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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Falência de banco leva pânico a milionários da tecnologia no SXSW

Jessica Lessin, fundadora do The Information, teve cartões cancelados e quase não conseguiu pagar a festa da firma - Reprodução Instagram
Jessica Lessin, fundadora do The Information, teve cartões cancelados e quase não conseguiu pagar a festa da firma Imagem: Reprodução Instagram

Colunista do UOL

13/03/2023 04h00

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Dois temas têm sido predominantes no SXSW, festival dedicado à tecnologia, ao cinema e à música. O primeiro, o ChatGPT, era previsível. De alguma maneira se esperava que a discussão sobre inteligência artificial estivesse em todo lugar. Mas a falência do banco SVB (Silicon Valley Bank) era um tema inimaginável.

Desde o anúncio na sexta passada de que o 17º maior banco americano e queridinho das empresas do Vale do Silício quebrou, o clima de terror cresceu entre a elite do SXSW.

Jessica Lessin, fundadora e CEO de The Information, uma das principais publicações do mundo da tecnologia e mídia, postou uma foto de seu cartão de crédito do SVB sendo recusado enquanto viajava para participar do SXSW. Lessin é mais uma milionária do Vale do Silício em apuros. Ela relatou dificuldades até mesmo para pagar as festas e encontros que estava organizando durante o festival.

SXSW fica em segundo plano

Em mais de uma apresentação, os palestrantes se desculparam por estarem distraídos ou com a cabeça em outro lugar, porque tinham dinheiro aplicado no SVB.

Amy Liu, fundadora da startup Tower 28, disse ao público que poderia ficar sem dinheiro para pagar seus funcionários. Ela era uma das participantes do painel "How 4 Entrepreneurs Turned Personal Pain Into Multi-Million Dollar Passion Projects" (Como 4 empreendedores transformaram a dor pessoal em projetos de paixão multimilionários).

No painel "Dog's Life: Longevity Science Gets Serious" (Vida de Cão: a Ciência da Longevidade Levada a Sério), sobre a extensão da vida útil dos cães por meio de avanços nas ciências biológicas, Laura Deming, uma das participantes, começou se desculpando com antecedência ao público por estar distraída porque estava "apenas esperando uma transferência de dinheiro" enquanto checava o telefone diversas vezes ao longo da conversa.

Celine Halioua, também presente no painel, afirmou que "durante toda a manhã, tentamos descobrir onde diabos colocar nosso dinheiro". Depois, ela brincou que as inovações que sua empresa está desenvolvendo tendem a "compor ao longo do tempo, assim como os juros que não receberei mais em meus depósitos bancários", o que com razão rendeu risadas da multidão, como descreveu The Verge.

Halioua não estava grudada no telefone, mas olhava seu Apple Watch sem interrupção.

Estava ruim, ficou péssimo

As coisas já estavam difíceis no Vale do Silício. Desde o ano passado aconteceram diversas ondas de cortes de custos e demissões. Mas a tendência é piorar.

A Meta, dona do Facebook e Instagram, planeja mais demissões a serem anunciadas em várias rodadas nos próximos meses. A expectativa é que 11 mil funcionários sejam cortados nesta nova leva. No ano passado, 13% do quadro da empresa, cerca de 11 mil, já haviam sido demitidos.

Os sinais da crise são visíveis no SXSW. O festival anual é conhecido por atrair centenas de fundadores de startups e investidores em tecnologia. Quase metade de todas as startups apoiadas por capital de risco dos EUA usa os serviços do SVB, segundo o site da instituição.

Além das lamentações, dos sete super sponsors do evento, somente o Slack é uma empresa de tecnologia. Grandes patrocinadores presentes, como Itaú, Volkswagen e Porsche, atuam em duas das indústrias mais conservadoras do mundo.

Por que crise afeta Hollywood e big techs?

O SVB é baseado na Califórnia e era uma das instituições favoritas dos bilionários e gurus do mundo da tecnologia, o que cada vez mais inclui as empresas de streaming.

Com o declínio da TV e do cinema, o streaming se tornou um dos pilares de Hollywood. O SXSW também tem na indústria audiovisual um de seus pilares. Startups, cinema e música são a alma do festival.

A Roku tinha cerca de US$ 487 milhões depositados no SVB. Isso representa aproximadamente 26% do caixa e equivalentes de caixa da empresa, que corresponde a US$ 1,9 bilhão. A Roku afirmou em um comunicado que a maioria de seus depósitos no banco não tem seguro.

Nos últimos 12 meses, a empresa já havia perdido 40% de seu valor de mercado com a piora das perspectivas para empresas de tecnologia e streaming.

"Os depósitos da empresa com o SVB não têm seguro", afirmou a Roku, que diz não saber quanto poderá recuperar os US$ 487 milhões. A Roblox disse ter 5% de seus US$ 3 bilhões em dinheiro no SVB. A empresa de videogames afirmou que o colapso não afetará suas operações diárias.

Quebradeira generalizada?

O SVB disse estimar que, no final de 2022, o valor dos depósitos em seus escritórios nos EUA que excedem o limite de seguro do FDIC era de US$ 151,5 bilhões. Com a quebra do SVB, essa quantia virou pó.

Boa parte desse dinheiro está nas mãos de ricos e famosos que cruzam Austin em carros luxuosos durante o SXSW. O pior é que a quebradeira pode não parar no SVB. Outros bancos regionais correm o risco de verem uma corrida pelos depósitos. O First Republic Bank viu suas ações despencaram 50% na sexta-feira.

Nem os brasileiros escaparam. Um executivo comentou com a coluna que um fundo no Brasil, no qual sua empresa investe, tinha milhares de dólares no SVB.

No domingo, o governo americano assumiu o controle de um segundo banco, o Signature Bank, e anunciou medidas de emergência para aliviar os temores de que o sistema bancário entre em colapso. As medidas, que incluem a garantia de todos os depósitos do SVB, foram tomadas para reforçar a confiança no setor. Na prática, isso significa que ninguém que tenha dinheiro no SVB ou demais bancos deixará de receber.

A notícia foi recebida com alívio. Mas o fato é que muitos dos empreendedores, investidores e artistas presentes no SXSW estão com a cabeça em outro lugar. E provavelmente, nem gostariam de estar diante de uma plateia ou se reunindo com clientes. Mas jogar tudo para o alto e sumir seria ainda pior, já que com o dinheiro preso no banco, a única saída é seguir faturando para recuperar o prejuízo.

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