Topo

Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Modelo de negócio insustentável levou à saída de diretores da Globo e HBO

Os diretores Silvio de Abreu e Ricardo Waddington deixaram HBO e Globo pelo esgotamento do modelo atual - Divulgação
Os diretores Silvio de Abreu e Ricardo Waddington deixaram HBO e Globo pelo esgotamento do modelo atual Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

16/03/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Os anúncios das saídas de Ricardo Waddington da Globo e de Silvio de Abreu da HBO, no mesmo dia, são sinais das novas demandas do mercado de TV e streaming. A maior prova disso é que suas funções dificilmente serão ocupadas por outras pessoas no futuro.

O modelo dos Estúdios Globo, criado décadas atrás, e em boa medida também tentado por Abreu quando chegou à HBO, foi inspirado na Hollywood dos anos 1940. Foi muito efetivo, mas hoje é inviável por uma razão simples: ele não é competitivo porque é caro.

A Globo tem cerca de 14 mil funcionários, a Netflix tem menos de 13 mil. Porém a plataforma americana opera em mais de 190 países. O número é desproporcional porque a Netflix tem toda sua área de produção terceirizada.

Este é o futuro da Globo, da HBO e de todas as grandes empresas de mídia que produzem dramaturgia.

A Netflix até fecha contratos de longo prazo com produtoras e talentos, são os chamados volume deals (acordos de volume). Estes acordos trazem mecanismos como "first look" e "last refusal". Se você é um autor consagrado, a empresa paga apenas pelo direito de ser a primeira a ver uma sinopse (o "first look") e a última a fazer uma oferta pelo texto (o "last refusal").

Mesmo com estes mecanismos o custo é bem menor em comparação ao antigo modelo dos grandes estúdios e TVs.

Não é sobre dramaturgia, é sobre novo modelo

Sim, foi um corte de custos, mas não apenas dos salários de Waddington e Abreu. O que acontecerá nestas empresas é uma mudança completa do modelo de salários fixos para contratos por obra.

Ricardo Waddington, que ascendeu como diretor de novelas, esteve à frente dos Estúdios Globo em seus dois últimos anos na empresa. A função será acumulada por Amauri Soares, diretor responsável pela TV Globo. Na sua atual função, Soares já era responsável pelas regionais e afiliadas da Globo. Ou seja, na prática já coordena diversas operações em diversas partes do país e que operam de modo independente.

A missão de Amauri será fazer em outras áreas o que já foi feito com o elenco da emissora. Ao invés de manter centenas de profissionais fixos pagos mensalmente e com exclusividade, eles passam a ter contratos por obra.

No comunicado em que anunciou a mudança, a Globo afirma que Waddington sai por decisão própria, pelo desejo de deixar a emissora no marco dos 40 anos de empresa, completados neste ano. O presidente da Globo, Paulo Marinho, elogia no texto o ex-diretor e diz que Waddington "atualizou os processos de criação e produção dos nossos conteúdos, resultando na versão mais moderna e eficiente que conhecemos hoje dos Estúdios Globo".

Na Warner Bros. Discovery, dona da HBO, após cortes, demissões e bilhões em prejuízo, agora a busca também é por um modelo mais eficiente.

Autores, diretores, e mesmo produtoras que prestam serviços para a Globo e HBO devem cada vez mais migrar para uma estrutura mais flexível.

Na Globo, ainda hoje há autores e diretores na dramaturgia que passam cinco anos sem serem escalados. Ecos do passado que já não existem em qualquer empresa.

Mudança é oportunidade

A mudança do modelo de contrato fixo realizada pela Globo com o elenco foi um sucesso. A empresa ganhou mais liberdade artística ao poder contratar quem achasse mais conveniente e ao não ter de colocar alguém por já estar na folha, além de realizar uma grande redução de custos.

Até mesmo o maior risco enfrentado pela Globo com a mudança, a chance do know-how da emissora carioca ser levado para um concorrente, se mostrou uma falácia. Como a saída de Abreu da HBO provou, se o modelo não se sustenta na Globo, tem ainda menos chances fora dela.

Não faz muito tempo, talentos ameaçavam suas chefias na Globo dizendo que trocariam a emissora pelos concorrentes do streaming. O resultado: agora há muita gente pedindo para voltar após sucessivos projetos relegados à obscuridade pelos algoritmos das plataformas.

Há exceções, como Wagner Moura e Rodrigo Santoro, mas no geral os talentos que brilharam na Globo hoje recebem uma fração da atenção que tinham no passado. Não porque ficaram piores, mas simplesmente porque fora da Globo a disputa pela atenção é absurdamente mais difícil, como Faustão descobriu.

No novo modelo buscado pela Globo e todas as gigantes de mídia, o papel do diretor, independentemente de área que esteja, será trabalhar com grupos menores de talentos da casa e muito mais gente de mercado. E, principalmente, buscar eficiência em custos.

Ruim para as big techs, bom para Globo

A crise do streaming foi uma ótima notícia para a Globo. As gigantes de tecnologia tiveram de voltar ao mundo real, onde dinheiro não pode ser jogado fora, e os custos caíram. Isso possibilita à emissora carioca competir por talentos e conteúdo.

No streaming a guerra pelo crescimento de assinantes agora se tornou a guerra pelo crescimento do lucro. A Globo está jogando o jogo. O estúdios já são avaliados como uma grande vantagem competitiva da empresa no país: se sua estrutura também for mais eficiente, suas chances são de se distanciar da concorrência e aumentar os lucros.

Não surpreendem os comentários negativos sobre o trabalho dos gestores responsáveis por "enxugar" as empresas. Quem corta também é vilanizado, nem as big techs escaparam após as recentes ondas de demissão. Cortar nunca é fácil, mas, nos tempos atuais, é uma realidade inescapável.

O futuro será com poucos autores, diretores e elenco fixos. Os custos serão mais variáveis, menos fixos, e com estruturas mais ágeis e enxutas. Será preciso ir ao mercado para ajustar a elasticidade nos momentos de picos de demanda, e não recorrer a um banco de reservas caro e ineficiente. Já o diretor artístico, que no passado era um monarca de uma corte imperial, hoje tem os poderes de um primeiro-ministro de um regime neoliberal.

Siga a coluna no Twitter, Instagram e LinkedIn.