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Exclusivo: com Todas as Flores, Globo testa limite das novelas no streaming
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Resumo da notícia
- Em entrevista, Erick Brêtas, diretor de produtos e serviços digitais da Globo, conta por que a emissora está lançando novelas no Globoplay antes da TV
- Puxado pelas novelas e o BBB, o Globoplay viu sua base de assinantes crescer mais de 20% este ano, enquanto concorrentes encolheram
- Os movimentos do Globoplay não são por acaso; esta semana a Amazon Prime Vídeo e o SBT anunciaram acordo de licenciamento e coprodução de novelas
- Já a Netflix oficializou que terá um plano mais barato, com publicidade, já a partir de novembro no Brasil
A semana foi de grandes anúncios no mercado de streaming. Após anos dizendo que a publicidade piorava a experiência do usuário, a Netflix voltou atrás, e a partir do dia 3 de novembro, irá oferecer um plano mais barato (R$ 18,90) e com anúncios no Brasil. Já a Amazon e o SBT revelaram na quinta-feira um acordo para licenciamento e coprodução de novelas.
As novidades em boa medida são sintomas da nova realidade do streaming, onde fechar as contas está cada vez mais difícil e os modelos de negócios das TVs tradicionais, antes vistos como antiquados, agora são copiados pelas plataformas de streaming.
Observe a situação do Globoplay e da Globo. A emissora carioca voltou a dar lucro, bate recorde de vendas e audiência com BBB e Pantanal. Os reality e a novela também são fenômenos do streaming. Pantanal já foi vista mais de 120 milhões de horas no streaming da Globo. Além disso, o Globoplay cresceu em 20% sua base de assinantes neste ano em relação a 2021 e a emissora carioca irá aumentar a produção de conteúdo brasileiro para streaming enquanto os concorrentes reduzem investimentos.
A Globo também fará sua maior aposta na plataforma com o lançamento da novela Todas as Flores, que será veiculada primeiramente no Globoplay, a partir de 19 de outubro.
Na outra ponta, a Netflix tenta conter a fuga de assinantes e procura novas fontes de receita com a publicidade. A Apple TV+ também estuda lançar um plano mais barato com anúncios. Até gigantes de tecnologia endinheirados como a Amazon buscam parceiros locais para navegar no mercado brasileiro. A ideia é não repetir o erro da HBO Max, que investiu milhões para fazer novelas que nunca saíram do papel.
Ironicamente, até no conteúdo o streaming se parece cada vez mais com a TV. O programa de maior sucesso no streaming nacional é o BBB. E a grande aposta das plataformas para crescer no país, além dos tradicionais campeonatos de futebol, é a dramaturgia.
Mas produzir novelas é um desafio para poucos. Neste quesito é difícil concorrer com a Globo, que produz folhetins gastando metade ou até um terço em comparação aos gigantes americanos (mais detalhes abaixo). Mas quem consegue a proeza de produzir novelas locais larga na frente na corrida pela preferência do consumidor de streaming no Brasil ao reter o assinante por muitos meses.
Em entrevista à coluna, Erick Brêtas, diretor de Produtos e Serviços Digitais do Grupo Globo, e responsável pelo Globoplay, analisa o atual cenário do streaming, revela por que Todas as Flores será lançada no Globoplay antes da TV aberta, e como a produção de 85 capítulos é um trunfo da emissora para concorrer com os gigantes internacionais. O executivo também fala sobre a cultura de disciplina financeira da Globo e por que a empresa não vai abrir mão de todos os contratos fixos dos artistas.
Guilherme Ravache - Muitos criticavam o Globoplay por ter publicidade e comparavam com a Netflix. Agora, todos os grandes players internacionais já anunciaram que vão ter publicidade ou estudam planos com anúncios em breve. O que a Globo viu que os gigantes internacionais não percebiam?
Erick Brêtas - Em 2015, quando a gente começou, já tinha publicidade no Globoplay. Quando a gente lançou o Globoplay + canais ao vivo, teve uma coletiva e eu disse isso, né? Eu dizia: 'Nós estamos nos encaminhando para um cenário de insustentabilidade. Não vai ter bolso para todos os consumidores, as pessoas não vão assinar dez serviços de streaming, mais provável é que elas comecem a buscar um conteúdo que interessa a elas e depois quando aquele conteúdo terminar, elas saem, isso tem bastante a ver com a nossa conversa sobre novela.
Qual a relação?
A novela tem o poder de reter esses consumidores por mais tempo do que a série. E a gente está vendo os streamings adaptando a estratégia. A Netflix educou... ela criou uma gramática digamos assim, que dizia: 'não tem publicidade, todos os capítulos estão de uma vez, que é um modelo que eu acredito que funciona quando você tem um grande player, modelo 'winner takes all'. Quando você tem competição, 4, 5, 6 caras disputando mercado, não funciona. Se todo mundo fizer isso, o consumidor vai começar a pular de galho em galho, depois ele volta quando começar um show que interessa a ele, uma série nova, uma nova temporada e faltará dinheiro.
O consumidor vai fazer a conta e vai dizer: 'Ué, vou pagar mais por streaming do que eu pagava na TV a cabo'? A promessa que me fizeram de que o streaming ia me dar mais conteúdo, mais entretenimento por um preço menor não está se concretizando, as pessoas percebem isso, o consumidor não é bobo.
É por isso que as plataformas estão recorrendo à publicidade?
As contas não estão fechando, esperar que a rentabilização venha inteiramente do consumidor, num contexto em que as séries são muito caras. Tem uma frase, essa frase não é minha não, tá? Isso foi o David Zaslav que falou, há algum tempo (...) que nós tínhamos aqui no mercado americano uma equação em que os provedores de TV paga obtinham de cada residência americana US$ 100 de receita e o valor de um episódio de uma boa dramaturgia era US$ 1 milhão.
De repente, vem a Netflix, e os que seguem a Netflix, e muda essa equação, dizendo que não. O valor que a gente vai extrair de cada domicílio americano é de US$ 10, e o preço de um episódio de dramaturgia Premium vai ser US$ 10 milhões, essa conta é impossível de fechar. E aí está todo mundo percebendo que essa conta não fecha, então assim, "de onde a gente vai tirar dinheiro? Já sei, dá publicidade" e todo mundo caminhando para a publicidade.
A Amazon anunciou que teve 25 milhões de espectadores no mundo nas primeiras 24 horas após a estreia de "Os Anéis de Poder". É um ótimo número, mas difícil fechar a conta quando a série custa US$ 1 bilhão. Até o ano passado a crença era que plataformas poderiam chegar a ter 500 milhões, até 1 bilhão de assinantes. Foi um equívoco do mercado?
Você apontou bem. Os lançamentos que a gente está vendo agora, como A Casa do Dragão, como Os Anéis de Poder, são frutos de decisões que foram tomadas três, cinco anos atrás. Assim como as nossas séries também; séries que a gente está estreando hoje, também foram frutos de decisões tomadas há dois, três anos. O ciclo de produção da dramaturgia Premium é muito longo. Ainda mais com a pandemia. No nosso caso, tivemos uma pandemia que paralisou muitas produções. Em alguns casos, esses ciclos chegaram a cinco anos. Naquele momento, muita gente acreditava que ia ter plataformas de streamings globais, com 500 milhões de assinantes, 600 milhões de assinantes.
Estou falando das que disputam mercado global. Ninguém acredita que uma plataforma com o grau de competição que a gente tem, sem sinais que essa competição vai arrefecer, porque a gente poderá ter alguma consolidação, mas a gente não vai ter menos de quatro players disputando os mercados, e aí vai depender se você vai ter players regionais como a gente ou não. Alguns países não terão esses players regionais, talvez fique ali mais concentrado entre Netflix, Disney, Amazon, HBO Max. Ninguém vê esses quatro saindo do mercado em curto prazo. Com essa competição, você tendo quatro players fortes globais, mais players regionais, que pode chegar a cinco ou seis caras relevantes no mercado disputando, ninguém acha que você vai ter uma plataforma de streaming com 500 milhões de assinantes.
E talvez, naquele momento, quando as decisões estavam sendo tomadas, houvesse uma crença de que sim, a plataforma A, B ou C vai ter 500, 600, 700 milhões de assinantes, então vale a pena a gente fazer esse investimento aqui para garantir esse posicionamento e garantir a liderança, garantir uma fatia de market share, que seja relevante nesse mercado de bilhões de assinantes. Então, a gente quer garantir 500, 600 milhões de assinantes. Hoje, eu acho que essa equação não fechará desse jeito. Teremos um mercado mais fragmentado, a gente vai ter o problema do churn (taxa de cancelamento de assinaturas).
Quando Globoplay lança uma novela como Todas as Flores retém o assinante por muitos meses e reduz os cancelamentos, certo?
Exatamente, a novela tem esse condão já que são obras mais longas. Mesmo a novela de streaming, com 50 episódios, ela é maior que uma série de 10 episódios. Então, a gente retém as pessoas por mais tempo na plataforma. Uma coisa que eu posso te assegurar é que você nunca verá o Globoplay lançar 60 episódios de uma novela original de uma vez só. A gente não fará isso. Faremos em pacotes de capítulos, pacotes de dez, de cinco. Vai depender do tamanho total da obra, do período em que a gente vai fazer a estreia. Mas não faz sentido lançar tudo de um vez.
Mesmo a Netflix parece estar revendo a estratégia de lançar as séries de uma vez, Stranger Things foi dividida na última temporada.
Tem um elemento social importante da novela, que as pessoas gostam de falar sobre a novela, as pessoas gostam de especular sobre o destino dos personagens... Então, se eu pego 60 capítulos e coloco de uma vez na plataforma, sempre vai ter aquele 'estraga prazeres' que vai começar pelo último, vai lá no Twitter e vai dizer: 'ah, termina assim, o personagem morre e tal , então a gente nunca vai deixar o estraga prazeres estragar o prazer do nosso público. Por isso, vamos soltando os capítulos aos poucos.
Por que faz sentido para a Globo ter Todas as Flores primeiro no Globoplay?
Eu estava até angustiado porque a gente não ia ter uma novela em 2022. A gente só ia ter em 2023. Depois de Verdade Secretas 2 em 2021, buscamos muito - e essa busca é conjunta do Globoplay e da TV Globo. Mesmo com o versionamento, mesmo que você às vezes tenha alguns aspectos de sexo, de uma violência mais gráfica que não seja adequada para TV Globo, você não pode ter um texto que seja totalmente considerado inadequado para TV aberta, que só funcione no streaming e que não funcione na TV aberta.
Então, não conseguimos encontrar, lá em 2021 quando a gente estava buscando para tomar essa decisão, não conseguimos encontrar esse texto que funcionasse. Mas tinha já um texto do João Emanuel adiantado, que era um candidato a uma das faixas de novela da Globo, e nós conversamos, eu, Amauri (Soares) e Ricardo Waddington. Entendemos que tinha uma oportunidade, que esse texto poderia ser adaptado para o streaming. Os capítulos foram reduzidos, vamos ter 85 capítulos, mas, ainda assim, é uma novela bem longa. É um teste que a gente vai fazer também para ver o fôlego. A gente sabe que uma novela de 50 capítulos deu muito certo.
Qual é o limite de capítulos para uma novela de streaming?
Não acredito que sejam os 170, 180 capítulos como na TV aberta. Precisa ser menos, mas quão menos? 100? 90? 80? Isso a gente vai descobrir também. E aí é um bom teste que vamos fazer com Todas as Flores e seus 85 capítulos. O texto é um folhetim clássico que tem tudo aquilo que o João Emanuel sabe fazer de muito bom. Personagens femininas muito complexas, histórias de vingança, reviravoltas, de quem está numa posição, passa a estar em outra posição? coisa que você via em A Favorita, Avenida Brasil, A Regra do Jogo. Entendemos que tinha muito potencial para o Globoplay, sem deixar de ser viável para TV Globo para uma segunda janela. Nos pareceu ser uma escolha óbvia. E resolveu o problema de ter uma novela forte em 2022.
Com mais publicidade no streaming será cada vez mais difícil para o anunciante não fazer publicidade nessa plataforma. É uma oportunidade. Mas existe o risco da TV Globo perder anúncios. Quem é o maior beneficiado e o maior prejudicado com mais publicidade no streaming?
Sobre o maior beneficiado pela publicidade no streaming: eu acho que nós vamos ter dois grandes números da publicidade digital em vídeo. Vamos ter o mundo das plataformas UGC (user generated content). Onde temos o YouTube, TikTok, Instagram? Aqui o anunciante paga menos para anunciar, existe uma lógica de escala, com muita produção de conteúdo e você tem em geral baixa qualidade e nem sempre você tem uma adequação entre aquele conteúdo e a mensagem do anunciante. Então, pode ser, em alguns casos, um espaço muito desafiador para as marcas porque elas não conhecem. Como elas estão buscando um target, elas podem encontrar um público, mas podem estar associadas a conteúdos que não são os mais desejáveis para a imagem da marca.
Um outro mundo é o que a gente chama de vídeo premium, que é um mundo onde está a Globo, onde estará a Netflix - quando trouxer o seu produto de assinatura, onde estará a Disney e a HBO. Um mundo em que o conteúdo não tem a mesma escala e nem é para ter. Não é o propósito que você tenha geração de inventários com bilhões de participantes no ecossistema, porque as plataformas não vão ter 600 ou 700 milhões de assinantes. No vídeo premium o conteúdo tem qualidade, a atenção do consumidor está concentrada - a pessoa fez uma pausa na vida dela para assistir aquele conteúdo e ela é inclusive mais tolerante à publicidade. E o consumidor sabe que tem uma grande recompensa, que quando terminar aquela publicidade tem um baita conteúdo para ele assistir.
Isso é o que a gente chama de "momentos de atenção concentrada", quando a pessoa está muito atenta para aquele conteúdo e ela leva essa atenção para a mensagem publicitária. É uma vantagem, por isso os CPMs serão mais caros. Por isso, é mais caro anunciar em um streaming do que anunciar nas plataformas de User Generated Content, porque a experiência é de mais qualidade para as marcas.
Quando a Globo começou a encerrar contratos fixos, houve polêmica. Como tem sido a experiência desde então com a crescente produção para o Globoplay?
É uma adequação aos modelos mais modernos de relacionamento, o mundo trabalha desse jeito. A Globo continuará tendo um elenco de talentos, menor, com contratos de longo prazo, porque as novelas demandam isso. A gente não pode ter só talentos de obra certa porque isso causa uma incerteza na hora de escalar o elenco de uma novela. Você precisa ter alguns talentos que estarão garantidos. As novelas começam a ser gravadas com a novela corrente ainda no ar, seria muito difícil fazer novelas - seis novelas da grade - só com talentos de mercado.
Então, a Globo continuará tendo um quadro, isso é administrado pelo Ricardo Waddington e pelos Estúdios Globo, mas não será um quadro tão grande quanto no passado. Porque o modelo que a gente tem dos contratos por obra é o mais moderno e, em muitos casos, funciona para os talentos. Claro que isso é particular de cada um, mas já conversei com vários talentos que preferem esse tipo de contrato.
O BBB também é um fenômeno no streaming. Haverá novidades para 2023?
O BBB é uma potência, um grande ímã de atenção. Eu costumo dizer que o BBB não é uma Coca-Cola, é um vinho. Porque a Coca-Cola você tem uma expectativa de que quando você vai tomar de um ano para o outro ela vai ter o mesmo sabor. Já o vinho é safra, pode ser muito diferente de uma para a outra porque depende do elenco, da aceitação ou rejeição do público. Tem uma dramaturgia de cada edição que varia muito de ano para ano.
Então, é sempre difícil dizer o que a gente espera porque é muito inesperado. É um reality show, essa palavra realidade é muito forte. Tem que ver como é que o público vai se relacionar com o elenco. Tenho certeza de que o Boninho já está fazendo um super trabalho de seleção dos participantes, mas tem a química entre eles e tem a química deles com o público que a gente tem que ver como vai ser.
Ainda é cedo para falar alguma novidade porque ainda tem muita coisa sendo definida do próprio programa, mas sempre tem alguma. Uma edição nunca é igual a outra, sempre tem um produto novo, uma oferta nova e será assim em 2023 também.
Uma grande preocupação do BBB é a questão técnica, não? O volume de visualizações é tão grande que travava o Globoplay.
Nós do Globoplay nos preparamos bastante para resolver os problemas que tivemos dois anos atrás, que nós reconhecemos que foram problemas sérios e que afetaram a experiência, mas já na edição passada fizemos a migração para a infraestrutura da cloud pública do Google com resultados muitos melhores e acho que esse ano, 2023, a gente vai estar no topo do que a gente pode servir de boa experiência.
As plataformas de streaming ainda operam com prejuízo. Quando o Globoplay deve dar lucro?
A gente tem muita disciplina de custos. Nem todo mundo percebe isso, mas a gente vem executando. Todo time que está sobre a batuta do Paulo Marinho (presidente-executivo da TV Globo) nesse momento vem executando as estratégias dos produtos com o olhar de que nós precisamos ter disciplina de custos porque é isso que garante a sustentabilidade e a longevidade da empresa.
A gente não está disputando uma corrida de 100 metros, estamos disputando uma maratona. E assim como um maratonista não sai correndo como um desesperado no primeiro quilômetro, porque ele tem quarenta e dois quilômetros para correr, portanto sabe que precisa poupar energia, com a gente é a mesma coisa. A gente está disputando a maratona do streaming com competidores muito fortes.
O Globoplay ainda é um negócio que queima caixa, como todas as plataformas de streaming, mas a gente já está gerando substancialmente mais receitas, esse ano, do gerávamos quatro anos atrás. A gente tem um consumo em horas muito maior do que tínhamos anos atrás. Já crescemos esse ano mais de 20% em número de assinantes, o ano ainda não terminou, e já temos mais de 20% de crescimento acumulado vindo de três anos de crescimento muito forte. Então, eu acredito que estamos no caminho certo.
A discussão do lucro, ele virá em algum momento no meio da década, mas os nossos planos, o investimento da empresa no Globoplay é um compromisso que permanece. A gente poderá fazer alguns ajustes na nossa estratégia de produção, a gente poderá eventualmente tomar decisões sobre uma ou outra produção que a gente ache que não está dando o retorno esperado. Isso tudo é normal, é do jogo como está acontecendo com as plataformas também. Mas isso não significará que é uma falta de compromisso com o Globoplay.
No passado você disse estar aberto a ter conteúdos do SBT, as novelas mexicanas inclusive estão no Globoplay. Essa porta continua aberta mesmo após o acordo deles com a Amazon?
A gente sempre poderá falar de licenciamento com outros players também. Isso é uma coisa que a gente está aberto, continuamos abertos a licenciar novelas que foram produzidas no passado por outras plataformas. Agora, é claro que tem empresas que têm os seus serviços e vão preferir guardar esses produtos para as suas ofertas proprietárias ou para alguém com quem tem um acordo estratégico.
Então, cada caso será um caso também. Muita gente estranhou o fato de estarmos lançando novelas mexicanas como A Usurpadora, Marimar e Maria do Bairro, porque nem todo mundo entende isso. Na verdade, são novelas da Televisa que em um momento foram licenciadas para o SBT para os direitos de TV aberta, mas que, em um outro contexto, anos depois, esse licenciamento estava disponível para o streaming e aí trouxemos para o Globoplay.
Por que é tão difícil para os americanos competirem com brasileiros na produção de novelas?
A televisão americana tem como produto de dramaturgia fundamental a série. Inclusive, tradicionalmente, com modelos muito característicos de um episódio piloto e doze episódios. Esse produto tem características muito diferentes da novela. Você filma em 30 ou 60 dias, depois o elenco está liberado para fazer outras coisas. E se ganha outras temporadas e se é muito bem-sucedido, o sucesso vira um risco porque o elenco e a equipe ficam mais caros. Existem séries que acabaram por conta do seu sucesso, porque ficou tão caro que se tornou impagável. Esse é um modelo que a gente conhece bem da televisão americana.
No Brasil e nos países que produzem novela o modelo é muito diferente. Quando você faz uma novela, a estrutura de custos é diferente: é um produto economicamente mais eficiente - porque você dilui os custos fixos numa quantidade maior de capítulos -, você imobiliza aquele elenco por um período que pode chegar a até um ano - considerando pré-produção e preparação do elenco - depois aquela obra se encerra. Os players americanos não estão acostumados a produzir assim.
A HBO contratou muitos profissionais da Globo mas não lançou nenhuma novela até agora?
No Brasil, a Globo sempre teve concorrente fazendo novela, todos os players de televisão fizeram novela em algum momento, mas normalmente com o planejamento ligado às suas grades. Quando a gente vê os streamings chegando e tentando fazer novela, essas plataformas não têm estrutura de estúdio no Brasil, então elas vão buscar o mercado independente. E é caro fazer novela em produtoras independentes, é muito caro, pode custar de duas a três vezes mais do que custa na Globo.
Porque é indústria, novela é uma produção industrial. A gente grava de 30 a 35 páginas de roteiro por dia, as produtoras não estão acostumadas e não tem a infraestrutura que permita você gravar essa quantidade de roteiros em um dia com a qualidade que se exige. É mais difícil fechar essa equação econômica de gravar uma novela no mercado independente do que em uma linha de produção muito bem azeitada como é a dos Estúdios Globo.
Por que algumas pessoas, principalmente na imprensa, parecem ainda ver obras de streaming como sendo "menores"?
É uma questão do público se acostumar. E dos críticos também. Os mexicanos saíram na frente, a Televisa vem fazendo readaptações que são remakes que vem performando muito bem no Globoplay. Os Ricos Também Choram, por exemplo, vem com essas características: mais modernos, ágeis, menos capítulos. Quando você olha, são obras modernas. Isso é uma coisa que precisamos entender: a cabeça do público.
Nosso consumidor de 25 anos está impactado com o consumo de séries, mas ele gosta de novelas. Só que na cabeça dele, existe espaço para um produto híbrido, que ele entenda que tem elementos da série e da novela. Se é uma novela ou se não é uma novela, não é o número de capítulos que vai decidir. Folhetim, melodrama, as temáticas que caracterizam o produto novela. Mas é claro que há elementos estéticos e narrativos que podem puxar mais a concepção para uma série. Verdades Secretas 2, por exemplo, nos posicionamos como novela porque tem todos esses elementos, mas alguns consumidores entenderam como uma série. Mas é uma dúvida legal, é um elemento para o debate do público. Os fãs vão discutir. 'Todas As Flores' as pessoas não terão dúvida de que é uma novela.
Você comentou sobre Verdades Secretas 2, mas algumas reportagens afirmaram que foi um fracasso na TV. Porém, segundo levantamento da TV Globo, a média de todos os conteúdos Globoplay que foram exibidos como 1ª linha de show na Globo ficaram 12% acima da audiência dos demais conteúdos da faixa. O mesmo ocorreu com todos os conteúdos Globoplay que foram exibidos na 2ª linha de show da Globo, os quais superaram em 10% a média de audiência dos outros programas do slot. O que aconteceu, pesou o fato de ser uma reprise, já que passou no streaming?
Eu não diria que é uma reprise quando a gente pensa Verdades Secretas 2 na televisão. Foi feito um versionamento. Um trabalho fundamental quando pensamos na dobradinha TV aberta e streaming. O alcance da TV aberta é muito maior do que qualquer plataforma de streaming, mesmo se você comparar com os semi-líderes, como a Netflix. E há uma questão importante de adequação para a TV aberta. É preciso ter um cuidado, há cenas de sexo e temáticas mais sensíveis. Eu não posso entrar muito no mérito de análise de audiência porque eu não estou nem equipado com isso. Batemos 70 milhões de horas de Verdades Secretas 2 e ela foi superada por Pantanal com 120 milhões de horas, embora seja uma comparação diferente porque o Pantanal tinha uma exposição na televisão.
Travessia começou muito bem no Globoplay. Começou com um volume maior no Globoplay do que Pantanal nos primeiros capítulos. Porque eu acho que tem dois tipos de público; aquele que vê duas vezes, na TV e no Globoplay e aquele pessoal que não pode ver no horário da TV. Para arrematar, a gente está nos primeiros anos. Verdades Secretas 2 foi a experiência número um no Brasil de uma novela feita para o streaming e seu versionamento para televisão. Tudo isso é muito novo, tem uma cultura que está sendo criada, vamos ver onde isso vai parar. Eu acredito que isso será muito benéfico para o consumidor, mais uma opção de entretenimento com muita qualidade. Há um ganho para o consumidor muito relevante.
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