Sem Bolsonaro, Google e Facebook viram alvos do Cade e Globo sai de cena

Nos últimos quatro anos, a Globo foi uma obsessão do agora ex-presidente Bolsonaro. Um dos sinais mais evidentes da cruzada bolsonarista contra a emissora carioca era um processo do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) acusando a empresa da família Marinho de prática de monopólio no futebol brasileiro.

O inquérito iniciado em 2019 nunca foi muito convincente, afinal a acusação de monopólio acontecia no mesmo momento em que a TV perdia espectadores, anunciantes migravam para o digital e a Globo abria mão da exclusividade de competições.

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A investigação contra a Globo teve cinco pedidos de extensão de prazo por parte da Superintendência-Geral do Cade, a última no final de 2022, esticando o prazo até maio deste ano.

Alexandre Cordeiro, presidente do Cade, é uma indicação do ex-ministro bolsonarista Ciro Nogueira. Segundo um inquérito da Polícia Federal, o agora ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro tratava Cordeiro como "meu menino" e dizia que tinha colocado o presidente do órgão no cargo.

Governo Lula elege big techs e combate às fake news como prioridade

Com a mudança de governo, Cordeiro tem irritado os antigos aliados. Em 16 de janeiro, o presidente do Cade enviou um ofício a Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Lula, no qual colocava à disposição as ferramentas do órgão para ajudar a identificar responsáveis pelas invasões de 8 de janeiro em Brasília. Segundo o colunista Igor Gadelha, do Metrópoles, o gesto irritou os bolsonaristas.

A expectativa é que com o novo governo o órgão volte a ser mais técnico e menos político. As mudanças não param por aí. A Globo saiu do radar do órgão e as atenções agora se voltam para as big techs, particularmente o Google e a Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp).

A discussão em torno da atuação do Google e Facebook tem sido um dos destaques no novo governo na área de comunicação. O combate às fake news é visto como prioridade.

Após receber em janeiro de 2022 reportagens sobre práticas anticompetitivas do Google e Facebook, em setembro do ano passado o Cade instaurou um inquérito administrativo contra o Google e Facebook/Meta. No início deste ano, o Cade intensificou a investigação e entrou em contato com os principais concorrentes do Google e Facebook no país, incluindo a Globo, requisitando mais informações.

O Cade quer saber se as duas gigantes de tecnologia agiram em conjunto, e ilegalmente, para fixar preços de leilão de publicidade no mercado.

A base do processo do Cade é o programa chamado Jedi Blue, implementado em 2018 pelo Google e Facebook. Os detalhes do Jedi Blue vieram a público em 2020, por meio de um processo antitruste de dez estados americanos contra o negócio de anúncios do Google.

Os procuradores de dez estados americanos, liderados por Ken Paxton, do Texas, alegam que o Google e o Facebook firmaram o acordo para manipular o mercado a seu favor. Esta e outras condutas do Google, afirmam no processo, "prejudicam a concorrência e privam anunciantes, editores e consumidores de melhor qualidade, maior transparência, maior produção e/ou preços mais baixos".

Pelo acordo, o Google daria ao Facebook taxas preferenciais e prioridade na escolha de posicionamentos de anúncios. Em contrapartida, o Facebook daria ao Google acesso ao seu sistema de anúncios e não desenvolveria tecnologias de publicidade que pudessem concorrer com a gigante de buscas.

Crescente domínio do Google favorece conteúdo apelativo. O algoritmo da mais destaque aos conteúdos mais clicados — e quanto mais chocante um título, melhor. Quanto mais curiosidade, indignação, raiva, e fortes emoções, mais cliques. Foi assim que notícias falsas sobre Anitta e Otaviano Costa e até o anúncio de uma falsa vitória bolsonarista no Senado ganharam destaque na plataforma nos últimos dias.

O Facebook no ano passado anunciou que daria menos destaque para as notícias na plataforma. Em abril deste ano a aba dedicada ao conteúdo de veículos de imprensa que existe dentro do Facebook será extinta. No Brasil, a empresa segue investindo em programas de jornalismo e trabalhando com as principais associações do setor, mas a plataforma traz cada vez menos tráfego e receita para os editores.

Com a diminuição da presença das notícias nas plataformas do Facebook, o Google se tornou ainda mais dominante no setor. Não raro, o Google e suas plataformas são responsáveis por levar mais de 80% do tráfego e monetização até de grandes veículos de imprensa.

Difícil comprovar prática ilegal

Procurados pela coluna, Google, Facebook e Cade não comentaram. Em e-mail enviado ao Cade em 26 de janeiro, o Google afirma que o acordo da "Rede Bidding Agreement (NBA), celebrado com o Facebook, é pro competitivo". Os advogados do Google dizem ainda que "por meio da inclusão do Facebook como licitante nos leilões de anúncios do Google, o NBA, na verdade, aumenta a concorrência entre o Google e o Facebook pelo inventário de anúncios do editor, aumentando assim os rendimentos do editor".

Os advogados do Facebook também enviaram ao Cade uma resposta usando os argumentos semelhantes. Google e Facebook dizem ainda que a investigação sobre o Jedi Blue na União Europeia foi encerrada por não encontrar evidências.

A Comissão Europeia afirma em seu site que continuará a monitorar as práticas de negócios no setor de tecnologia europeu e uma investigação separada sobre o possível abuso de domínio do Google no setor de tecnologia de anúncios ainda está em andamento.

Em janeiro, as práticas de anúncios da Meta foram consideradas ilegais pela União Europeia. Os reguladores decidiram que a empresa forçou ilegalmente os usuários a aceitarem anúncios personalizados. A decisão, incluindo uma multa de 390 milhões de euros (US$ 414 milhões), ameaça atrapalhar os negócios do Facebook, Instagram e WhatApp na região que é o segundo maior mercado da empresa.

O desafio do Cade, caso o processo avance, será comprovar que de fato o Google e o Facebook agiram ilegalmente e prejudicam os consumidores. Como os produtos das duas gigantes de tecnologia são gratuitos para os usuários finais, o desafio é mostrar que o consumidor é lesado ou que alguma lei está sendo burlada. Como o caso da Globo mostra, entre uma acusação e uma condenação pelo Cade há uma longa distância.

Todos os veículos e jornalistas ouvidos pela coluna são unânimes em dizer que qualquer solução deverá contar com o apoio das plataformas. Eles também dizem ver boa vontade nas equipes do Google e Facebook, mas que o problema deve se intensificar à medida que ferramentas como o ChatGPT e outros mecanismos de inteligência artificial capazes de gerar conteúdo copiando informações disponíveis na internet devem se intensificar.

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