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Faustão, novelas e Bolsonaro provam que maior risco para Globo é ela mesma
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Resumo da notícia
- Quando a Globo demitiu centenas de talentos em sua reestruturação, a expectativa era de que concorrentes se aproveitassem da situação
- Concorrentes na TV e no streaming desperdiçaram a oportunidade e cometeram erros que deixaram a Globo ainda mais confortável
- Mesmo Bolsonaro, que assumiu a presidência prometendo acabar com a dominância da Globo, foi embora se rendendo à líder de audiência
- Novelas, BBB e custos mais baixos se tornaram um diferencial da Globo; concorrentes tradicionais perderam o "bonde do streaming"
- Mesmo as gigantes digitais como Google, Facebook e Netflix entraram em crise e já não parecem tão assustadoras como há alguns anos
- Mas há riscos: o Globoplay dá prejuízo, gigantes digitais têm bilhões de dólares em caixa, e além disso, economia e política brasileira são incógnitas
Faustão não decolou - Apesar dos muitos talentos disponibilizados pela Globo no mercado após centenas de demissões, nenhuma outra TV ou streaming conseguiu criar produtos que de fato ameacem a emissora carioca. Faustão, maior apresentador da Globo, desde que entrou no ar na Band nunca ameaçou qualquer programa da emissora carioca, que segue líder isolada no share de audiência.
Sem concorrentes na TV - Record e SBT fizeram relevantes investimentos no futebol, mas não alcançaram o mesmo sucesso. Faltou organização, faltou uma grade pensada para o futebol, faltou tempo para construir um novo hábito nos espectadores e faltou até estrutura em alguns casos.
Agora, as principais competições que a Globo abriu mão estão retornando à emissora e por valores inferiores aos pagos no passado. A Globo sempre quis manter o futebol e competições de elite, mas não queria ter prejuízo. Estava certa e venceu a queda de braço com federações e clubes.
Uma Travessia sofrível - Após a ótima performance de Pantanal, a Globo lançou Travessia, uma novela ruim e que virou saco de pancada nas redes sociais em boa medida porque a autora, Glória Perez, e uma das principais atrizes da trama, Cássia Kiss, apoiavam Bolsonaro nas eleições.
Mesmo assim a única concorrente real para a fraca Travessia é Todas as Flores, que está no Globoplay. Ou seja, a maior concorrente da Globo na TV, é a própria Globo, mas com o Globoplay.
A Record, após investir milhões em dramaturgia, andou para trás no tema. A qualidade e a audiência caíram em 2022. Agora, a produção das novelas da emissora do Bispo Edir Macedo vão passar a ser feitas pela Igreja Universal.
Derrota de Bolsonaro - Quando assumiu a presidência, Bolsonaro afirmou ter como um de seus principais projetos acabar com o "domínio" da Globo. Quatro anos depois, em 2022, o Planalto aumentou em 75% o investimento de publicidade na Globo e uma das poucas medidas práticas de Bolsonaro antes de viajar para Orlando foi assinar a renovação da concessão da Globo. O mito virou mico, enquanto a Globo voltou a crescer o faturamento de publicidade, batendo recordes de receita com Pantanal e BBB.
Menos competidores no digital - Google e Facebook cresceram vertiginosamente nos últimos anos abocanhando cada vez mais verbas publicitárias da mídia tradicional. A Netflix roubava milhões de assinantes da TV à cabo e espectadores da TV aberta. Empolgadas com a Netflix, Apple e Amazon decidiram apostar no streaming e passaram a fazer filmes, séries e transmitir esportes em suas plataformas. Mas o setor de tecnologia entrou em crise e vai cortar custos.
Desde 2021, a Apple perdeu US$ 846,34 bilhões em valor de mercado. A Amazon perdeu US$ 834,06 bi. Para dar dimensão: a Meta inteira, depois de perder US$ 730 bi, vale US$ 315,5 bilhões. Entre o auge, em 2021, e agora, a Apple perdeu 24% de seu valor de mercado. O Google perdeu 39%. A Meta perdeu 63%. A Amazon perdeu 53%.
Google e Facebook pela primeira vez desde 2014 tem um share do mercado publicitário digital inferior a 50%. O crescimento desacelerou como nunca havia acontecido na história. Todas as gigantes de tecnologia americanas estão demitindo (ou congelando contratações) e cortando custos.
Gigantes como a Disney (US$ 162,4 bi de valor de mercado) e Netflix (US$ 131 bi) estão em crise porque o número de assinantes no streaming cresce bem menos do que projetavam. A Disney demitiu o CEO e a Netflix pode ser comprada pela Microsoft.
Obviamente essas empresas seguem enormes e muito ricas. A Apple ainda vale US$ 2 trilhões e a Amazon US$ 878 bilhões.
No digital a sorte ajudou a Globo - Governos passaram a se preocupar com o tamanho das big techs e questões de privacidade. A pressão regulatória aumentou e o jogo mudou. Também houve uma mudança no cenário econômico com o crescimento da inflação e taxas de juros.
O aumento das taxas de juros fez os investidores passarem a exigir melhores resultados financeiros. Uma preocupação que a Globo pode deixar para depois, já que é controlada pela família Marinho, que topa perder hoje para ganhar muito mais no futuro.
Crise na mídia - A TV segue perdendo verbas e audiência. Mas agora se descobriu que o streaming é uma conta bem mais difícil de fechar. Ironicamente, Google, Facebook e outras big techs têm sido pressionados por investidores para realizarem uma reestruturação semelhante à realizada pela Globo, com corte de custos, redução de salários e foco nos negócios mais importantes.
Globo não vai falir - No primeiro trimestre de 2021, a Globo reportou um prejuízo de R$ 144 milhões; em 2020, o prejuízo no mesmo período tinha sido de R$ 51 milhões. Teve até quem acreditasse que a empresa iria falir diante das duras mudanças.
Contratos de futebol não foram renovados e até a F-1 mudou para a Band. A Som Livre e o prédio da sede em São Paulo foram vendidos. Mais de R$ 2,1 bilhões em propriedades foram negociadas pela emissora, incluindo antenas e o data center.
Na mídia e nas redes sociais, não faltou quem dissesse que a falência da Globo era uma questão de tempo. Mas as pessoas confundiram falência com uma mudanca radical do setor.
À frente dos concorrentes - Quando a Globo começou seu projeto UmaSóGlobo, em 2018, era uma empresa grande, lenta e até acomodada. A lista de privilégios de alguns diretores e atores era assombrosa.
Unir cinco empresas e reduzir custos não foi simples. O projeto começou de maneira confusa, demorou para engrenar, mas quando a pandemia chegou, a emissora carioca conseguiu tomar decisões difíceis de maneira efetiva.
Menos é mais - A Globo fez do limão uma limonada e largou na frente dos concorrentes tradicionais e até das gigantes do Vale do Silício. Ela entendeu que precisava investir bem menos para seguir líder absoluta. Não precisava fazer o melhor e mais caro conteúdo, bastava ser apenas superior às concorrentes.
Com o dinheiro que economizou, a Globo investiu no Globoplay e se digitalizou sem se atolar em dívidas. Diferentemente da Warner Bros. Discovery, que para apostar no streaming contraiu uma dívida de mais de US$ 50 bilhões.
A Disney se tornou líder em assinantes no streaming, mas perdendo tantos bilhões que colocou o negócio de parques em risco. Em novembro, a Disney reportou ter perdido em apenas 3 meses mais de US$ 1,5 bilhão na divisão de streaming.
No Brasil, além da Globo, nenhum player nacional tem uma plataforma de streaming capaz de concorrer com as gigantes internacionais.
Vitória no streaming - No caso do streaming, os concorrentes internacionais têm produtos imbatíveis, com filmes de milhares de dólares e séries bilionárias, mas eles não têm o BBB e novelas brasileiras de alta qualidade.
Quem tentou fazer novela no país, como a HBO Max, morreu na praia.
As produções nacionais feitas fora da Globo são mais caras do que os produtos feitos por produtoras. O fato de ser dona dos maiores e melhores estúdios do país pesa na conta.
Futuro incerto - Apoiada nas operações mais eficientes, a Globo produz mais por menos e com qualidade superior à média. Assim, dominou o mercado de TV e conseguiu um lugar seguro no streaming.
Se a Globo seguirá dominando o mercado brasileiro é uma incógnita. O cenário é altamente desafiador no mundo da mídia e erros de estratégia podem ser bastante caros no longo prazo. O alto prejuízo que a Globo teve neste ano com a Copa do Mundo, apesar do sucesso de audiência e comercial, é um exemplo disso.
O Globoplay, mesmo crescendo dois dígitos por ano, também deve dar prejuízo até 2027, no melhor dos cenários.
Neste momento, a Globo não tem concorrentes que ameacem sua dominância. As big techs tem bilhões de dólares em caixa, mas devem focar no mercado americano, que é mais rico e importante. Ironicamente, a maior ameaça possivelmente esteja em Brasília. Diferentemente de Bolsonaro, Lula não declarou seus planos para a emissora da família Marinho, mas novas leis para empresas digitais, a potencial abertura do capital da mídia local para empresas estrangeiras e a saúde da economia brasileira, podem mudar completamente o jogo para a Globo e a mídia brasileira.
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