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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Netflix acerta ao combater compartilhamento de senhas: acabou a 'mamata'

"Nada de Novo no Front", da Netflix, teve 9 indicações ao Oscar 2023; com menos assinantes, menos produções - Reiner Bajo/Netflix
'Nada de Novo no Front', da Netflix, teve 9 indicações ao Oscar 2023; com menos assinantes, menos produções Imagem: Reiner Bajo/Netflix

Colunista do UOL

12/02/2023 04h00

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Resumo da notícia

  • A Netflix estendeu a cobrança de quem compartilha senhas para mais quatro países; medida visa aumentar o faturamento da empresa
  • A mudança é impopular, mas permitirá à Netflix seguir produzindo o mesmo volume de conteúdo sem aumentar os preços para quem já paga
  • A novidade também ataca o crescente negócio de "rachadinha de senhas", no qual empresas organizam grupos de pessoas para dividir assinaturas
  • No passado, dividir senhas foi uma estratégia de marketing da Netflix para crescer, mas com crise do setor de streaming, prática teve de acabar
  • Movimento não deve parar na Netflix, o prejuízo do setor é crescente e combater o compartilhamento de senhas melhora os resultados financeiros
  • Disney e Warner Bros. Discovery já anunciaram cortes bilionários em seus orçamentos e devem reduzir número de produções

Nesta semana a Netflix anunciou que passará a impedir o compartilhamento de senhas em mais quatro países. Após começar a iniciativa no Chile, Peru e Costa Rica no ano passado, agora as medidas também passam a valer para Canadá, Espanha, Portugal e Nova Zelândia (a novidade deve chegar em breve ao Brasil, mas ainda não tem data confirmada).

Nos países onde as novas regras já valem, somente pessoas de um mesmo endereço associado a uma assinatura poderão ter acesso ao conteúdo da plataforma. Quem estiver compartilhando a senha com pessoas em outros endereços terá a opção de pagar a mais para não perder o acesso.

A Netflix também tem solicitado a seus assinantes definir uma localização principal da conta e oferece a opção de adicionar mais membros que não vivam na mesma casa, mas com custos.

O valor adicional para dividir a conta varia conforme a região. Mas de forma geral, são mais caros do que o plano de assinatura com publicidade e mais baratos do que as assinaturas sem publicidade.

Em Portugal, adicionar um membro novo que viva em outro lugar vai custar 3,99 euros/mês por pessoa. Na Espanha será ainda mais caro, 5,99 euros/mês.

Cenário de menos conteúdo e menos investimentos

Ninguém gosta de perder "benefícios" e com o usuário do streaming não é diferente. A medida gerou reclamações em todos os lugares onde foi implementada. Mas se a Netflix não ajustar seu modelo, todos saem perdendo.

A realidade é que nos últimos cinco anos os custos de produção de conteúdo audiovisual explodiram. A inflação e o aumento da concorrência encareceram toda a cadeia de produção. Nunca se produziu tanto conteúdo no mundo, mas também nunca se gastou tanto.

Em 2022, ano no qual o gasto com conteúdo cresceu 6%, o investimento alcançou US$ 238 bilhões, segundo a consultoria Ampere. Os principais responsáveis pelo crescimento foram as plataformas de streaming.

Mas com uma iminente crise econômica global e a desaceleração do crescimento de novos assinantes de streaming, as empresas estão sendo forçadas a rever as contas. Empresas como Disney e Warner Bros. Discovery (dona da HBO Max), anunciaram bilhões em cortes de custos e redução no volume de produção.

A Netflix é a única grande plataforma de streaming que dá lucro. O Discovery+ também é rentável, mas tem somente 24 milhões de assinantes, contra 230,75 milhões da Netflix. A Disney, líder em assinantes quando somados Disney+, Hulu e ESPN+, com 235,7 milhões, desde 2019 já perdeu mais de US$ 10 bilhões com sua divisão de streaming.

Netflix não quer ter menos conteúdo

Em 2023, com as gigantes de mídia assumindo com os acionistas o compromisso de reduzir o rombo do streaming, a previsão é que os gastos globais com conteúdo aumentem apenas 2% em relação ao ano anterior. Será o menor crescimento em mais de uma década (excluindo o ano de 2020, auge das paralisações de produção pela covid).

A Netflix em 2022 demitiu 300 empregados, cerca de 3% de seus funcionários, e gastou US$ 16,84 bilhões em conteúdo. O valor é 4,9% a menos do que em 2021, quando desembolsou US$ 17,70 bilhões.

Segundo a Ampere, a Netflix é líder em investimentos para produção de conteúdo original exclusivamente para streaming, sendo responsável por 25% de todo o gasto deste segmento.

Disney, Warner Bros. Discovery e Comcast gastam mais em conteúdo original do que a Netflix, mas como os líderes possuem canais de TV e estúdios, além de plataformas de streaming, uma comparação direta não é correta.

Por que a cobrança é importante

Segundo a Netflix, cerca de 100 milhões de pessoas assistem ao seu conteúdo usando a conta de outra pessoa. A Netflix tem cerca de 231 milhões de assinantes no mundo.

A Netflix fatura cerca de US$ 30 bilhões por ano. Em uma conta grosseira, adicionar 100 milhões de assinantes poderia aumentar a base em até 43%. Isso representaria até US$ 13 bilhões de receita adicional. Claro que a conta não é tão simples. Nem toda a receita da empresa vem de assinaturas e muitos usuários da Netflix podem não querer pagar por uma assinatura mais cara, ou mesmo quem assina um plano pode mudar para o plano mais barato. Ainda assim, estamos falando em bilhões de dólares adicionais.

A Netflix não esconde isso de ninguém. Os executivos da empresa afirmam que o compartilhamento de senhas é uma prática que está limitando sua receita e a capacidade de continuar investindo em novos conteúdos. Se a Netflix não atacar o compartilhamento de senhas, terá de reduzir a produção de conteúdo ou cobrar mais de quem paga. Este é um cenário ruim para todos os usuários, já que os concorrentes também seriam estimulados a produzir menos e teriam oportunidade de também aumentar os preços.

A disponibilidade de um plano mais barato, com publicidade, também coloca em xeque o discurso de que é "muito cara" a assinatura. A Netflix também estaria estudando uma versão gratuita de plano, com publicidade, a ser lançada em 2024.

Acabou a mamata

Um aspecto ainda pouco discutido é o fato do compartilhamento de senhas aumentar o preço para os usuários que não dividem a senha. No Brasil já existem empresas especializadas em vender "cotas de assinaturas" que podem ser usadas por diversas pessoas e pagando uma fração da mensalidade.

As empresas que administram a "rachadinha de assinatura" não criam conteúdo nem agregam valor ao mercado audiovisual, ela apenas exploram o que a Netflix e outras plataformas produzem. Isso diminui a receita das plataformas e dos criadores de conteúdo, depreciando toda a cadeia de produção.

Outra praga é o gatonet, as infames caixinhas com os mais diversos conteúdos audiovisuais pirateados. Felizmente, semana passada a Anatel deu um passo enorme para combatê-las.

Milhares de trabalhadores se empenham para produzir e vivem do resultado da venda de shows, séries, filmes, músicas e toda sorte de propriedade intelectual. O streaming multiplicou a produção de conteúdo e o tornou mais acessível.

Claro que ver Bela Bajaria, head global da Netflix, aparecer em uma revista reclamando da falta de Sauvignon Blanc no jatinho da empresa enquanto ela voa pelo mundo manda a mensagem errada. Mas vamos dar o benefício da dúvida e crer que a empresa segue cortando custos.

No passado, a Netflix já estimulou o compartilhamento de senhas. Era parte do seu marketing e isso ajudou seu crescimento. Mas o cenário mudou e a festa acabou. Agora são tempos de novos limites para as plataformas de streaming e seus assinantes.

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