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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que GKay, Bolsonaro e Musk foram engolidos por suas próprias fantasias

Gkay em entrevista ao Lady Night, com Tatá Werneck; comportamento errático se tornou um problema                     - Reprodução/Multishow
Gkay em entrevista ao Lady Night, com Tatá Werneck; comportamento errático se tornou um problema Imagem: Reprodução/Multishow

Colunista do UOL

29/12/2022 04h00Atualizada em 30/12/2022 01h52

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Resumo da notícia

  • Figuras que no passado se beneficiaram do poder das redes sociais, agora se tornam vítimas dos algoritmos e de suas próprias narrativas
  • Gkay, Bolsonaro e Musk usavam as redes sociais para intimidar seus críticos, mas adversários também aprenderam a usar as redes sociais
  • A mídia tradicional, em boa medida vista como decadente por muitos, provou que segue pautando as conversas em torno dos grandes temas

Influenciadora, presidente e bilionário empreendedor. Pode parecer difícil encontrar semelhanças entre personagens tão distintos como Gkay, Jair Bolsonaro e o bilionário Elon Musk, mas as últimas semanas mostram que eles têm muito em comum quando o tema é a maneira que se comunicam e como se tornaram vítimas de suas próprias narrativas.

O primeiro ponto em comum entre eles é que foram do céu ao inferno em um curto espaço de tempo. De mitos a micos no espaço de semanas.

Após uma piada do humorista Fábio Porchat ironizando o comportamento errático de Gkay em um programa de entrevistas, a influenciadora foi às redes se vitimizar e se tornou alvo de uma enxurrada de críticas.

Teve desde ex-professor de dança denunciando grosserias de Gkay, passando por internautas que recuperaram tuítes polêmicos da influenciadora, além de atores globais indo às redes dar apoio público ao vídeo em que Porchat fez novas críticas à Gkay.

Bolsonaro, além de perder a eleição, sai pela porta dos fundos da história. Tem sido atacado até mesmo por seus apoiadores que veem como covarde o silêncio do presidente desde a derrota para Lula.

Elon Musk, fundador da Tesla, comprou o Twitter dizendo que iria libertar a plataforma da censura, mas afundou a empresa, que hoje luta para não fechar as portas. Musk já disse que deve sair do comando do Twitter, mas esse talvez seja o menor de seus problemas.

A Tesla já perdeu mais de US$ 800 bilhões em valor de mercado neste ano. Boa parte da fortuna de Musk, que também é CEO da Tesla, está atrelada às ações da companhia. Ou seja, a Tesla perdeu mais de 18 Twitter em valor de mercado.

Pós-pandemia e mudança de perspectiva

Quando 2022 começou, era difícil imaginar esses desfechos para personagens com bases de seguidores tão fiéis e tanto sucesso. Os três pareciam vozes onipresentes em seus campos de atuação.

As redes sociais ajudam a explicar onde as coisas começaram a dar errado para Gkay, Bolsonaro e Musk. Sim, o acúmulo de erros é a causa original dos problemas deles, mas note que estes erros não começaram nos últimos meses. Vinham se acumulando por anos, mas sem grandes consequências.

Então, o que mudou em 2022? A pandemia acabou (ao menos da perspectiva econômica, já que o vírus seguirá conosco por anos) e as redes sociais (e as pessoas) seguiram adiante. Mas Gkay, Bolsonaro e Musk seguiram presos a suas próprias narrativas antiquadas, como acreditar em uma suposta superioridade que os coloca acima dos demais. O que há algum tempo parecia genial e original, hoje fica cada vez mais evidente que não passa de ignorância e descaso com o próximo.

Mas por que os três não se adaptaram? Provavelmente, porque acreditaram nas bolhas criadas pelos algoritmos e pelas pessoas próximas que diziam apenas o que eles queriam ouvir. Então, o cenário ficou ainda pior, porque o comportamento negativo foi alimentado e amplificado. O problema não se limitou às personalidades, de certa forma, todos passamos por isso.

Viver no pós-pandemia tornou-se um exercício de aceitar o imponderável. Instituições governamentais e de saúde pública continuavam a se desgastar diante de uma minoria autoritária e confusa pautada por teorias conspiratórias. As estruturas já instáveis que sustentavam as redes sociais e o mercado de mídia entraram em colapso.

O streaming desmoronou perdendo assinantes. A TV percebeu que suas receitas jamais serão como antes e cortar custos é inescapável. As big techs, donas das redes sociais, tiveram de demitir e cortar custos como nunca fizeram. Neste contexto, os influenciadores pareciam ter perdido a noção, mas na verdade apenas estavam desesperados tentando evitar a queda do engajamento em um cenário no qual é cada vez mais difícil atrair e reter a atenção das pessoas.

Padrão de comportamento

Gkay, Bolsonaro e Musk eram hábeis em mover as massas digitais por meio das redes sociais. Observadas as proporções de cada um, Bolsonaro tinha sua "milícia digital". Gkay seus seguidores, além da parceria com a Banca Digital (com 35 perfis e mais de 159 milhões de seguidores). Musk, os milhões de pequenos investidores da Tesla e das criptomoedas. E os três também usavam este "poder digital" para intimidar seus críticos.

A atuação de Bolsonaro e Musk nas redes é amplamente documentada. No caso de Gkay, menos visível. Mas a influenciadora exigia que matérias negativas fossem apagadas e pressionava quem a criticava na imprensa afirmando que moveria suas redes.

Musk e Bolsonaro são notórios pelos ataques à imprensa. Musk inclusive suspendeu perfis de jornalistas que escreveram matérias negativas sobre sua gestão do Twitter. Em boa medida, a mídia tradicional teve papel chave em trazer à tona problemas evidentes de Gkay, Musk e Bolsonaro. Os debates durante as eleições, com recordes de audiência na Globo, foram decisivos. Já polêmica da Gkay começou no programa do Luciano Huck, no domingo. As demissões e problemas do Twitter ganharam o mundo principalmente graças aos jornais tradicionais NY Times e Wall Street Journal.

A mídia se sente ameaçada?

Dizer que a mídia ataca essas personalidades porque se sente "ameaçada" é a resposta padrão. Mas a relação é mais complicada. Muitos jornalistas também se beneficiam da proximidade dessas figuras. Diversos grupos de mídia apoiaram Bolsonaro. Musk era reverenciado por muitos da imprensa. A própria Globo ganhou ao levar a Farofa da Gkay para o Multishow.

Os números da transmissão do Multishow surpreenderam positivamente a emissora carioca. Isso ajuda a explicar o fato de Gkay ter sido citada no ar nada menos que três vezes no Domingão com Huck. Gkay também rende bastante audiência para os sites de entretenimento, muitos deles de veículos de mídia tradicional.

Mas Gkay, além da Banca Digital, é amiga de alguns colunistas de entretenimento e sempre os manteve abastecidos com fofocas. Basta uma olhada em alguns perfis da Banca Digital e notas de certos colunistas para encontrar uma série de conteúdos semelhantes "apoiando" Gkay a atacando Porchat.

Mas vale notar que a Banca, apesar de ser uma empresa, está longe de ser um grupo coeso em torno de Gkay. Muitos deles conhecem a influenciadora desde os tempos em que viajavam juntos para os shows de Wesley Safadão. Também existe uma relação comercial próxima da influenciadora com a banca, mas pegou mal Gkay ter vendido diversos patrocínios na última Farofa e não ter incluído ações com os perfis da Banca, como era a expectativa.

Por meio de sua assessoria de imprensa a Banca Digital afirmou que "não interfere editorialmente nos conteúdos produzidos pelos perfis que integram seu casting, atuando na orientação ética e no desenvolvimento de oportunidades comerciais. A agência reitera, ainda, que acompanha o caso relacionado à influenciadora Gkay, e respeita as manifestações e opiniões de todos".

Semanas atrás, escrevi que a Farofa da Gkay flertava com o fracasso. Agora, o flerte com o fracasso virou um caso sério. Não será fácil para a influenciadora reunir o mesmo volume de patrocinadores se realizar o evento novamente.

Afastar ex-aliados parece ser outro comportamento recorrente com Bolsonaro, Musk e Gkay.

Maturidade digital dos adversários

No pós-pandemia também vivemos um intensivo de redes sociais e consumo de mídia. Os adversários também entenderam melhor o jogo digital. Bolsonaro e seus aliados encontraram adversários formidáveis no influenciador Felipe Neto e no deputado federal André Janones, rápidos em rebater as narrativas bolsonaristas.

Porchat também foi hábil ao fazer um vídeo negando que tivesse pedido desculpas a Gkay e jogando os holofotes nos evidentes problemas da influenciadora em 2022. Como ele mesmo disse, o objetivo foi retomar a narrativa que caminhava para "vitimizar" Gkay.

Já Musk viu os funcionários do Twitter irem à rede social para desmentir o novo dono da empresa.

Bolsonaro, Musk e Gkay tentam posar de vítimas por diferentes razões. Mas nenhuma figura pública está livre de críticas, muito menos de errar. O problema é insistir no erro.

Neymar e Anitta defenderam Gkay de maneira contida. Curiosamente, os dois também tiveram um ano sofrível nas redes sociais, onde seus trabalhos ficaram em segundo plano e as polêmicas foram destaque.

Mas a mensagem mais emblemática para Gkay provavelmente foi do influenciador Carlinhos Maia. "Entendi que quando muita gente está apontando algo na mesma intensidade e repetição, significa que eu precisava mudar algo que todos enxergavam, menos eu", postou o influenciador.

Carlinhos entendeu a lição que Gkay, Bolsonaro e Musk ignoram. O pós-pandemia está causando mais uma revolução no mundo. Quem acredita apenas nas próprias fantasias, passa pano para os erros, se vitimiza e ouve apenas o que acha conveniente, está fadado ao fracasso.

*O texto foi atualizado para destacar que a pandemia de Covid não acabou, apenas as medidas econômicas e de isolamento em torno dela foram encerradas.

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