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Jovem Pan e Fox News: o que explica crise dos ícones da mídia de direita
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No mesmo momento em que a Jovem Pan derrete no Brasil e vê seus anunciantes, faturamento e audiência desaparecerem, nos Estados Unidos a Fox News, de certa forma a mãe de todos os canais de direita no mundo, também vive uma de suas maiores crises existenciais.
Se no Brasil a ação do ministro Alexandre de Moraes e uma campanha devastadora do Sleeping Giants Brasil jogou areia na eficiente engrenagem da Jovem Pan, que se aproveitava da polarização política para faturar, nos Estados Unidos o estrago veio de um processo movido por um fabricante de urnas eleitorais.
Após uma série de comentários e reportagens falsas de profissionais da Fox News afirmando que máquinas de votação da Dominion Voting Systems poderiam ser fraudadas, a empresa processou a Fox News por difamação pedindo US$ 1,6 bilhão a título de reparação.
Mesmo que a Dominion não vença, o estrago já está feito. O que os documentos do processo mostraram até aqui é que os executivos e jornalistas da Fox sabiam muito bem que estavam mentindo. O colunista Mauricio Stycer, na quinta-feira, fez um ótimo raio-x do caso na Folha de S. Paulo.
Não é por ideologia, é por dinheiro
Mas o ponto central é que, ironicamente, tanto no caso da Jovem Pan quanto da Fox News, fica evidente que as mentiras pregadas no ar foram motivadas muito mais por simples ganância e busca sem limites pela audiência do que por qualquer ideologia.
A Jovem Pan mudou de estratégia assim que as multas começaram a chegar. Nos EUA, Ruppert Murdoch, dono da Fox News, fez questão de se distanciar da direção do canal alegando que não atuava no dia a dia, e desde a derrota de Trump, se afastou do ex-presidente americano e agora até critica o ex-aliado.
A boa notícia é que pelo menos essas "são motivações que todos podemos entender, em vez de uma demência ideológica insondável e distorcida que aflige toda uma rede de notícias de televisão", como disse Charle Pierce na Esquire.
Onde foi que eles erraram
Poucos fora das bolhas de direita radical questionam se a Jovem Pan e a Fox News agiam como veículos de propaganda. De Bolsonaro, no caso da primeira, e Trump, na segunda. Graças a isso, os canais atraíram um público fiel, e em boa medida, carente de veículos que refletissem a ideologia conservadora extremista que se popularizou nos últimos anos.
Mas o modelo de negócios da Fox News e da Jovem Pan exigia que elas negassem esse ponto óbvio de que eram veículos de propaganda e não de jornalismo.
Elas precisam sustentar sua reputação como uma organização jornalística confiável para reterem anunciantes, manterem parceiros de negócios e atraírem convidados e entrevistados que podem não querer ser associados a uma doutrina abertamente partidária.
Longe de serem superpotências da mídia capazes de manipular eleições, como muitos de seus adversários imaginavam (visto que seus candidatos perderam as corridas pela reeleição presidencial), Murdoch e Tutinha no final se mostraram reféns da audiência radical de direita. Nas próprias palavras de Murdoch, que constam no depoimento do processo da Dominion, ele se descreve como "assustado" com o poder que Trump detém sobre o público da Fox News.
Reféns da audiência
O dono da Fox News se descreve como a autoridade suprema do canal, mas incapaz de controlar seus âncoras que endossaram a mentira de Trump sobre uma eleição roubada. E ele lamenta não ter intercedido - o que ele diz estar ao seu alcance - para impedir que fabulistas eleitorais roubados como Rudolph Giuliani e Sidney Powell apareçam repetidamente em seus programas.
No Brasil aconteceu fenômeno semelhante. Mesmo após Tutinha e a direção da Jovem Pan ordenarem o fim dos ataques a Lula, muitos dos profissionais do canal ignoraram a orientação e seguiram propagando notícias falsas na TV até serem demitidos.
E com consequências desastrosas. No caso da Jovem Pan, a emissora teve a monetização de seus canais suspensa no YouTube. E em um processo da Jovem Pan contra o Sleeping Giants revelado pelo The Intercept, marcas como a Toyota cancelaram campanhas alegando não anunciarem em veículos envolvidos em escândalos. A Fox News entre 2020 e 2022 também perdeu grandes anunciantes e foi alvo de campanhas de desmonetização.
Mas aqui é importante uma distinção que vale como alerta para quem imagina a Jovem Pan como carta fora do baralho. A Fox News após o choque inicial da derrota de Trump encontrou novos heróis na direita e se recuperou. Vale lembrar que a derrota de Trump foi dois anos antes da derrota de Bolsonaro.
Apesar de perder espectadores nos Estados Unidos, a exemplo de todas as TVs a cabo, a Fox News ainda é uma máquina de lucro e lidera a audiência. A divisão de cabo teve um ganho de 1% na receita, chegando a US$ 1,49 bilhão no último trimestre de 2022, e um aumento de 3% no lucro antes dos impostos, alcançando US$ 571 milhões. A publicidade aumentou 31%, para US$ 441 milhões, mas as taxas pagas pelas operadoras de cabo para transmitir o canal caíram 3%, para US$ 928 milhões, à medida que mais pessoas cortaram o cabo.
Mentiras por mais pontos no Ibope
Raj Shah, vice-presidente sênior da Fox News, talvez tenha sido quem melhor capturou a falha central dos veículos de direita. Alguns dias após a eleição de 2020, o executivo procurou a líder de comunicação da Fox News, Irena Briganti para discutir uma pesquisa da empresa YouGov que mostrava que a Fox News era vista de forma cada vez mais negativa por seus telespectadores.
Shah tinha uma recomendação: "É necessária uma ação ousada, clara e decisiva para começarmos a recuperar a confiança que estamos perdendo com nosso principal público".
Por que a Fox News e a Jovem Pan começaram a perder audiência após a derrota de Trump e Bolsonaro, respectivamente? Porque as duas empresas, mesmo a contragosto, reconheceram o resultado das eleições e a derrota de seus candidatos. Dados de audiência obtidos por Splash mostram a CNN Brasil como o sexto canal mais visto da TV paga em janeiro, com 0,26 ponto de média. Isso coloca a emissora à frente da JP News, com 0,16 ponto em 18º. A Jovem Pan no passado chegou a estar na frente em diversas ocasiões.
A Fox News e a Jovem Pan conquistaram a confiança de seu público não por falarem a verdade, mas por reforçarem as mentiras aceitas pela direita. Dentro da bolha conservadora radical, a "verdade" é que a eleição foi roubada. Trump e Bolsonaro nunca perderam, foram fraudados. Então, a Jovem Pan e a Fox News ao adotarem uma posição mais sóbria, deixaram de ser atraentes.
Audiência antes da notícia
Tucker Carlson, uma das estrelas da Fox News, em uma mensagem enviada a seu produtor (e revelada pelo processo da Dominion), criticava os executivos do canal por "não entenderem quanta confiança e força perdemos com nosso público".
No Brasil houve fenômeno similar, alguns profissionais da Jovem Pan ficaram inconformados com os novos rumos editoriais. Mas diferentemente dos Estados Unidos, com a ameaça das multas do Xandão do STF, acabaram demitidos. Porém, caso a Fox News perca o processo contra a Dominion ou a crise de imagem aumente, o esperado é que por lá também aconteça uma onda de demissões.
A Fox News pode ter um prejuízo na casa de US$ 1,6 bilhão se perder o processo para a Dominion. Mas a derrota da Fox News não é fácil. Primeiramente, a Dominion terá de provar que houve intenção da Fox News de atacar a sua imagem, depois provar que o dano equivale a US$ 1,6 bilhão.
Desgaste da fórmula
A fórmula radical da Fox News e Jovem Pan foi sustentável enquanto Bolsonaro e Trump pareciam imbatíveis. A partir do momento que perderam, sustentar a reputação jornalística com a linha editorial se tornou inconciliável. Ou se criava uma realidade paralela insustentável pelas mais variadas razões, afastando os anunciantes e trazendo riscos financeiros, ou se perdia o apoio da direita radical.
Porém, os grupos radicais seguem vivos nas redes sociais e grupos de WhatsApp. Neles, Bolsonaro e Trump nunca perderam e até a Jovem Pan e a Fox News foram "caladas" por uma conspiração.
A Jovem Pan e a Fox News disseram aos espectadores o que eles queriam ouvir ao invés de dizer a verdade, pagaram um preço alto. A fórmula se esgotou e ficou insustentável manter uma fantasia diante da realidade da derrota nas eleições. Mas nas bolhas digitais o sonho da extrema-direita segue vivo, então melhor trocar os canais de notícias pelas redes sociais, YouTube, desligar a TV e ir acampar na frente de quartéis. Mas sem a direita radical, não há audiência para a Jovem Pan e a Fox News. Não é questão de ideologia, é sobre dinheiro.
Procurada, a Jovem Pan não retornou os contatos da coluna.
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