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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que a Netflix pode fazer para voltar a crescer (e o drama da Paramount)

O fenômeno Yellowstone, com Kevin Costner, mostra desafio da Paramount no digital - Reprodução / Internet
O fenômeno Yellowstone, com Kevin Costner, mostra desafio da Paramount no digital Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

20/02/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • Estratégia da ViacomCBS, que passará a se chamar Paramount para destacar seus esforços no streming, não agradou investidores
  • A Paramount enfrenta dúvidas crescentes sobre sua capacidade de competir com rivais digitais maiores
  • À medida que empresas como a Paramount inundam o mercado com mais investimentos em streaming, cresce o desafio da Netflix
  • A Netflix pela primeira vez admitiu que o aumento de concorrentes pode atrapalhar seu crescimento
  • A Netflix prevê ganhar somente 2,5 milhões de assinantes no trimestre que termina em março, um dos piores resultados de sua história
  • Mas a Netflix ainda possui muitas opções para voltar a crescer, mesmo a compra de partes da Paramount pode ser uma alternativa

As notícias ruins não param de chegar para a Netflix. Depois de um anúncio de resultados decepcionantes dias atrás, com uma previsão de acrescentar somente 2,5 milhões de assinantes no mundo no primeiro trimestre e uma queda de mais de 20% do valor de mercado em um único dia, agora mais um concorrente anunciou estar crescendo rapidamente e ter planos de aumentar o ataque à Netflix com elevados investimentos em conteúdo para ganhar assinantes.

Nessa semana, a ViacomCBS disse que mudaria de nome para ressaltar sua ênfase no seu serviço de streaming, o Paramount+, e fazer uma referência à herança de seu centenário estúdio de cinema. A gigante de mídia, dona de canais como MTV, CBS, Nickelodeon e Showtime e casa de franquias como Transformers, Top Gun e Bob Esponja, adorará o nome de Paramount Global.

Os investidores odiaram a ideia e a Paramount foi a mais recente vítima do mau-humor do mercado com as empresas de streaming. Após o anúncio da mudança, as ações da empresa caíram mais de 18% em um único dia. Basicamente, ninguém vê como essa conta vai fechar. A Paramount investiu em 2021 mais de US$ 14,7 bilhões em conteúdo, menos que a Disney, porém mais que Netflix, WarnerMedia, Amazon e Apple, de acordo com levantamento da Ampere Analysis.

A Paramount divulgou que seus prejuízos com a área de DTC (direct to consumer) que concentram as operações de streaming, devem aumentar de US$ 1 bilhão no ano passado para cerca de US$ 1,5 bilhão este ano. Também disse que as perdas em 2023 devem ser ainda piores, antes de começarem a melhorar apenas em 2024. Tudo isso para chegar a 100 milhões de assinantes de streaming em 2024, bem acima da previsão anterior de 70 milhões.

Netflix negociou compra de estúdios Paramount

Apesar dos gastos elevados e da estratégia digital questionada pelos investidores, a Paramount revelou bons números de crescimento de seus assinantes de streaming nos últimos meses, a exemplo do Disney+ e HBO Max. Ou seja, os concorrentes estão ganhando assinantes às custas da Netflix, que pela primeira vez admitiu publicamente estar sofrendo com o crescimento de outras plataformas de streaming.

Diante do cenário de mais competição e maiores investimentos, a tendência é que mais fusões e aquisições aconteçam no setor. A queda do valor de mercado da Paramount e a desconfiança dos investidores com a estratégia de bater de frente com a Netflix e demais gigantes de streaming inclusive deve acelerar o processo de venda da Paramount.

A Paramount esteve envolvida em conversas informais de aquisição no ano passado, inclusive com a Netflix, que tinha interesse nos estúdios da Paramount. Mas uma das grandes barreiras para as negociações é a complexidade das propriedades e os altos valores que Shari Redstone estaria pedindo. Shari lutou por duas décadas contra o próprio pai, Sumner, e o presidente da CBS, Les Moonves, um dos nomes mais respeitados de Hollywood, para ter o controle da Paramount. Hoje, ela é presidente da empresa. A saga inclusive foi uma das inspirações da série Succession.

Yellowstone e negócios complicados

O sucesso Yellowstone é um exemplo de como os negócios da Paramount podem ser complicados. Como a estratégia da empresa há alguns anos nem levava em conta o streaming, a maior parte do conteúdo da empresa foi licenciado para terceiros no digital. Assim, o drama western moderno com Kevin Coster, fenômeno de audiência dos Estados Unidos, no cabo está no Paramount Network, mas no streaming está disponível no Peacock, da concorrente NBC, que licenciou o produto no digital.

A Paramout só poderá levar Yellowstone para seu próprio streaming após 2024. O mesmo acontece com outras franquias de sucesso da empresa.

A saga da Paramount, que aponta para uma deterioração ainda maior das expectativas de lucro do setor, ajudam a explicar a difícil posição da Netflix. A líder do setor, pressionada por investidores, desde o ano passado se comprometeu a dar lucro e diminuir as dívidas.

A Netlfix tem 222 milhões de assinantes e lidera com ampla margem. O Disney+ tem apenas 129.8 milhões de assinantes. Além disso, em muitas ocasiões a Netflix já mostrou saber dar a volta por cima e retomar o crescimento. Diversas estratégias podem ser adotadas pela companhia para reverter este cenário. A seguir algumas das principais sugestões que circulam no mercado.

Assinaturas mais baratas

Uma das mais comentadas alternativas para a Netflix aumentar seu número de assinantes seria diminuir o preço das assinaturas, principalmente em países onde a renda é mais baixa em comparação aos Estados Unidos. Brasil, Índia e Indonésia são exemplos de países com grande população e potencial de aumentar o número de assinantes.

O valor mais baixo, além de aumentar o apelo da Netflix a uma parcela maior da população, ajudaria indiretamente a reduzir a pirataria, um crescente problema para as empresas de streaming.

Um caminho para a Netflix, a exemplo do que já fazem outras plataformas como o Globoplay, é abrir espaço para a publicidade na plataforma. Poderia ser um plano gratuito ou bem mais barato que as alternativas sem publicidade.

Restrição à rachadinha de senhas

Para aumentar o número de assinantes, a Netflix também poderia limitar o compartilhamento de senhas. Desde o ano passado a plataforma começou a realizar testes com um pequeno grupo de usuários. Após diversos usuários reclamarem da iniciativa, a empresa disse que não tomaria nenhuma medida drástica de controle. Mas nada impede uma mudança de estratégia para impedir que você, sua família e amigos dividam a mesma assinatura sem pagar.

Conteúdo mais abrangente

A Disney+ no meio de 2021 trouxe um número decepcionante de crescimento de assinantes. No segundo semestre, ampliou o leque de atrações. Pam & Tommy, a série original do Hulu sobre a fita de sexo de Pamela Anderson e Tommy Lee, está sendo transmitida como original do Disney+ em alguns países (confesso nunca ter imaginado escrever Disney e Pamela Anderson na mesma frase, mas conteúdo abrangente é isso). A Disney também lançou The Beatles: Get Back, de Peter Jackson.

A Netflix já tem um dos conteúdos mais variados e lidera em lançamentos. No último trimestre de 2021 colocou no ar mais de 157 produções originais, mas tem um calcanhar de Aquiles: os esportes.

Os documentários sobre F-1 e Neymar são exemplos do potencial do segmento. Porém, ter campeonatos esportivos ao vivo poderia atrair um novo perfil de usuário para a Netflix.

Combo de streaming

Outra saída é seguir o exemplo da TV a cabo e criar bundles, ou combos de diversos serviços. Ou seja, juntar diversas plataformas de streaming em pacotes com descontos e períodos mais longos de contrato. Isso diminuiria as chances das pessoas cancelarem os serviços ou irem para um concorrente.

Sim, é uma volta ao passado. Mas faz sentido do ponto de vista econômico e poderia acelerar o crescimento da Netflix. As parcerias do Globoplay com a Disney+ e Apple em combos foram avaliadas como positivas pelas empresas por acelerarem o crescimento do número de assinantes.

Oferecer outros serviços

O Amazon Prime é o melhor exemplo de plataforma com diversos serviços agregados. A Netflix poderia seguir o exemplo. A empresa já começou a oferecer games para seus assinantes, mas poderia estender a experiência a eventos ou parques. A Disney, por exemplo, estuda um pacote de desconto em seus parques para os assinantes do Disney+.

Uma parceria Netflix com Spotify, Uber, 99 ou outras plataformas também pode ser uma alternativa. Isso já acontece com operadoras de telefonia celular, mas poderia ser estendida a mais plataformas.

E se estivermos no limite de assinantes

Obviamente, existe a possibilidade do número de pessoas dispostas a assinar um streaming estar se esgotando. Se isso for verdade, a proposta de valor em torno do setor muda drasticamente.

A Netflix também poderia focar no lucro e se tornar uma empresa de valor, e não de crescimento como é vista hoje. Nesse caso, seguiria aumentando os preços e reduzindo os gastos com conteúdo, a exemplo do que as empresas de mídia tradicional fizeram nos últimos anos, antes da febre do streaming.

Diminuir custos implica diminuir lançamentos. Mas a Netflix poderia abrir mão de sua estratégia de binge watching (lançando todos os episódios de uma vez para maratonar) e seguir o exemplo da Disney+ e HBO Max e adotará o lançamento semanal, prolongando a vida útil de seus grandes sucessos. Novamente, seria uma volta ao passado, mas economicamente sensato.

Cortar os gastos com conteúdo provavelmente diminuiria ainda mais o crescimento de assinantes, especialmente porque os concorrentes mais novos aumentam seus gastos com conteúdo e alcance global para construir suas bases de assinantes. Mas talvez os concorrentes estejam acelerando os investimentos apenas para não ficar atrás da Netflix.

Como a Paramount e a Netflix evidenciam, o drama do streaming ainda está nos seus primeiros capítulos.

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