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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que famosos como Dua Lipa, Bad Bunny e Pabllo Vittar podem salvar mídia

Pabllo Vittar, assim como outros artistas, podem contribuir para melhorar o jornalismo - Reprodução/Youtube
Pabllo Vittar, assim como outros artistas, podem contribuir para melhorar o jornalismo Imagem: Reprodução/Youtube

Colunista do UOL

25/09/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • A imprensa vive um crise de credibilidade mundial e as plataformas digitais tem papel determinante nessa dinâmica
  • Pabllo Vittar, assim como outros famosos, passaram a atacar a mídia ao verem notícias negativas; a estratégia apenas piora a situação
  • Projetos como o de Bad Bunny, Dua Lipa, Selena Gomez e Mano Brown podem ser uma resposta mais efetiva para apontar novas alternativas

Dias atrás, Pabllo Vitar foi ao Twitter reclamar da cobertura da mídia. "Que engraçado, quando sai alguma notícia ruim sobre mim, todos os portais de fofoca desse país soltam alguma nota falando e comentando. Eu lanço algum trabalho, silêncio total! Vocês gostam é da desgraça alheia, vocês são nojentos! Sobre o caso filhas, meus advogados estão resolvendo".

O caso a que Pabllo se refere foi o bloqueio de suas contas bancárias por causa de uma dívida de R$ 142 mil não quitada. Segundo o colunista Ancelmo Gois, de O Globo, a decisão do bloqueio das contas da artista foi determinada pela 11ª Vara Cível de Brasília, em um processo que tramita desde 2018, e ordena o pagamento de uma dívida da compra de um imóvel em Uberlândia, Minas Gerais.

Ninguém fica feliz ao ter as contas bloqueadas. Ver o assunto ganhar visibilidade na mídia deve ser ainda mais frustrante. Mas sendo Pabllo uma celebridade de notoriedade internacional, o tema tem relevância para a mídia e é justificável como notícia. Também vale dizer que diversos veículos registraram nessa semana o lançamento do novo single de Pabllo, "Descontrolada", o que contraria a tese de que somente notícias negativas são publicadas.

Mas há um ponto importante nessa discussão. Qual o papel da mídia, e por que cada vez mais, ela se dedica a cobrir os dissabores e não os sucessos e realizações das personalidades? Os mais cínicos podem usar a máxima de que "jornalismo é mostrar o que outra pessoa não quer que seja visto; todo o resto é propaganda". Mas a questão vai além deste ponto.

Pabllo não é um caso isolado. Um crescente número de famosos, e também anônimos, tem aumentado os ataques à imprensa e seu trabalho. Diversas pesquisas apontam para uma piora dos níveis de credibilidade das notícias.

Os jornalistas mentem?

Um relatório do Instituto Reuters, ligado à Universidade Oxford, baseado em entrevistas em quatro países, incluindo o Brasil, afirma que "muitos entrevistados têm percepções bastante negativas sobre como o jornalismo é praticado em seus países, vendo os jornalistas como manipuladores interessados em atender a seus próprios interesses e também as agendas de políticos poderosos".

Apesar das percepções negativas, a confiança dos brasileiros em notícias via WhatsApp é relativamente elevada (53%), assim como em notícias acessadas via Google (57%), YouTube (46%), Facebook (40%) e Instagram (39%).

Segundo a pesquisa, "a indiferença em relação ao noticiário pode ser o desafio mais complicado e existencial que o setor enfrentará, até mais do que a crescente hostilidade". Isso porque as notícias raramente são o que as pessoas estão procurando quando acessam serviços como o Whatsapp, Instagram, Facebook, YouTube e outras redes. E quanto mais jovem a audiência, maior o problema. Pesquisas de público, mostraram repetidamente diferenças gritantes no consumo de notícias e comportamentos por idade - em particular, maior dependência das mídias sociais por parte dos grupos mais jovens.

Os grupos mais jovens, em todos os países, tendem a se interessar menos pelas notícias e muitas vezes confiam menos na mídia convencional do que os mais velhos. Muitos jovens também estão evitando seletivamente as notícias - e esse número aumentou drasticamente nos últimos anos, em parte porque assuntos de notícias tradicionais, como política, não parecem relevantes para suas vidas, em parte porque a natureza deprimente de algumas notícias tem um efeito negativo no seu humor.

As plataformas têm cada vez menos incentivo para destacar e dar mais espaço para o jornalismo de qualidade.

"Como um porta-voz do Facebook disse no começo deste ano, 'A maioria das pessoas não chega ao Facebook para ler notícia e, como negócio, não faz sentido investir demais em áreas não alinhadas com as preferências dos usuários'. A companhia anunciou que estava alterando seu projeto 'Facebook News', e iria priorizar postagens de amigos e familiares e dar maior ênfase ao conteúdo produzido por 'criadores', em um modelo similar ao adotado pelo TikTok", destaca o relatório.

WhatsApp já é tão grande quanto a TV

Um outro estudo global, realizado pela agência Marco com com 14.200 pessoas em 14 países, revelou que o WhatsApp praticamente empata com a TV entre os canais de informação mais consumidos no Brasil, com mais de 70% dos pesquisados atribuindo notas máximas em recorrência para ambos.

Embora a TV continue liderando como o canal usado de forma mais frequente, com 73% dos entrevistados em termos de recorrência, o crescimento do WhatsApp fez o aplicativo de mensagens praticamente empatar com a televisão, com 72% dos apontamentos. Nesse quesito, o app ficou acima do Instagram (68%), hoje a rede social usada de forma mais frequente no país, e de canais tradicionais como jornais online (61%), rádio (44%) e jornais impressos (15%).

Então, se o WhatsApp e demais redes sociais têm cada vez mais peso no consumo de mídia, e as pessoas que estão nessas plataformas vêem o jornalismo de maneira negativa, e as notícias como algo secundário, o natural é que o jornalismo se adapte a essas redes. E não raro, o jornalismo vira apenas entretenimento. O bloqueio das contas bancárias de Pabllo jornalisticamente pode até ter pouca relevância (o que não significa que não seja notícia), em comparação aos prêmios e destaque internacional dos projetos artísticos, já que se trata de uma artista.

"O WhatsApp alcançou uma posição sólida como canal não apenas de interação e contato, mas também de compartilhamento de informações", diz Douglas Meira, head para a América Latina e country manager para o Brasil da agência MARCO. "Não há dúvidas de que o aplicativo, assim como as redes sociais, pode e deve ser explorado pelos veículos de imprensa (dos tradicionais aos nativos digitais) para levar a notícia até onde a audiência está hoje. Isso também ajuda a gerar tráfego e a melhorar a qualidade das informações que circulam entre os usuários e grupos que usam o WhatsApp", acrescenta.

Mas infelizmente, as notícias negativas ganham um peso cada vez maior nas redes. O simples fato de Pabllo reclamar da notícia no Twitter certamente fez com que milhares de seus seguidores dessem um Google para descobrir o que estava acontecendo. Como já escrevi aqui, agora somos recompensados por consumir o metatexto - os memes, as hashtags, o drama da comunidade e as teorias da conspiração. E a ligação entre cultura e status é cada vez menor.

Mesmo os jornalistas sérios que investem dias ou meses na apuração e no cultivo de fontes, assim que publicam uma reportagem, veem seu conteúdo transformado em notas curtas, e não raro apelativas, que ganham mais destaque nas plataformas digitais do que o conteúdo original.

Problema vai além do jornalista

Obviamente, o problema vai além dos jornalistas ou da "mídia". Afinal, está cada vez mais claro que a mídia não se limita aos veículos que produzem jornalismo. É um complexo sistema que tem toda sorte de redes sociais e plataformas digitais levando informações às pessoas. E cada vez mais os algoritmos escolhem o que as pessoas veem.

Alguns argumentam que no final quem escolhe é o "algoritmo". Mas esquecem de mencionar que os algoritmos seguem parâmetros determinados por seus programadores humanos. O problema é que muitas vezes o parâmetro acaba sendo o clique.

Obviamente, romper o ciclo das redes sociais é um desafio tremendo para as redações. Por um lado existe a necessidade de aumentar a audiência e melhorar o faturamento para quem é dono de veículo. E isso é quase impossível sem ser relevante nas redes e entregar aquilo que as pessoas clicam.

Por outro lado, são os jornalistas mais "polêmicos" ou "populares", e não necessariamente os mais técnicos, que ganham maior destaque no universo online. Além disso, as redes sociais estimulam a cultura do "criador de conteúdo". E alguns jornalistas, os investigativos por exemplo, tem a discrição como parte da essência de seu trabalho.

Os planos de Bad Bunny, Dua Lipa e Selena

Diante deste cenário, "reclamar da mídia" apenas agrava o problema, porque se ataca o sintoma e não suas causas. Mas algumas iniciativas de artistas na tentativa de mudar a atual dinâmica do jornalismo têm chamado a atenção de maneira positiva.

No ano passado, a onipresente Dua Lipa lançou uma newsletter semanal de recomendações com curadoria pessoal da própria cantora. Tem desde seu hotel escondido favorito em Paris, a playlist que ela fez para ouvir no voo para casa, até um extensa reportagem sobre um app que está ajudando mulheres árabes a se libertarem da opressão sexual.

Chamada Service95, a newsletter leva temas relevantes com uma perspectiva jornalística a um considerável número de fãs da cantora. E esses fãs provavelmente estão mais abertos a ouvir uma nova perspectiva jornalística vindo de Dua Lipa do que de um veículo tradicional de mídia.

Porém, é o fenômeno Bad Bunny que lançou o projeto mais ambicioso nesse sentido.

Líder da lista de artistas mais poderosos da Bloomberg, superando nomes como BTS, Drake, Harry Styles e Beyoncé, o músico porto-riquenho teve o álbum mais vendido dos últimos dois meses e foi o mais transmitido tanto no Spotify quanto no YouTube, os dois maiores serviços de música do mundo. Bunny vendeu mais de 1,4 milhão de cópias de seu álbum "Un Verano Sin Ti" desde sua estreia em 6 de maio, e gerou quase 3 bilhões de streams no Spotify.

Bunny lançou um vídeo da sua música, El Apagón, com um produção de 22 minutos no qual há um documentário inteiro, com rigor jornalístico, sobre a incompetência do atual governo em Porto Rico. O documentário foi feito pela jornalista Bianca Graulau.

Não são casos isolados. Selena Gomez também criou uma plataforma bastante interessante sobre questões de saúde mental. Os Michelle e Barack Obama, após deixarem a Casa Branca, passaram a se dedicar às iniciativas na mídia. Mano Brown com seu podcast Mano a Mano, se revelou o melhor entrevistador do ano, como apontou Mauricio Stycer em sua coluna.

O fato é que esses artistas têm usado sua visibilidade para discutir questões importantes para a sociedade. Mas não se limitam a apenas falar do tema, cada vez mais usam elementos jornalísticos para contribuir para o debate, e usam suas plataformas para dar mais visibilidade aos temas e aumentar o engajamento das pessoas na busca de soluções.

O poder de Pabllo Vittar

Em 2019, quando fui diretor na editora Perfil, que tem a revista Caras entre suas marcas, recebemos apoio do Facebook para realizar um novo projeto jornalístico em vídeo. A equipe decidiu fazer um vídeo sobre a cena drag no país.

O resultado foi uma série chamada Drag: A Arte da Resistência. Pabllo Vittar, assim como Gloria Groove, Aretuza, Lia e Lorelay participaram do projeto por meio de entrevistas e ajudaram na divulgação. Foi um grande sucesso que certamente não teria acontecido sem elas. Os vídeos tiveram milhões de visualizações em diversas plataformas e ajudaram a Caras a consolidar sua área de vídeos digitais.

Pabllo é uma das personalidades mais influentes do mundo e sua influência inquestionável. Sua contribuição no debate das pautas de diversidade é colossal. Justamente por isso, é um desperdício ver esse potencial atacando reportagens. É mais efetivo investir a energia na busca de soluções.

Pabllo Vittar, Mano Brown, Selena Gomez, Bad Bunny e Dua Lipa também são extremamente influentes entre os jovens. Se alguém pode ajudar a reinventar o jornalismo para as próximas gerações, são esses artistas.

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