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Bonner, Maju, Tralli: ninguém escapa do site de fofocas que dominou a Globo
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Resumo da notícia
- A Globo e o Google parecem estar em um beco sem saída quando o assunto são fofocas em torno dos principais apresentadores da emissora
- Sites com títulos apelativos, não raro fictícios, dominam os resultados de busca do Google quando os internautas procuram estrelas da Globo
- William Bonner, Maju Coutinho, César Tralli e Rodrigo Boccardi são casos em que todas as notícias na busca do Google são de um mesmo site de fofoca
Se você fizesse uma busca no Google na quinta-feira sobre William Bonner, Maju Coutinho e César Tralli, todas as notícias destacadas que apareciam nas páginas de resultados eram de um único site: o TV Foco.
Não são casos isolados. Outros apresentadores da Globo como Renata Lo Prete, Ana Paula Araújo, Sandra Annenberg, Poliana Abritta, Ana Maria Braga e Fátima Bernardes também têm o TV Foco como principal fonte de informações jornalísticas nas buscas do Google.
Notório por títulos apelativos e por usar informações de outras publicações, o TV Foco é visto por boa parte de seus concorrentes como um "câncer" no jornalismo digital. Entre os apresentadores da Globo, e outros famosos que se tornam pauta do TV Foco, a irritação é ainda maior.
"A Globo nos orienta a ignorar os sites que não são vistos como sérios", diz um funcionário da emissora. "Mas acompanhamos internamente e ficamos chocados com o que inventam. Existe ainda uma dinâmica de tentar jogar um apresentador contra o outro, criando conflitos". Três funcionários da Globo que conversaram comigo e pediram para não tererem os nomes divulgados se disseram surpresos com o tamanho da audiência do TV Foco.
O TV Foco chega a receber entre 150 e 200 milhões de visitas por mês. Segundo dados da ComScore, o site teve quase 19 milhões de usuários únicos em março e mais de 21 milhões em fevereiro. O que o coloca na terceira posição de site de notícias de entretenimento mais visitado do país, e na frente de boa parte dos grandes jornais.
Procurada, a Globo respondeu por meio de sua comunicação que não comentaria sobre os resultados dos nomes de seus apresentadores no Google.
Dano de imagem
Esse sensacionalismo tem efeito danoso para a imagem dos profissionais retratados nos textos, já que muitos internautas leem apenas os títulos e saem replicando o conteúdo nas redes sociais e WhatsApp. Afinal, o conteúdo aparece em feeds oficiais do Google dedicados às notícias, além de estarem no topo das buscas e plataformas da empresa.
Os efeitos nocivos não se limitam aos internautas e famosos, também afetam o jornalismo. Enquanto diversos veículos investem na contratação de profissionais gabaritados e gastam tempo na apuração para produzir reportagens, os sites sensacionalistas se especializaram em criar títulos apelativos, bastante próximos da ficção, usando trechos e informações publicados pelos veículos mais "sérios".
Centenas de veículos publicam textos sobre William Bonner, César Tralli, Fátima Bernardes e Ana Maria Braga, mas no Google, o TV Foco tem a maior relevância para falar desses apresentadores.
O que é relevante para o Google
"O Google não tem como prioridade a qualidade da notícia, o algoritmo (a sequência de instruções que determinam as respostas das buscas) nem sabe dizer o que é bom ou ruim, o algoritmo usa sinais para determinar a relevância para o usuário. E um dos principais sinais é se a pessoa clica no link", diz um especialista em SEO.
Para esse especialista, os títulos apelativos são irresistíveis para o leitor, que acaba movido pela curiosidade mesmo sabendo que será enganado.
"Para o algoritmo, a lógica é que se mais pessoas clicam, é porque o assunto é relevante", completa. O Google é líder absoluto em anúncios digitais no mundo, inclusive dentro das grandes publicações de notícias na internet. Quanto mais tempo as pessoas passam na internet, e nas plataformas do Google, melhor para a empresa.
O TV Foco não faz nada que qualquer outro veículo não possa fazer. Inclusive, ele usa ferramentas gratuitas do Google e disponíveis para qualquer jornalista otimizar seu conteúdo. O problema é que, cada vez mais, fazer melhor no jornalismo digital significa escrever mais do mesmo assunto (personalidades da Globo, como no caso do TV Foco) e com títulos cada vez mais sensacionalistas e "clicáveis".
Isso ajuda a explicar por que é cada vez mais difícil ler textos aprofundados ou grandes reportagens em plataformas digitais gratuitas, que são altamente dependentes da publicidade do Google.
César Tralli demitido e Bonner viciado?
Observe o link melhor posicionado sobre Tralli no Google: Demissão de César Tralli é confirmada e apresentador do Jornal Hoje tem reviravolta após se debulhar em elevador. Tralli segue no ar na TV Globo, o que desmente o termo "demissão" usado no título.
O principal texto de notícias no Google sobre Bonner na última quinta-feira dizia: 'Não tenho controle, ele me controla', William Bonner assume vício cruel na Globo e choca Brasil; entenda. O vício chocante de Bonner, segundo o TV Foco, era chocolate.
No início de abril, no texto "Como o Google e a busca por cliques destroem o jornalismo", comentei sobre essa dinâmica perversa que leva cada vez mais veículos (inclusive os sérios) a seguirem a fórmula do TV Foco. Mesmo quando os players "tradicionais" de notícias aparecem nos resultados do Google, são os títulos apelativos dos sites alternativos que predominam, como no caso de Bonner na quinta-feira passada.
Ao estimular títulos mais apelativos e intensificar a reprodução de conteúdo de terceiros, naturalmente a consequência é termos cada vez menos jornalismo original (que custa caro) e mais conteúdo copiado de outros sites. Ironicamente, o efeito causado pelo algoritmo do Google é justamente o oposto daquilo que a gigante de tecnologia afirma defender.
Google apoia o jornalismo
Nesta semana, o Google anunciou o Local Lab Brasil, um projeto de consultoria virtual para ajudar pequenas e médias empresas jornalísticas no país. A expectativa do projeto é apoiar 100 veículos entre os mais de 13 mil que existem no país com treinamentos para melhora de audiência e faturamento desses sites.
O Google também investe milhões no Google News Initiative e Google Destaques, programas que além de apoio técnico, pagam aos veículos por seu conteúdo.
Mas a gigante de tecnologia parece enviar mensagens conflituosas. O Google Destaques, por exemplo, é limitado a 100 organizações jornalísticas (em um universo de mais de 13 mil) e gigantes como a Globo se recusam a participar, alegando que as quantias pagas não são justas. "São mais de 13 mil veículos de notícia apenas no Brasil e o Google escolhe apenas 100. Não seria mais fácil ajustar o algoritmo e remunerar a todos de maneira mais equilibrada e transparente", questiona um dono de veículo.
A performance assombrosa do TV Foco também parece ir na contramão de um esforço para o apoio do jornalismo (que é diferente de entretenimento).
Sempre pode piorar
O cenário é ainda mais preocupante porque no dia 25 de maio o Google confirmou uma nova atualização de seu algoritmo. Essas atualizações são mudanças dos critérios que a plataforma usa para dar mais ou menos peso aos fatores que determinam quem irá aparecer (ou não) no Google.
Essas mudanças podem levar os jornalistas e donos de veículos do céu ao inferno (e vice-versa) em questão de dias. O Google não informa quais critérios usa ou o peso de cada um. A estimativa é de que sejam usados mais de 5 mil indicadores.
Essa atualização está prevista para durar duas semanas e o algoritmo deve passar por ajustes, mas por hora parece que o TV Foco e os títulos sensacionalistas foram beneficiados.
Por meio de sua assessoria de imprensa, Google afirmou que os resultados não são uma falha "Isso não está relacionado à nossa mais recente atualização principal (core update). No caso mencionado, a pesquisa em particular indica que há apenas uma publicação que parece ter escrito conteúdo de notícias recentes sobre o tópico buscado. Se outras publicações tivessem conteúdo recente sobre o tema, você provavelmente veria mais delas aparecendo em "Principais notícias". Para aparecer nos espaços dedicados a notícias em nossos produtos, todos os sites devem aderir às nossas políticas de conteúdo."
Por que o Google não resolve o problema?
Há quem sugira ao Google "punir" o TV Foco e até queira tirá-lo das buscas. Mas isso dificilmente resolveria o problema. O site é apenas o mais conhecido e eficiente. Aaron Tura, fundador do TV Foco, tem outro site que leva seu próprio nome. Não raro, o aaronturatv.com.br aparece disputando posições com o TV Foco.
Com o título "Discreta, Renata Lo Prete, âncora do Jornal da Globo, assume de vez relação com jornalista: "Ninguém sabia"", o site pessoal de Tura lidera como a principal referência de notícia associada à apresentadora no Google. Posteriormente, o texto informa que "Renata Lo Prete é casada há três décadas com o jornalista Melchiades Filho e quase ninguém tem conhecimento". O artifício de usar "com jornalista", ainda deixa no ar a possibilidade de uma relação homoafetiva, um recurso eficiente para gerar mais curiosidade e cliques.
Uma pergunta comum é se não seria possível processar esses sites, seja pelo fato de copiarem conteúdos ou mesmo publicarem títulos altamente criativos. Sim, é possível. Mas as chances de vitória são mínimas e as multas, em caso de vitória, são insignificantes em comparação ao lucro que essas publicações têm. As maiores chegam a faturar mais de R$ 1 milhão por mês.
Os famosos podem processar, como alguns famosos já fizeram, mas a repercussão negativa é sempre um fator complicador.
Os altos e baixos do TV Foco
Aaron Tura começou o TV Foco em 2006, quando tinha apenas 15 anos. O site já passou por altos e baixos. Em 2019, quando publicou um texto com o título "Isis Valverde mostra os peitos em foto íntima e faz grande anúncio: 'Hoje tem'", o conteúdo gerou revolta entre artistas e na mídia. O site entrou em colapso. O texto na verdade era sobre uma imagem de Isis amamentando.
Aaron posteriormente disse que o título foi a maior "cagada" de sua vida. Segundo ele, a audiência e a receita do site caíram 60% na época. O tempo passou e agora ele retornou ao topo.
O Google tem como política penalizar veículos de mídia somente quando fica comprovada a publicação de fake news ou conteúdo ilícito. Sites como o TV Foco sabem disso e operam no limite das políticas do Google.
Procurei Aaron para comentar sobre o "efeito TV Foco" nos apresentadores da Globo no Google, mas não obtive retorno das mensagens.
Os concorrentes que lutem
No início do ano conversei com Aaron. Simpático e atencioso, ele destacou que o sucesso do TV Foco não se limitava ao Google, já que tinha mais de 300 mil inscritos no YouTube e quase 700 mil seguidores no Instagram. No TikTok, o site já tem mais de 48 mil seguidores. Todos os perfis são verificados.
"Somos um site que apura, checa, mas que também reproduz, dá a fonte e não deixa de cumprir os conceitos básicos do bom convívio com colegas e respeito a todos", afirmou Aaron na época.
"Entendemos que o algoritmo do Google, assim como de qualquer buscador (são vários hoje), possuem particularidades e muitas informações "secretas", como em uma caixa preta. Desta forma, entendo que cabe a cada site/portal, procurar compreender as exigências, se adaptar e seguir se reinventando", disse Aaron.
O fato é que a Globo, dona de algumas das mais influentes plataformas digitais do país, teve seu time de apresentadores "sequestrados" no Google. Os apresentadores, mesmo incomodados, são obrigados a seguir a política da emissora que recomenda ignorar essas publicações. Já o Google está impotente diante do TV Foco, que sempre encontra brechas para crescer.
Confesso ter curiosidade para saber qual título Aaron daria para este texto, certamente teria mais cliques do que conseguirei alcançar. Ao mesmo tempo que receio pelas consequências do jornalismo de cliques e a rápida caminhada para se tornar mera informação transformada em entretenimento, acho fascinante o talento e capacidade de reinvenção de Aaron e sua trupe.
O risco é a fórmula do TV Foco ser usada em outros segmentos de informação. Imagine, por exemplo, as consequências se alguém obtiver o mesmo sucesso do TV Foco, mas na cobertura da política brasileira e das próximas eleições.
Em tempo, atuo em projetos de fomento ao jornalismo por meio de organizações como o ICFJ e CUNY, que são apoiados pelo Meta Journalism Project, e também participo de programas de incentivo à produção jornalística do Google.
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