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Rodrigo Faro é vítima do 'socialismo para milionários' criado pela Globo
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Resumo da notícia
- Rodrigo Faro é vítima do 'socialismo para milionários' criado pela Globo, que mudou política salarial dos grandes astros da TV para cortar custos
- Mundança busca readequar custo da programação à nova realidade do mercado de TV, com concorrência do streaming e menos verba de anunciantes
- Streaming frustrou expectativa dos artistas ao oferecer salários ainda menores que na TV e menos exposição na mídia
Rodrigo Faro é um dos nomes mais conhecidos da TV brasileira. O salário do apresentador, cerca de R$ 1,2 milhão por mês, reflete esta notoriedade. Mas as recentes notícias de que a Record quer diminuir em 75% o valor, para algo em torno de R$ 300 mil por mês, dá uma ideia de como as coisas mudaram na TV.
Faro segue trazendo audiência considerável e é um potencial sucessor de Faustão. Apesar de não ter a mesma influência de Faustão entre os grandes anunciantes, Faro é mais jovem e versátil. Canta, dança, atua e tem ótima penetração na classe C, particularmente com público feminino.
Faro e Faustão têm muito em comum. São dois dos maiores salários da TV brasileira, mas nos últimos anos eles viram seus vencimentos despencarem. O fato é que os programas de auditório, assim como a própria TV, valem bem menos que no passado. Além disso, o faturamento deles como garotos-propaganda de marcas também caiu à medida que cresceu a concorrência com os influenciadores digitais.
De certa forma Faustão e Faro são tão semelhantes que enquanto a Record negocia a renovação com Faro, vazou a informação de que Faustão também mantinha conversas com a Record para deixar a Band. Faustão confirmou a sondagem da Record, mas disse que seguiria na Band com um programa diário. Antes da Copa, a previsão era de que o programa do Faustão, após uma série de demissões e cortes de custos, seria reduzido. Em 2023, ficaria limitado apenas aos domingos.
A explicação para a queda dos vencimentos de Faro e Faustão na TV, é o crescimento do streaming e aumento do consumo de mídias digitais. A audiência e os anunciantes migraram para outras plataformas e a atenção das pessoas está cada vez mais pulverizada, o que reduz o valor das atrações de TV.
Enrascada da mídia
Nos últimos anos, à medida que as receitas de mídias tradicionais como a TV começaram a cair, e ficava cada vez mais claro que o digital era o futuro, os grupos de comunicação começaram a se movimentar. Todos cortaram custos, mas a Globo foi a mais radical neste sentido.
A Globo vendeu mais de RS 2,4 bilhões em propriedades como prédios, antenas e até a Som Livre. Também não renovou contratos de competições esportivas e atrações que não tivessem a margem de rentabilidade buscada pela empresa. Também abriu mão da F-1 e campeonatos de futebol. As mudanças ainda levaram à saída de Faustão para a Band.
Se por um lado a Globo cortou investimentos na TV aberta, por outro apostou todas as fichas na digitalização usando o Globoplay como pilar da estratégia. Ao lançar seu streaming, a emissora carioca criou um concorrente para si mesma ao passar a "educar" o mercado anunciante e os consumidores para os benefícios de assistir conteúdo com qualidade de TV pela internet.
Com o Globoplay a Globo faz uma aposta no futuro, mas também entrou em uma briga bilionária com concorrentes internacionais como Netflix e Disney, além das big techs Google (dono do YouTube), Amazon (PrimeVideo) e Apple (Apple TV+).
Uberização das artes
A Globo apostou em crescer o Globoplay sem aumentar o endividamento. Então, o dinheiro para o crescimento do Globoplay veio da TV, com otimizações da operação e bilhões em cortes de custos.
Entre as "otimizações" estava a mudança do modelo do contrato de trabalho da Globo com as estrelas. Antes, a Globo pagava mensalmente centenas de artistas e parte considerável deles ficava mais tempo fora do ar do que atuando. O modelo foi copiado da Netflix, onde só recebe quem está trabalhando em alguma produção. É o modelo da economia digital. Como acontece no Uber, só ganha quem está trabalhando, e a empresa é apenas uma plataforma, sem vínculos com os profissionais. A medida foi polêmica. Quando a Globo começou a cortar medalhões, fãs e a mídia criticaram duramente a Globo.
A medida além de impopular era arriscada. Afinal, os concorrentes poderiam aproveitar a enxurrada de talentos no mercado. Mas as outras TVs pouco ou nada fizeram para ameaçar a posição da Globo. Em alguns casos, como a ida do Faustão e da F-1 para a Band, e o futebol no SBT e na Record, a avaliação de muitos é que se gastou muito para um retorno duvidoso para as empresas.
Mesmo o streaming, aposta de muitos para absorver o talento da Globo, entrou em crise e teve de cortar custos. O sonho da HBO Max de produzir novelas no país, por exemplo, parece cada vez mais distante à medida que a empresa não para de cortar produções.
A Warner Bros. Discovery anunciou que os encargos totais de reestruturação antes dos impostos aumentaram para até US$ 5,3 bilhões (R$ 27,5 bilhões). A empresa ainda possui uma dívida de US$ 50,3 bilhões.
A Disney neste ano viu os prejuízos acelerarem no streaming. Desde o lançamento do Disney+, a empresa perdia cerca de US$ 1 bilhão por ano com a área. Durante todo o ano fiscal, os negócios diretos ao consumidor da Disney perderam US$ 4 bilhões. Essa foi uma das razões da demissão do CEO, Bob Chapek, e retorno de seu antecessor, Bob Iger.
Nos últimos dois anos o Globoplay cresceu em média 27% ao ano. São números impressionantes em qualquer lugar do mundo. O problema é que a conta não fecha. Se tudo correr bem, o Globoplay deve parar de perder dinheiro somente daqui a 3 ou 4 anos. A realidade é a mesma de outros gigantes do setor. À exceção da Netflix, todas as grandes plataformas de streaming perdem dinheiro.
Ou seja, as previsões de lucro e crescimento feitas anos atrás, quando a referência era a Netflix, tiveram de ser jogadas no lixo. Agora, o modelo de contrato por obra se popularizou e tem sido cada vez mais adotado pelas concorrentes da Globo que, com algum atraso, tentam melhorar a margem de lucro e fugir dos prejuízos.
'Socialismo' para milionários
O streaming dá prejuízo, mas é o futuro. Na TV a situação é mais complexa. Ela ainda dá muito dinheiro, mas os valores são cada vez menores. Em relatório divulgado semana passada, a agência de risco Fitch avaliou como negativa a perspectiva do mercado brasileiro de TV. Segundo os analistas, a Globo "enfrenta desafios para retomar margens de lucro de um dígito alto a dois dígitos e fluxos de caixa robustos, uma vez que a competição no mercado publicitário permanece elevada".
Ainda segundo o relatório da Fitch, "a Globo enfrenta forte concorrência em termos de receitas de publicidade e conteúdo/programação, além de desafios para oferecer plataformas novas e atraentes a espectadores e anunciantes". A agência também destacou que apesar dos desafios, a Globo está mais confortável que os concorrentes em função de seu alto caixa e liderança do mercado brasileiro.
Se está difícil para a Globo, líder e dona do Globoplay, uma das plataformas de streaming que mais cresce no mundo, nos concorrentes a situação é pior.
A redução salarial imposta pela Record é reflexo da queda de receita em todas as TVs. A emissora paulista também tem cortado grandes salários e se esforça para reduzir custos. As novelas da Record em 2023 vão passar a ser produzidas pela Igreja Universal.
A notícia de que o SBT estaria interessado em Faro, segundo duas fontes ouvidas pela coluna, seria uma tentativa frustrada da equipe do apresentador para "dar força" à negociação da renovação de seu contrato. O movimento teria irritado a direção da Record. A tática de dizer que um concorrente está interessado no passe de um famoso funcionava no passado. Mas a avaliação dentro de todas as TVs é de que R$ 1,2 milhão de salário é um número do passado e inviável no atual cenário. No SBT, ou Globo ou Band, Faro não conseguiria mais do que a Record propõe: R$ 300 mil.
A crise do setor e as mudanças de custos impostas pela Globo ao mudar o modelo dos contratos de trabalho criou o 'socialismo' para milionários na TV. As grandes estrelas vão seguir milionárias, mas vão receber muito menos pelo mesmo trabalho. E mais, só recebem se estiverem trabalhando.
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