra, Carlos Scappini e Murilo Henare na liderança da marca no país
  • Fátima e Scappini são sócios da Mynd, agência de influenciadores que faturou R$ 320 milhões em 2021; Henare lidera a polêmica Banca Digital
  • Odiada pelos críticos, mas amada pelas marcas e usuários das redes sociais, a Banca Digital tem 35 perfis e mais de 158,7 milhões de seguidores
  • Henare diz que "entretenimento é jornalismo" e acredita que as estratégias da Banca Digital podem ajudar o BuzzFeed
  • No plano dos novos sócios, criar sites e ter produção editorial multiplataforma para artistas e fofoqueiros digitais bombados como a Rainha Matos
  • A mudança reforça uma tendência do mercado editorial, com menos jornalismo e mais entretenimento nos veículos de comunicação

Era quase meia-noite, na quinta-feira, quando Fátima Pissarra, Carlos Scappini e Murilo Henare assinaram o contrato que passa a liderança da operação do BuzzFeed no Brasil para eles. A holding Flagcx, atual detentora da licença da marca, segue como sócia.

Você talvez não os conheça, mas certamente já foi influenciado por eles. Fátima, Scappini e Henare são os influenciadores de influenciadores. Fátima e Scappini são respectivamente, CEO e COO da Mynd, a maior agência de influência digital do país. Em 2021, faturaram mais de R$ 320 milhões

A Mynd faz a ponte entre as marcas e a turma que faz sucesso no digital. Além de desenvolverem a parte criativa, Fátima e sua equipe mantém os influenciadores "na linha" e garantem que eles entreguem o que está combinado com as marcas. Scappini cuida da engrenagem com 350 funcionários e toda a parte operacional no dia a dia.

Henare é um ícone da influência digital. Quando tinha 16 anos e morava no bairro de São Mateus, na periferia de São Paulo, já postava memes e comentários ácidos nas redes sociais. Aos 18, criou o perfil @MigaSuaLoca e começou a vender posts patrocinados no perfil.

Agora, com 25 anos, Henare é milionário e comanda a Banca Digital, empresa que reúne 35 perfis em redes sociais. Somadas, essas contas apenas no Instagram têm 158,7 milhões de seguidores, segundo dados da ferramenta de análise Influencity. Também há perfis no Twitter e TikTok, mas com números mais modestos. Em 2021, a Banca faturou mais de R$ 38 milhões e representa cerca de 12% da receita da Mynd.

A Mynd e a Banca vivem em simbiose. A Banca traz visualizações e engajamento nas redes, a Mynd o dinheiro dos anunciantes. Agora, eles querem estender o modelo ao BuzzFeed. Pelo acordo, a Mynd e a Banca seguem independentes do BuzzFeed. Fátima, Scappini e Henare entraram como sócios do BuzzFeed no Brasil, que mantém uma estrutura societária independente das outras empresas dos sócios.

Banca Digital no BuzzFeed

Levar a força de venda da Mynd e influência da Banca Digital para o mercado editorial faz sentido. É uma oportunidade de diminuir a dependência dos influenciadores de plataformas como Instagram, Facebook e TikTok, que controlam os algoritmos e podem até tirar um perfil do ar sem maiores explicações. Também é um caminho para crescer o valor dos projetos de publicidade aumentando as entregas comerciais.

Imagine uma enquete ou texto do @alfinetei, perfil com mais de 20 milhões de seguidores no Instagram e integrante da Banca, dentro do BuzzFeed. Ou ainda uma minisérie com a @babadeira (2,2 milhões de seguidores) e @centraldafama (5 milhões) juntos. Enfim, são ao menos 35 possibilidades de perfis em diferentes formatos.

Para o BuzzFeed é a chance de acelerar o crescimento. Ao desembarcar no país em 2014, o BuzzFeed usou uma estratégia de traduzir textos estrangeiros para o Brasil. Para muitos, foi o primeiro equívoco. O conteúdo tinha pouco apelo local. Depois, quando decidiu investir em conteúdo no país, a empresa apostou no jornalismo investigativo. Mesmo publicando boas histórias, a conta não fechava e a operação dava prejuízo.Em 2020, com o BuzzFeed perdendo dinheiro, a operação no Brasil, e em diversos outros países, foi fechada.

Uma nova chance para o BuzzFeed

Poucos meses depois de encerrar a atividade no país, a Flagcx anunciou que assumiria a operação licenciando a marca. O plano da Flagcx, holding que teve suas origens no mercado publicitário, era investir em conteúdo mais leve e de entretenimento, voltando às raízes da marca nos Estados Unidos. A estratégia funcionou. O BuzzFeed oferece projetos comerciais entre R$ 100 mil e R$ 120 mil com enquetes, textos e posts em redes sociais. Atualmente, a operação tem fluxo positivo e dinheiro no caixa.

"Estamos entrando para acelerar o que já está dando certo. É uma relação que beneficia a todos ", diz Fátima. "Assim como vendemos artistas e influenciadores, também passaremos a vender editorial", acrescenta. A equipe de venda do BuzzFeed, atualmente com quatro executivos, passará a contar com o apoio dos 45 vendedores da Mynd.

Segundo Fátima, não há planos de mudanças no editorial e a equipe também poderá contar com o apoio de Henare para expandir e melhorar o conteúdo. Também está nos planos trazer perfis da Banca Digital para dentro do BuzzFeed.

Perfis como o da Rainha Matos, com 2,1 milhões de seguidores no Instagram, devem ganhar uma equipe editorial para produzir textos e reportagens, além de terem seus próprios sites. A ideia é começar com quatro perfis da banca, mas influenciadores que não são da Banca ou da Mynd também podem entrar no futuro. "Ficará a critério do editorial do BuzzFeed chamar ou não essas matérias na home", diz Fátima.

"Entretenimento é jornalismo"

Henare afirma que sua chegada ao BuzzFeed cria uma oportunidade de fazer no mercado editorial o que a Banca Digital fez no mercado de influência. "Entro com a minha expertise de buscar pautas mais virais como já fazemos na Banca Digital. Entendemos a Geração Z, a necessidade das pautas mais rápidas, a dinâmica mais do agora. Vamos levar isso para o BuzzFeed, mas mantendo a linguagem deles", diz o influenciador.

Questionado quanto haverá de entretenimento e quanto de jornalismo, Henare é direto: "Considero entretenimento jornalismo. Criamos entretenimento de uma maneira nova e atual em cima de pautas de jornalistas de política, economia, famosos e cultura pop".

A fórmula tem funcionado nas redes sociais. Dados da Influencity indicam que mais de 73 milhões de usuários únicos consomem os conteúdos dos perfis da Banca Digital todos os meses. Segundo relatório da ComScore, em dezembro o Brasil tinha 122,7 milhões de usuários de internet no país. Ou seja, a Banca alcança mais da metade dos brasileiros na internet.

A Mynd agencia diversos famosos. Preta Gil inclusive é uma das sócias da empresa. Mas os executivos afirmam que nenhuma celebridade será favorecida. "Quando algum famoso me liga para reclamar de algo na Banca ou pedir algo, o máximo que faço é passar o telefone do influenciador. A mesma coisa quando alguém da banca me liga", diz Fátima.

Polêmicas, ataques e posts pagos

Sobre conteúdo pago, Henare afirma que tudo que é feito porque foi pago entra com o aviso de publicidade nos perfis da Banca Digital. "O mesmo será feito no BuzzFeed", diz. A Banca Digital já esteve envolvida diversas polêmicas. Já foram acusados de cobrar por posts, publicar fake news e organizar ataques para prejudicar artistas ou promover personalidades que pagavam por posts positivos.

Após a repercussão negativa, a Banca se profissionalizou. Diversos perfis contrataram jornalistas e inclusive existe um head de conteúdo, que atua como editor de todos os influenciadores do grupo. Juntos os 35 perfis empregam mais de 120 profissionais de criação.

A entrada da Banca Digital no mercado editorial e ao lado de uma marca internacional como o Buzzfeed é também uma oportunidade de dar credibilidade e credenciais jornalísticas aos fofoqueiros digitais. "Acredito que faz parte de todo o processo de evoluir. Vamos aprender com eles e ensinar", diz Henare.

Site é apenas o começo

O plano é que o BuzzFeed seja o primeiro passo de uma estratégia maior. "Dentro do BuzzFeed teremos diversas outras oportunidades como TV, streaming e novas plataformas", afirma Scappini, que também vê oportunidade de conectar a Banca Digital com projetos maiores. "Queremos estar entre as cinco maiores marcas do nosso segmento no país".

Segundo Scappini, os termos da negociação não podem ser divulgados por causa do contrato de licença da marca. Mas a coluna apurou que não houve aporte financeiro dos novos sócios. A aposta da Flagcx é que além de liberarem executivos da holding de funções operacionais do BuzzFeed, vão potencializar as receitas e ganhar mais em médio prazo.

A aposta cada vez maior do BuzzFeed no entretenimento e diminuindo o jornalismo tradicional é uma tendência em empresas de mídia. Essa semana o NY Times anunciou a compra do Wordle, jogo em que uma vez por dia os jogadores têm seis chances de adivinhar uma palavra de cinco letras. O Wordle foi adquirido de seu criador, Josh Wardle, um engenheiro de software americano, por um preço "na casa dos sete dígitos".

A aquisição reflete a crescente importância de jogos como palavras cruzadas e culinária para atrair novos assinantes no NY Times. Com a recente compra do site esportivo The Athletic e seus 1,2 milhões de assinantes, o Times alcançou 10 milhões de assinaturas digitais. Receitas culinárias e games já representam 2 milhões de assinantes no grupo e são os dois tópicos que mais atraem novos assinantes, na frente das notícias de política, economia e entretenimento.

Se no Brasil o BuzzFeed parece ter encontrado o caminho para a rentabilidade, nos Estados Unidos a empresa enfrenta problemas. Após anos de prejuízo, uma recente abertura de capital na bolsa frustrou as expectativas do BuzzFeed, que levantou apenas pouco mais de US$ 16 milhões em dinheiro em seu IPO, além de um título conversível de US$ 150 milhões.

Semana passada o BuzzFeed avisou aos funcionários que limitará novas contratações apenas a cargos essenciais e não prevê adicionar novas pessoas à equipe. A empresa também reduziu a expectativa de receita para todo o ano de 2021, citando uma desaceleração em seus negócios.

Ironicamente, os melhores tempos do BuzzFeed são justamente aqueles em que menos fez jornalismo. O NY Times retomou o crescimento apoiado no entretenimento. Os concorrentes Washington Post e The Wall Street Journal, que ainda apostam no jornalismo têm tido dificuldade de crescer.

Henare talvez esteja certo, nestes tempos digitais, entretenimento é jornalismo.

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