Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Globoplay vira pedra no sapato da Netflix, que perde milhares de assinantes
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Resumo da notícia
- A Netflix teve seu pior resultado em uma década; a América Latina, e o Brasil, tradicionais motores de crescimento, pesaram negativamente na conta
- A Netflix perdeu 350 mil assinantes na América Latina, enquanto o Globoplay cresceu receita e número de assinantes no mesmo período
- Para superar a crise em que se encontra, a Netlfix terá de se tornar mais parecida com concorrentes como o Globoplay
- Planos mais baratos com publicidade, corte de custos de produções e demissões de estrelas estão entre potenciais mudanças na Netflix
- Por ter capital fechado, a Globo não depende tanto dos humores do mercado, diferentemente de suas concorrentes estrangeiras
- Plataformas de grupos de mídia tradicional como o Globoplay venceram uma batalha, mas agora terão de encarar uma Netflix bem mais prudente
A última semana foi um pesadelo para a Netflix. Após revelar que pela primeira vez, nos últimos dez anos, perdeu assinantes, a empresa viu suas ações caírem 35% em um único dia. A empresa que em novembro passado chegou a valer quase R$ 1,5 trilhão, essa semana valia apenas R$ 500 bilhões.
Mas um número pesou: a Netflix perdeu 350 mil assinantes na América Latina no primeiro trimestre. Pode parecer pouco, mas a região, e particularmente o Brasil, estão entre os principais motores de crescimento da empresa. A Netflix terminou 2021 com 39,96 milhões de assinantes pagantes na América Latina. No final de março, o número caiu para 39,61 milhões, segundo o relatório de resultados divulgado pela empresa. A Netflix tem 222 milhões de assinantes no mundo - vale lembrar que em regiões como a Ásia, o ganho foi de 1,09 bilhão.
No mundo a Netflix perdeu 200 mil assinantes no primeiro trimestre, o que dá uma ideia do impacto da América Latina. Provavelmente, os altos preços da Netflix começam a pesar no bolso dos consumidores latinos, que além de conviverem com o aumento da inflação e crise econômica nos últimos tempos, também viram os preços das assinaturas da Netflix aumentarem acima da média dos serviços concorrentes.
Na Índia a Netflix não decola e tinha estacionado em 5 milhões de assinantes, no ano passado começou uma radical política de redução de preços que começa a dar resultados. A Ásia foi a região que mais cresceu, adicionando mais de 1 milhão de assinantes. Nos Estados Unidos e Canadá (onde o preço subiu) o serviço já perde assinantes desde 2021. Na Europa, em lugares como o Reino Unido, também houve retração.
Se a América Latina é importante, o Brasil ainda mais. A estimativa é que as assinaturas dos brasileiros sejam mais de 50% do número total da região. Segundo documentos da Netflix vazados no Cade, a plataforma teria no país, em 2021, mais de 19 milhões de assinantes. No mundo, a Netflix tem 222 milhões de assinantes.
Ou seja, a queda na América Latina é um balde de água fria na Netflix. Porém, a desaceleração se torna ainda mais surpreendente se levado em conta o crescimento dos concorrentes.
Efeito Globoplay
Diversos erros ajudam a explicar a desaceleração da Netflix na América Latina e Brasil, mas chama atenção que enquanto o streaming americano perde mercado, o Globoplay disparou em crescimento.
Apenas no mês de fevereiro, a base de assinantes do Globoplay teve um salto de 20% em comparação ao mesmo período do ano anterior. O BBB 22 ajudou no resultado de fevereiro, mas vale notar que o streaming da Globo registrou em 2021 aumento de 74% na receita líquida em relação a 2020, tendo um crescimento de 33% na base de assinantes.
A situação tende a ficar pior para a Netflix. A mexicana Televisa, comprada pela Univision, dias atrás anunciou o lançamento da Vix, sua plataforma de streaming focada na América Latina. A HBO Max também planeja intensificar seus esforços na América Latina com a chegada de uma nova liderança.
Whit Richardson, presidente da WarnerMedia Entertainment Networks para a América Latina, e veterano de 20 anos da WarnerMedia, está saindo da empresa. Em seu lugar entra Fernando Medin, descrito por quem o conhece como um ótimo executivo, bastante focado em resultados. Medin também deve ganhar mais liberdade operacional.
Globoplay é a Suíça do streaming
A Globo não esconde sua estratégia de cortar custos na TV para investir as economias no Globoplay. No primeiro trimestre, o lucro da emissora carioca foi de R$ 1,3 bilhão. A aposta é que em alguns anos o Globoplay possa até valer mais que o canal de TV, à medida que mais e mais pessoas consomem conteúdo pela internet.
Mas um diferencial da Globo é tratar o Globoplay como uma espécie de Suíça do streaming. Ela sabe que não pode vencer a guerra entre gigantes (particularmente big techs como Apple, Amazon e Google), mas se mantendo neutra pode se beneficiar do conflito.
A Globo tem acordos de pacotes ou de transmissão (ou ambos) com os principais players do mercado. Apple TV+, Amazon Prime, HBO Max e até a Netflix, que foi anunciante na novela Pantanal.
A empresa da família Marinho tem ainda uma outra vantagem frente a Netflix. Agora que a perspectiva de lucro no mercado de streaming (e de internet de modo geral) desabou com o fim da pandemia, os investidores correram para vender suas posições em tecnologia e compraram empresas tradicionais e rentáveis. O que explica o valor da Netflix ter desabado.
O Grupo Globo é uma empresa de capital fechado. Ou seja, suas decisões não precisam se sujeitar às pressões imediatistas e modas do mercado. Executivos da Globo afirmam que a aposta no Globoplay é uma estratégia de longo prazo, não limitada a um ou dois trimestres.
Netflix copiando a Globo?
À medida que a Netflix começou a crescer e incomodar a Globo no país, a emissora carioca se viu forçada a aumentar drasticamente seus investimentos no digital. Mas diferentemente da Netflix, que buscava dinheiro no mercado para impulsionar o crescimento investindo bilhões de dólares em conteúdo, a Globo adotou uma dura estratégia de corte de custos e uma disciplina ferrenha nos investimentos.
Uma das estratégias que os brasileiros adotaram foi o contrato por obra. A medida foi polêmica, já que grandes estrelas da Globo foram demitidas e passaram a receber somente quando fechavam contrato para atuar em uma obra específica. O modelo já era usado na Netflix e outras empresas de streaming.
Não deixa de ser irônico que a Globo, que até alguns anos copiava a Netflix, agora de certa forma começa a ser copiada. Nos últimos dias a Netflix anunciou que passará a ter publicidade, aumentará o controle no processo criativo das produções e será bastante rígida com seus gastos. Medidas que a Globo adotou desde o início de seu plano UmaSóGlobo, há pouco mais de dois anos.
A diretoria da Netflix enviou um comunicado alertando que novas contratações e despesas deveriam ser cuidadosamente avaliadas. "Devemos dimensionar os orçamentos de acordo com o que o criativo ditar e o tamanho do público", disse Bela Bajaria, que lidera a área de produções internacionais da Netflix, em uma entrevista recente.
Demissões e menos shows na Netflix
Executivos da Netflix disseram que a empresa espera continuar a aumentar os gastos com conteúdo, prevendo investir até R$ 100 bilhões este ano, mas estes custos serão avaliados de perto. A empresa estaria buscando reduzir os orçamentos de novos programas em até 25%.
A mais emblemática mudança da Netflix talvez seja uma onda de cortes de estrelas nos próximos meses. Uma turma querida pelos fãs, mas cara demais quando observado o retorno frente ao que custam seus contratos.
O Globoplay não está só. A Discovery em diversos aspectos adotou estratégia semelhante à da Globo, cortando custos e otimizando resultados. Com a diferença que a Discovery assumiu uma dívida de R$ 250 bilhões ao comprar a WarnerMedia e suas propriedades como HBO e CNN.
A aposta da Discovery é que sua disciplina aplicada à WarnerMedia e suas propriedades podem gerar bilhões em lucros. A expectativa dos novos donos da WarnerMedia é cortarem R$ 15 bilhões em custos já nos primeiros dois anos.
Para voltar a crescer a Netflix terá que se tornar mais parecida com os rivais tradicionais dos quais desdenhou nos últimos tempos, como fez meses atrás justamente com o Globoplay.
Timing e tamanho do mercado
Imaginar que a recente crise do streaming é o fim da linha para a Netflix ou qualquer empresa de streaming é um exagero. O mercado estava fora da realidade. Hoje há mais de 300 serviços de streaming apenas nos Estados Unidos. A Netflix sozinha prevê lançar 500 produções apenas neste ano.
Os anos loucos do streaming com recordes de investimento em conteúdo original vão ficar para trás. Disciplina de investimentos e eficiência operacional (inclusive para criar sucessos) vão determinar os vencedores dessa corrida.
Se a conta do streaming irá fechar é uma questão de bilhões de dólares e que todos os executivos de mídia buscam responder (sem sucesso). Mas enquanto essa resposta não chega, o pragmatismo têm dado frutos.
Por enquanto, o David está surpreendendo o Golias. O Globoplay cresce, a Discovery comprou a WarnerMedia, e a Netflix, antes líder absoluta, virou saco de pancada do mercado e agora copia estratégias dos concorrentes. Até lançar todas as séries de uma vez a Netflix diz avaliar abrir mão. Ao invés do "binge watching", é provável que a empresa lance mais temporadas de três em três capítulos. Capítulos semanais também não são descartados.
A notícia ruim para a Globo e demais empresas do mercado, é que com a Netflix descendo do olimpo e começando a copiar as estratégias de sucesso dos concorrentes, a guerra do streaming ficará ainda mais sangrenta.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.