Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por que o futebol está se tornando o pior inimigo da pirataria
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Segundo pesquisa realizada pela Ipsos em 2021 para a DirecTV, 58% da população da América Latina com acesso à internet assistem a conteúdo pirata. No Brasil, 53% das pessoas veem pirataria. Na Argentina, o número chega a 62%. No Equador, líder na pesquisa, a cifra é superior a 72%.
Economizar dinheiro e assistir a filmes, séries e campeonatos esportivos são os principais motivos citados pelos pesquisados para piratear. No Brasil, 24% de quem consome conteúdo pirata diz que faz isso por causa dos esportes. Outros 44% por causa de filmes e séries.
Importante frisar que pirataria é crime no Brasil. O delito está previsto no artigo 184 do Código Penal, com pena de até quatro anos de prisão para quem fere direitos autorais com a intenção de lucro, direto ou indireto.
A pirataria de conteúdo é um problema mundial. Quando o tema são os esportes, o problema é particularmente complexo. Nos últimos anos, o valor dos direitos esportivos disparou, o que levou a um aumento de preço dos serviços que oferecem as competições.
Além disso, contratos esportivos costumam ser de longo prazo, enquanto filmes e séries podem ser adiados ou pausados, o que encarece a conta de quem transmite esportes. Não é coincidência a Netflix fugir de campeonatos esportivos. Ela diz que pelos valores atuais dos direitos, perderia dinheiro transmitindo esportes.
A Globo fechou 2022 com um prejuízo de R$ 41 milhões, basicamente porque a Copa do Mundo perdeu mais de R$ 1 bilhão no ano, fazendo evaporar o lucro que seria superior a R$ 1 bilhão. A emissora tinha o segundo contrato de transmissão mais caro do mundo para os jogos da Copa, só ficava atrás dos EUA, mas muita à frente de países como Alemanha e Itália. A estimativa é que os argentinos pagassem pouco mais de 10% do que a Globo gastava.
Entrada das novas ligas
Mas se a pirataria de filmes e séries já era algo corriqueiro, com o desenvolvimento da tecnologia houve um considerável salto de qualidade da pirataria. E isso é um problema crescente para as ligas, já que a TV a cabo rende mais dinheiro que a TV aberta para as ligas.
Cerca de 42.450 transmissões ilegais de conteúdo relacionadas ao Mundial, no Catar, foram detectadas na América Latina durante o maior evento internacional de futebol. Desse montante, 22.663 (53%) foram interrompidos durante a transmissão ao vivo. A ação foi liderada pela Vrio Corp., holding que inclui SKY Brasil, DIRECTV Latin America e a plataforma de streaming DGO, em parceria com a empresa Business Bureau Media (BB Media), empresa de pesquisa e consultoria de mercado de mídia.
A ação identificou aqui no Brasil 228 transmissões piratas de programadores que detinham os direitos de transmissão do Mundial, além de cinco contas de mídia social dedicadas à divulgação desse conteúdo. Todos foram bloqueados em tempo real.
"A estratégia visava a busca ativa de transmissões ilegais ao vivo das 64 partidas do Mundial disputadas por 32 seleções, denunciar infratores, e gerar relatórios para o Vrio e para a Federação Internacional de Futebol (Fifa)", afirmou Vrio Corp, que coordenou a ação.
Do total de retransmissões ilegais, 29.943 ocorreram em sites, dos quais 14.693 (49%) foram interrompidas. Foram detectadas ainda 12.507 retransmissões ilegais em diversas redes sociais, das quais 7.970 foram cortadas - uma efetividade de 64%, durante os 29 dias do Mundial.
Pirataria tem solução, sim
Mas para quem imagina que a pirataria é um problema sem solução, além do exemplo acima na Copa, vale observar a Premier League. Segundo dados da liga do Reino Unido, o consumo de streams ilícitos no país está em constante declínio graças a programas antipirataria abrangentes.
A Audiovisual Anti-Piracy Alliance (AAPA) divulgou em dezembro de 2022 uma pesquisa estimando que 17 milhões de europeus com idades entre 16 e 74 anos visualizaram conteúdo ilegal em 2021, sendo os mais jovens os usuários mais proeminentes.
A estimativa é de que a indústria legítima perdeu quase US$ 3,7 bilhões de receita apenas em 2021, enquanto os piratas teriam faturado cerca de US$ 1,2 bilhão.
Os governos estão cada vez mais sensíveis ao problema, uma vez que esses bilhões perdidos pelas empresas também representam impostos não pagos e empregos bem remunerados que deixam de ser criados.
Mudança de estratégia
Mas diferentemente do passado, ao invés de perseguir espectadores individuais, as autoridades agora miram quem vende os dispositivos ou acesso a conteúdo pirateado com fins lucrativos. É nesse sentido que a Anatel e a Ancine têm intensificado seus esforços.
O trabalho coordenado das agências governamentais com os donos dos direitos e quem transmite tem se mostrado efetivo no mundo todo, até mesmo porque as ligas e empresas dispõe de mais recursos financeiros.
O próximo passo é outras esferas governamentais também se tornem mais atuantes. No Brasil as punições contra os piratas são brandas em comparação à Europa e Estados Unidos, onde o número de condenações com anos de prisão e pesadas multas tem se tornado a regra.
Um projeto de lei destinado a reprimir os serviços piratas de IPTV foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados da Itália. Se aprovado pelo Senado, o regulador de telecomunicações AGCOM e empresas estarnao autorizados a bloquear transmissões piratas em minutos, talvez até segundos, de acordo com relatórios.
Pela nova lei, os produtores piratas de streaming vão enfrentar até três anos de prisão e para quem consumir pirataria, as multas podem chegar a 5 mil euros.
Penas mais duras para os piratas
Em 2021, Universal, Disney, Paramount, Warner e Columbia fizeram uma parceria com a Amazon e a Apple e moveram uma ação judicial visando dois serviços piratas de IPTV baseados nos Estados Unidos.
As operadoras AllAccessTV e Quality Restreams tentaram se defender por mais de um ano. Com o julgamento marcado para julho deste ano, em 16 de março os estúdios e as empresas chegaram a um acordo para encerrar a disputa. O acordo inclui uma liminar permanente restringindo toda e qualquer cópia, armazenamento e disseminação não autorizada de conteúdo protegido por direitos autorais para usuários da Internet, direta ou indiretamente por meio de terceiros e o pagamento de US$ 30 milhões às empresas donas do conteúdo.
Recentemente, o YouTuber 'Omi in a Hellcat' foi condenado a cinco anos e meio de prisão e mais de US$ 30 milhões em multas por pirataria nos Estados Unidos.
No Reino Unido, Paul Faulkner foi condenado a 16 meses de prisão no verão de 2021. Ele operava um serviço IPTV oferecendo acesso ilegal a conteúdo que incluía futebol da Premier League.
Faulkner se declarou culpado de vários crimes de direitos autorais e fraude, incluindo acesso a conteúdo pirata para uso próprio. Essa acusação sozinha equivale a quatro meses de sua sentença geral.
Já Steven King foi condenado à prisão por sete anos e quatro meses em 2019 por comandar o streaming Dreambox. No ano passado, King foi condenado a devolver US$ 1,2 milhão ao erário público. Caso não o faça, terá sua sentença estendida por mais seis anos, como informou o The Athelic.
A Premier League está envolvida em diversos processos contra redes piratas. Também houve envolvimento da liga em um programa antipirataria global, que trabalhou ao lado da polícia espanhola e da Europol para fechar o Mobdro, que operava como o maior aplicativo de streaming ilegal do mundo.
Em fevereiro, a Premier League também denunciou a Argentina ao Representante Comercial dos EUA (USTR) como um dos principais candidatos para sua próxima lista de observação de pirataria. Na prática, os ingleses querem ajuda do governo americano para pressionar o governo argentino a combater a pirataria. A justiça da Argentina tem absolvido acusados de pirataria com frequência.
Projeto de orientar e informar
"Muitas das pessoas que consomem pirataria nem mesmo imaginam que o serviço seja ilegal", diz Jorge Bacaloni, presidente da Alianza, entidade que reúne empresas no combate à pirataria audiovisual na América Latina e gerente regional antipirataria da Vrio Corp. "O que temos feito, além de combater quem produz pirataria é informar e orientar a população até para entenderem os riscos que correm".
Bacaloni lembra que em mais da metade dos dispositivos usados para pirataria são encontradas ameaças digitais. "Por trás do conteúdo pirateado estão extensas redes criminosas internacionais que usam esses aparelhos e sites para cometer crimes digitais que não se limitam à pirataria".
Apesar das diferenças de estratégia, tanto na Itália quanto no Reino Unido, a influência das ligas esportivas tem sido fundamental para acelerar o combate à pirataria. No Brasil, o movimento deve acelerar com a organização das ligas se elas realmente quiserem recuperar o investimento ou não fechar contratos cada vez piores.
Garantir que as assinaturas de TV a cabo e streaming sejam pagas é fundamental para a manutenção dos preços dos direitos, particularmente em um momento no qual a TV aberta reduz investimentos. A pirataria é o pior risco neste sentido.
Ironicamente, ao combater ferozmente a pirataria os dirigentes esportivos têm conseguido realizar em tempo recorde o que empresas de mídia não conseguiram ao longo de décadas.
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