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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Influenciadores digitais não perderam a noção, apenas estão desesperados

 "Não gasto isso todo mês", afirmou a influenciadora Gabi Brandt sobre as críticas por mostrar sua fatura de R$ 377 mil      -  Reprodução/Instagram
'Não gasto isso todo mês', afirmou a influenciadora Gabi Brandt sobre as críticas por mostrar sua fatura de R$ 377 mil Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

31/07/2022 04h00

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Observar alguns ícones da influência digital no Brasil se tornou um convite para o assombro. Faturas de cartão de crédito infames expostas, tatuagens inusitadas em partes do corpo ainda mais surpreendentes, famílias felizes em fotos enquanto devem milhões em impostos, influenciadora fitness casada com pagodeiro despejada por aluguel atrasado.

Os atores que já passaram pela Globo em algum momento e que agora disparam bobagens nas redes sociais são uma categoria à parte no hall da influência, assim como as ex-bailarinas e assistentes de palco de programas de TV, possivelmente superados somente pelos ex-participantes de reality shows.

Em comum, além de muitos seguidores no Instagram, essa turma acumula polêmicas. Recentemente, Gabi Brandt, de 26 anos, revelou em uma live nas redes sociais que o boleto do mês de junho ficou em R$ 377 mil. Posteriormente a influenciadora explicou que não gasta isso todos os meses. Não foi um caso isolado, outros influenciadores fizeram o mesmo. Como destacou o colunista Fefito, os influenciadores parecem cada vez mais descolados da realidade.

Os influenciadores são um tapa na cara do brasileiro já tão cansado de apanhar. Mas essa falta de sensibilidade, e principalmente, de empatia, é apenas um sintoma de um problema maior.

Influenciadores estão se tornando irrelevantes

A influência digital tradicional, na qual o simples fato de uma pessoa ter milhares de conexões em uma rede social era suficiente para fechar contratos e ganhar milhares de reais, está em crise.

O TikTok deixou o mundo da influência de pernas no ar. Se no Instagram eram os famosos e subcelebridades que reinavam, no TikTok o destaque vai para o conteúdo produzido por milhões de anônimos.

Saímos da era das conexões e entramos na era dos interesses. Cada vez mais as pessoas consomem os temas que as interessam e menos o conteúdo que as pessoas que elas estão conectadas publicam. Como disse o marqueteiro e influenciador Gary Vee, o TikTok faz sucesso porque optou por um gráfico de interesse e não um gráfico social como as redes sociais antes da rede social chinesa explodir.

@garyvee

You?ll always stay longer if it?s about things you?re into NOW versus people who were interested WHEN

? original sound - Gary Vaynerchuk

O envolvimento dos usuários no Instagram tem caído em todos os aspectos. O engajamento geral no aplicativo diminuiu cerca de 44% desde 2019, de acordo com um novo estudo da empresa de mídia social Later, que analisou aproximadamente 81 milhões de postagens no Instagram feitas entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2022.

A queda no engajamento aumentou quando o Instagram lançou o Reels em agosto de 2020. O recurso de vídeo de formato curto tinha o objetivo de ajudar a Meta (dona do Instagram e Facebook) a competir com o TikTok. Na semana passada, o Instagram anunciou mudanças para acelerar esse processo. Mas um dia após o Instagram anunciar a novidade, as influenciadoras Kylie Jenner e Kim Kardashian, que juntas têm 686 milhões de seguidores na plataforma, lançarem uma campanha contra a mudança.

As irmãs compartilharam uma mensagem dizendo "Make Instagram Instagram Again" (faça o Instagram Instagram de novo), reclamando que a rede de Zuckerberg estava "tentando ser TikTok" em vez de se concentrar no compartilhamento de fotos.

Para as irmãs, que nem de longe têm a mesma relevância no TikTok, um algoritmo de interesses e não relacionado ao número de seguidores implica uma considerável diminuição de relevância.

TikTok e a influência dos anônimos

A mudança do Instagram é uma resposta à fuga de usuários e anunciantes que estão migrando para o TikTok. Apenas um dia depois do anúncio da mudança e após o feedback negativo de muitos usuários, o CEO do Instagram, Adam Mosseri, postou um mea culpa em seu perfil do Twitter reconhecendo que a mudança da plataforma para o vídeo "ainda não era boa".

Mas o executivo destacou que as mudanças eram uma resposta ao novo modo que as pessoas consomem conteúdo nas redes sociais. Mosseri afirmou que a empresa "continuará a oferecer suporte a fotos", mas observou que acredita "que cada vez mais o Instagram se tornará vídeo", independentemente de a empresa mover-se proativamente nessa direção.

"Se você observar o que as pessoas compartilham no Instagram, isso está mudando cada vez mais para o vídeo ao longo do tempo", disse ele. "Se você observar o que as pessoas gostam, consomem e visualizam no Instagram, isso também está mudando cada vez mais para o vídeo ao longo do tempo, mesmo quando paramos de mudar alguma coisa. Então, vamos ter que nos apoiar nessa mudança."

Ou seja, o sucesso do TikTok está forçando todas as redes sociais a copiá-lo. E essa fórmula põe em segundo plano grandes influenciadores como Kylie Jenner e Kim Kardashian. No Brasil não é diferente.

O TikTok revolucionou a maneira como consumimos o conteúdo, mas também a maneira como o conteúdo é produzido. E boa parte do que existe no Instagram não funciona no TikTok e nem vai funcionar na nova versão do Instagram.

Como aponta reportagem de Danica Lo, na Fast Company, "a era de ouro dos influenciadores digitais parece estar com seus dias contados. Isso porque os profissionais de marketing das grandes marcas e as agências digitais têm alocado cada vez mais verbas de mídia social para conteúdo gerado pelo usuário (UGC, na sigla em inglês)".

Apelação para chamar a atenção?

Os influenciadores não perderam a noção, eles estão desesperados. O que funcionava até pouco tempo tem sido cada vez menos efetivo para gerar engajamento e visualizações nas redes sociais. A alternativa cada vez mais se torna apelar ao absurdo.

Você pode argumentar que os influenciadores são ricos, mas leve em conta que essa turma também se acostumou a viver gastando rios de dinheiro. Menos alcance nos perfis significa menos dinheiro na conta. Se é um problema para nós, os anônimos, para os influenciadores é ainda pior.

Festas nababescas e shows de ostentação com artigos de luxo se tornaram parte da fórmula para atrair os curiosos nas redes. Uma bota ridícula ou camiseta de marca rasgada compradas por milhares de reais garantiam ao influenciador as chamadas dos sites de entretenimento para atrair mais seguidores. Os comentários indignados eram os mais efetivos para gerar engajamento. Agora, no TikTok, ninguém lê comentários.

A fórmula ficou tão desgastada que a ostentação precisa se tornar cada vez mais chocante para funcionar, o que obviamente leva a exageros. E estar na mídia é cada vez mais importante para compensar a queda do alcance dentro da própria plataforma.

Vale notar ainda que para uma parcela de influenciadores que investiu na criação de produtos e marcas, ou de fato entrega algo de valor e que vá além da notoriedade pelo fato de ter muitos seguidores, a vida segue com um público menor, mas ainda fiel.

O dilema das redes

Os números evidenciam o tamanho do problema. O Instagram não é um caso isolado. O YouTube teve seu pior resultado de receita de anúncios desde que a empresa começou a relatar esses números em 2019. O faturamento aumentou apenas 4,8% em relação ao ano anterior, para US$ 7,34 bilhões, a estimativa dos analistas era que chegasse a US$ 7,52 bilhões.

Há um ano, a receita do YouTube saltou 84%, e o único trimestre anterior que teve um crescimento de um dígito foi o segundo período de 2020, quando as vendas aumentaram apenas 5,8%, pois os profissionais de marketing pausaram os gastos nas primeiras semanas da pandemia.

Susan Wojcicki, CEO do YouTube, disse ao anunciar os resultados que as incertezas na economia estavam impactando os investimentos dos anunciantes na plataforma. Mas Prabhakar Raghavan, vice-presidente sênior do Google, disse no início deste mês que estudos da empresa mostraram que quase 40% dos jovens estavam cada vez mais recorrendo ao TikTok ou ao Instagram para fazer pesquisas. Um problema para o Google, que além dos anúncios no YouTube, monetiza publicidade em mapas e buscas. Para conter o TikTok o Google lançou o YouTube Shorts, a sua versão de rede sociais de vídeos semelhante ao TikTok.

O Twitter, que teve prejuízo de R$ 1,5 bilhão no último trimestre e também viu sua receita cair e irá cortar custos e fechar escritórios pelo mundo.

O que acontece quando todos são influenciadores

Mesmo não sendo uma profissão regulamentada, segundo levantamento da empresa de pesquisas Nielsen, o Brasil tem mais de 500 mil influenciadores digitais. Número superior a dentistas formados (374 mil) e engenheiros civis (455 mil). O contingente de influenciadores empata com o número de médicos, que chega a 502 mil.

Nada indica que isso deve diminuir à medida que o TikTok transforma a todos em influenciadores. E quando todos somos influenciadores, ninguém é influente o suficiente para justificar o investimento dos anunciantes ou seu tempo dando like para essa pessoa.

A guerra pela atenção se tornou ainda mais desafiadora para quem cria conteúdo. No mar de informação com que somos bombardeados constantemente, uma jovem de 26 anos pagar uma fatura de cartão de crédito de R$ 377 mil em um país polarizado e com grande parte da população abaixo da linha de pobreza chama atenção.

Arthur Picoli ao se dizer chocado com as faturas expostas por outras personalidades, mostrou a sua de apenas R$ 85,18. De outro modo, usou do mesmo artifício dos colegas. Afinal, quem imagina o ex-BBB gastando apenas isso no cartão?

Da mesma forma que muitos galãs de Malhação ganharam milhares de reais em bailes de formatura e com presença em eventos para depois serem obrigados a se virar quando a moda passou, algo semelhante deve acontecer com os influenciadores digitais.

Os melhores vão se reinventar e seguir relevantes, mas grande parte vai se tornar apenas uma imagem esquecida e pitoresca do passado digital. Mas antes disso, muitos irão se apoiar em situações cada vez mais constrangedoras para tentar chamar a atenção e "fechar as contas", já que são famosos apenas pelo fato de terem muitos seguidores movidos pela mera curiosidade.

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