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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Influenciadores ajudam Globo a ganhar dinheiro como nunca com o BBB

Tadeu Schmidt, apresentador do BBB 23,                            - PAULO BELOTE/GLOBO
Tadeu Schmidt, apresentador do BBB 23, Imagem: PAULO BELOTE/GLOBO

Colunista do UOL

15/01/2023 04h00

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Resumo da notícia

  • Influenciadores como Rafa Kalimann, Manu Gavassi e Bianca Andrade ajudaram a revitalizar o BBB em 2020
  • A estratégia ajudou a tornar o BBB um fenômeno de audiência também no digital e o transformou no espaço comercial mais desejado do país
  • Crítica ao elenco "pouco estrelado" desta edição não leva em conta o aspecto cada vez mais digital da atração
  • A Globo investe em uma estratégia de alta demanda comercial, mas com escassez de espaço, para inflacionar os preços de publicidade no BBB
  • Anunciantes reclamam, mas é quando faltam polêmicas; comentários (mesmo negativos) nas redes sociais tem acelerado vendas das marcas patrocinadoras
  • Risco para a Globo é ver a fórmula se desgastar, afetando até mesmo negócios como o Globoplay, que tem o BBB como principal atração

Quem vê o BBB batendo um novo recorde de faturamento, com mais de R$ 1 bilhão apenas em publicidade, dificilmente imagina que há alguns anos o programa vinha perdendo força, principalmente entre os anunciantes. Em 2020, para reverter a situação, a Globo fez uma aposta ousada: trouxe grandes influenciadores digitais para a competição.

Quem ganhou aquela edição foi uma Pipoca, a Telminha, mas Rafa Kalimann, Manu Gavassi e Bianca Andrade (Boca Rosa), mudaram os rumos do reality, principalmente no mundo digital.

Desde aquela edição, o reality da Globo se tornou muito mais que um programa de TV, é um fenômeno cultural e social. Mais de 153 milhões de pessoas viram os conteúdos da última edição do BBB nas plataformas da Globo, número 13% superior ao programa anterior, o BBB21. E o faturamento não para de crescer, há fila de anunciantes. Mais de 30 empresas devem estar nesta edição que começa na segunda-feira. A Globo não confirma o valor alcançado com a venda das cotas de patrocínio.

Não é BBB de famosos, é BBB dos influenciadores

É a conversa em torno do programa, principalmente nas redes sociais, que torna o BBB tão atrativo para os anunciantes. A fila de marcas que querem entrar é longa. Após o rombo de R$ 20 bilhões da Americanas e o abandono de uma cota master do BBB, o Mercado Livre no mesmo dia substituiu o concorrente e havia uma fila de candidatos à vaga de novo anunciante master.

Mesmo a crítica em relação à "queda" da relevância dos participantes desta edição é equivocada se avaliada da perspectiva da influência digital. Fred do Desimpedidos, Key Alves e Bruna Griphao estão longe de serem desconhecidos nas redes sociais. Gabriel Santana, que atuou na novela infantil Chiquititas e Pantanal, tem mais de 2,3 milhões de seguidores no Instagram e alto apelo entre o público mais jovem. Outro exemplo é MC Guime, com 8,3 milhões de seguidores no Instagram.

Na Pipoca a maquiadora Marília tem mais de 2 milhões de seguidores e é seguida até pela ex-BBB Juliette, que se tornou uma bem-sucedida influenciadora digital após vencer o programa em 2021. Marília também é amiga de Bruna Gomes (ex-namorada de Felipe Netto), campeã do Big Brother Desafio Final, versão portuguesa do reality. Fred Nicário, outro Pipoca, já viralizou na internet em um vídeo e tem mais de 400 mil seguidores no Instagram.

Oferta e demanda do BBB

Uma das explicações para o crescente sucesso comercial do BBB é o controle da oferta e demanda. Com a entrada dos influenciadores em 2020, a demanda aumentou muito. As marcas viram no reality a possibilidade de realizar campanhas na TV, mas altamente conectadas à mídia digital, uma prioridade dos grandes anunciantes.

Em contrapartida, o BBB ficou mais caro porque as ações de conteúdo (o patrocínio de provas, com a presença ostensiva das marcas) têm um inventário finito, já que é inviável realizar milhares de provas. Com a demanda disparando e a escassez de espaços no conteúdo, a Globo conseguiu aumentar consideravelmente os valores do BBB.

O sucesso do BBB nas plataformas digitais reforça este ponto. No ano passado, enquanto esteve no ar, nas redes sociais foram mais de 132 milhões de tuítes, 5.408 termos nos trending topics do Brasil, mais de 2,7 bilhões de interações sobre o programa nas redes, com mais de 3,2 bilhões de plays de vídeos nos perfis oficiais, segundo dados da Globo.

Uma pesquisa realizada pela Globo com 35 mil pessoas durante o BBB22 indicou mais de 95% de favorabilidade (interesse pela marca nas ações), mais de 81% de intenção de compra e mais de 80% de intenção de recomendação. Por que os anunciantes querem entrar não é difícil de explicar, é um tiro de canhão de reconhecimento de marca. No ano passado, a Globo também deu mais flexibilidade para que influenciadores e jornalistas usassem imagens e vídeos do BBB nas redes sociais. A medida ampliou o alcance da atração.

BBB virou balcão de negócios?

Para alguns existe o risco do BBB virar um grande balcão de negócios, colocando a publicidade como prioridade em detrimento do entretenimento, como sumarizou o colunista Gabriel Vaquer, do Notícias da TV. O risco existe, mas a Globo sabe disso e não quer matar a galinha dos ovos de ouro.

Por essa lógica de gestão de escassez, o esforço da Globo deveria seguir no sentido oposto: ter menos espaços comerciais para conseguir cobrar ainda mais dos anunciantes. Escassez gera valor e é um diferencial da emissora carioca. No mundo digital, onde estão os reais concorrentes da Globo, como Google e Facebook, a abundância é a regra.

O YouTube e as redes sociais têm inventários praticamente infinitos. Mas se o inventário é infinito, o preço tende a cair para zero. Esta é uma das razões pelas quais os preços de anúncios nas redes digitais estão despencando e o Google e o Facebook estão em crise, tendo de cortar custos e funcionários.

Um aspecto pouco comentado, mas fundamental, é a proximidade de Boninho com o mercado publicitário. A Globo resistia em permitir que seus diretores tivessem contato com clientes e agências. Boninho foi um dos primeiros do lado artístico da emissora a ter essa liberdade. E mais, no início da carreira ele passou mais de três anos escrevendo merchandising para novelas, o que ele diz ter sido fundamental para entender marketing.

Até polêmicas ajudam as marcas

O BBB é um caso tão particular que até as polêmicas podem ser positivas para as marcas, já que as discussões garantem muita visibilidade e engajamento nas redes sociais. Os marqueteiros só reclamam com a Globo quando avaliam que suas marcas estão tendo pouca repercussão, e isso nunca acontece quando existe alguma polêmica em torno de uma prova que tenha uma marca patrocinando.

As pessoas entendem que a polêmica é em torno da prova e do programa, não da marca que apenas patrocina. Na opinião de dois executivos de anunciantes que ouvi, o risco é se todo o programa se tornasse uma baixaria. Mesmo assim, nem todos reclamariam se tiver muita repercussão.

Na última edição de A Fazenda, da Record, que para muitos se tornou uma baixaria sem limites, na avaliação de um anunciante da atração, o reality rural foi um grande sucesso. Diversos recordes de conversão foram batidos pela marca dele graças à atração da Record. As polêmicas, do ponto de vista dele, até ajudaram.

BBB é trunfo do Globoplay

Outra razão para a Globo não transformar o BBB em um mero caça-níquel é sua crescente relevância para o Globoplay, uma grande aposta da Globo. A cada ano, o Globoplay praticamente dobra o número de horas assistidas de BBB na plataforma. O reality é o principal responsável por atrair e reter assinantes no streaming da Globo. E isso ao longo dos três meses da atração no ar. Em longo prazo, isso vale bem mais que o R$ 1 bilhão de publicidade que a Globo recebe em uma edição.

Nesta edição o Globoplay terá "uma nova experiência com 11 câmeras ao vivo e um mosaico com sinais simultâneos para acompanhar a rotina de todos os participantes" informa a Globo em seu material de divulgação da plataforma.

O BBB é muito eficiente em construir uma ponte entre os mundos da TV e do digital. Ele repercute nas redes sociais, ele tem o Globoplay transmitindo o programa 24 horas por dia, sete dias por semana. Mas ele também tem os momentos que geram atenção concentrada. A formação do paredão, a eliminação, as provas mais importantes. Estes momentos são escassos e perfeitos para impulsionar a conversa em tempo real nas redes.

A exemplo das grandes competições esportivas, os realities acontecerem ao vivo e geram a síndrome do FOMO (fear of missing out), o "medo de ficar de fora" de uma conversa. É aquela necessidade constante de saber o que as outras pessoas estão falando naquele instante.

Então não existe crise na TV?

Neste ano, quem não é assinante poderá assistir ao programa na íntegra e ver edições do Click BBB, que resumem os acontecimentos da casa. Também haverá um bate-papo BBB após as eliminações nas terças-feiras no gshow e Globoplay. O aumento da oferta de conteúdo para quem não é assinante do Globoplay indica o crescimento da publicidade no streaming.

No final do ano passado, a Netflix começou a oferecer publicidade em sua plataforma em 12 países, incluindo o Brasil. A Disney+ e demais grandes players do streaming já oferecem publicidade em países como os Estados Unidos e também tem levado programas da TV para o streaming. Em 2022, o tradicional Dancing With Stars, após 30 edições na rede americana de TV ABC, passou a ser transmitido exclusivamente no Disney+.

O aumento da publicidade no streaming é uma resposta à desaceleração do crescimento do número de assinantes nas plataformas e a disparada dos custos, que levaram o setor a reportar resultados decepcionantes. E em casos como da Disney e Warner Bros. Discovery, crescentes prejuízos em suas plataformas de streaming. Mas o aumento da concorrência fez despencarem a audiência e o engajamento de tudo que não tem a relevância do BBB. E produzir conteúdo relevante se tornou muito mais difícil e caro. Ou seja, a crise da TV e do mercado de mídia é bastante real.

Limites do formato

Os resultados dos reality shows são espetaculares, mas ao mesmo tempo, mostram a crescente dependência dos grupos de mídia em torno do formato. Além de trazerem audiência, os realities são baratos de produzir em comparação à dramaturgia. Porém, há cada vez mais realities em todos os lugares, de TVs ao streaming.

Isso significa que os negócios de mídia, e mesmo a Globo, não estão em uma posição confortável. No digital a audiência é cada vez mais pulverizada e o número de plataformas não para de crescer. Do streaming às redes sociais, a cada ano surgem dezenas de players.

O BBB Brasil traz bilhões para a Globo e é um dos maiores fenômenos culturais do mundo. Mas é um unicórnio raro. É praticamente impossível de ser replicado e também sofre desgaste com o tempo. A Globo conseguiu revitalizar a atração com os influenciadores em 2020. Se seguir acertando a fórmula, como tem feito por mais de duas décadas, irá bem mais longe que grande parte dos concorrentes. Isso vale para a TV, mas principalmente no digital.

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