Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Consumo de vídeo dispara e clickbait engole CNN, Jovem Pan e até Bonner
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Veículos que propagam clickbait e fake news não são uma novidade. É crescente o número de sites e perfis em redes sociais que copiam e distorcem notícias em busca de cliques. A coluna já falou de como famosos são usados para chamar sua atenção, como os algoritmos do Google são enganados e explicou por que essas operações caça-clique são tão nocivas para o jornalismo.
Mas à medida que o vídeo se populariza no país, as operações caça-clique também se disseminam pelas plataformas de vídeo como o YouTube e trazem novos riscos para o já tão combalido mercado de notícias.
Segundo a pesquisa Inside Video, da Kantar IBOPE Media, divulgada terça-feira passada, os conteúdos em vídeo já alcançaram 99,6% da população brasileira (os dados são de 2022 e já podem ser maiores).
A TV tradicional ainda é dominante no país. Entre televisores, smartphones, tablets e computadores, 78,7% do consumo domiciliar foi para a programação linear de TV, aberta ou fechada. Os outros 21,3% são das plataformas online.
Entre elas, quando se fala em vídeo, o YouTube é absoluto. Sozinha, a rede de vídeos do Google representa 16,3% do share de audiência em janeiro, mais que o dobro da soma de todas as plataformas de streaming no Brasil.
Problema para o jornalismo sério
O percentual de TV com acesso à internet e aplicativos no Brasil cresceu 25%, passando de 34% em 2018 para 59% em 2022, aponta o estudo. À medida que as TVs conectadas se popularizam, aumenta o consumo de vídeo online e de plataformas como o YouTube.
Um fator importante é que à medida que os vídeos saem do celular e migram para a TV, também cresce sua credibilidade, já que eles replicam a experiência da TV, associada a notícias mais sérias, principalmente entre o público mais velho.
Mas com a disparada do conteúdo de clickbait no YouTube, os canais sérios que investem em jornalismo perdem audiência e receita, o que torna cada vez mais difícil concorrer e sobreviver realizando reportagens e conteúdo original.
Briga por dinheiro e atenção
A internet já matou boa parte dos veículos tradicionais de notícias. Porém, a concorrência com quem usa notícias, mas não investe em jornalismo, piora o quadro. O problema é ainda mais sério nos veículos de imprensa independentes ou de médio e pequeno porte. Nos raros casos em que conseguiram migrar para o digital, eles são cada vez mais dependentes do dinheiro que recebem da publicidade do Google e do YouTube.
Independentemente do tamanho do veículo de imprensa, o dilema é o mesmo: ter de concorrer com os caça-cliques e fake news, já que a ficção e a criatividade são o limite, e não a boa prática jornalística. O resultado são os canais e sites de clickbait roubando a audiência e a potencial receita de veículos jornalísticos.
Mortes que não existem, Michelle Bolsonaro inocente?
Basta observar o TV News no Ar para se entender a dimensão e alcance do YouTube. Com mais de 1,62 milhão de inscritos, em fevereiro o canal foi mais visto que a Jovem Pan, CNN, UOL e SBT News no YouTube, segundo dados da plataforma Playboard.
Manchetes como "REVIRAVOLTA! JOIAS NÃO ERAM PARA MICHELLE BOLSONARO - Michelle Bolsonaro Inocente?" ou "A PIOR NOTÍCIA CHEGA. INFELIZMENTE, NOSSA AMADA JOJO TODYNHO". Títulos com a palavra luto ou chamadas que insinuam mortes de personalidades são recorrentes no canal, mesmo quando a personalidade em questão está viva.
Um dos artifícios usados pelo TV News no Ar é esconder as palavras sensíveis trocando letras por números. A palavra morte, por exemplo, é escrita com zero no lugar da letra O. A medida visa burlar os filtros do YouTube. A prática também é comum em perfis de fofoca do Instagram, uma clara infração às políticas das empresas que parecem fazer vista grossa, já que os perfis têm alto engajamento.
William Bonner e jornalistas da Globo (sim, ironicamente os jornalistas) estão entre os alvos favoritos de quem produz clickbait. O apresentador do Jornal Nacional é dado como morto praticamente todos os dias em algum canal do YouTube. Uma suposta separação de Bonner e até seu retorno com Fátima Bernardes também rendem muitos cliques.
Os bastidores do TV News no Ar
O TV News no ar foi criado pelo jornalista Fernando Borges, em 2008, antes mesmo que ele cursasse jornalismo na UERJ. O canal começou fora do YouTube e estreou na plataforma em 2010, atraído pelo crescimento do meio.
O TV News no Ar é notório por chamadas apelativas, mas Borges está longe de ser um amador. Ele produziu o documentário 'Aconteceu, virou Manchete', que conta a trajetória da TV Manchete, e foi premiado.
Borges afirma que o TV News no Ar muda muito e constantemente. "O projeto foi me fazendo aprender o que sei hoje e ele foi se modificando. Se modifica o tempo inteiro. Acho que isso explica estar tanto tempo no ar e ainda conseguir manter a audiência".
Caça-clique, para TV News, é 'linguagem mais popular'
Segundo Borges, com o tempo ele aprendeu que "para atingir o público você precisa ter uma linguagem mais simples e popular". Também não se pode ter preconceito com formas, ou assuntos. "No geral, se existe um interesse no tema, eu abordo. Já fiz live até de bitcoin, BBB, política, tragédia e fofoca. Quase sempre os vídeos são ao vivo, então, acredito que isso passa uma confiança e agilidade necessárias para o jornalismo de internet".
Borges diz não concorrer com veículos tradicionais à medida que os demais apenas colocam sua programação no YouTube, enquanto ele produz especificamente para a plataforma. "Quem assiste é quem está buscando a CNN ou a Jovem Pan. No caso do TV News, as pessoas estão mais procurando os temas que são apresentados, ou se interessam pelo que está ali vendo com título e capa".
O produtor de conteúdo evidencia duas realidades. Primeiramente, ele entende melhor do jogo dos algoritmos que seus concorrentes tradicionais. Segundo, o TV News no Ar, após anos de aprendizado, é em boa medida resultado dos ajustes para atender aquilo que o YouTube entrega com mais eficiência aos usuários.
"De fato, a maior parte da cobertura é repercussão do que outros meios de comunicação já deram", afirma Borges. "No entanto, também temos nossas fontes e às vezes damos notícias em primeira mão. Recentemente, por exemplo, no caso da morte da Glória Maria, antes mesmo do falecimento a gente já tinha todas as informações que, posteriormente, foram colocadas na mídia. Muita coisa a gente preferiu nem expôr, já que era um momento delicado para a família. Às vezes, também não vale a pena no quesito 'audiência'."
YouTube despreza conteúdo jornalístico original?
A realidade de Borges é a mesma dos veículos tradicionais dentro do YouTube e outras plataformas, o incentivo à apuração jornalística e cobertura de temas relevantes, mas que não geram audiência como entretenimento, é cada vez menor.
"Por mais que já tenhamos algum público consolidado, dificilmente a gente dando as coisas em primeira mão gera interesse fora do próprio canal, o que, no geral, também reduz o Ibope", afirma Borges.
O problema é que enquanto o TV News ao Vivo é uma pequena operação focada em repercutir as notícias de outros veículos, os veículos que dão furos e apuram notícias enfrentam cada vez mais dificuldade para fechar a conta, já que a audiência e os anunciantes se concentram no Google. Mas para o Google, o que vale é o clique, não a originalidade ou autenticidade do conteúdo.
O YouTube vendeu US$ 29 bilhões em anúncios no ano passado, um décimo das receitas do Google. Segundo a empresa de pesquisas Ampere Analysis, o mercado global de publicidade de TV aberta é de US$140 bilhões.
O jornalismo representa uma fração minúscula da receita do Google. Mas cada vez mais a gigante de buscas decide o que "é notícia" e a maneira que veículos e jornalistas produzem para atender aos algoritmos. O Google controla o maior sistema operacional de celulares, o Android; e também o Chrome, navegador mais popular em computadores.
As notícias afetam toda a sociedade e são parte essencial de qualquer regime democrático. Com o crescimento do uso de inteligências artificiais, acessíveis a qualquer um e aplicadas à produção de conteúdo, o problema de clickbait, fake news e cópia de propriedade intelectual deverá crescer exponencialmente.
Questionei o YouTube sobre os canais que usam clickbait para agradar ao algoritmo. A assessoria de imprensa questionou a coluna sobre como descobri o conteúdo, mas não respondeu às perguntas encaminhadas. Chegamos ao ponto que nem o Google parece ter as respostas. Não surpreende que governos do mundo todo estejam se movimentando e criando novas regras para ajudar a empresa a encontrar a solução.
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