Helio de La Peña

Helio de La Peña

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Macaco Tião: Será que a política mudou 36 anos após 'candidato' inusitado?

Não sabe em quem votar para prefeito? Seus problemas acabaram!

Já dizia o filósofo Aristóteles há mais de 2.300 anos: "O homem é um animal político". Hoje, o que aprendemos na prática é: O político é um animal!

Em 1988 veio a segunda eleição direta para prefeitos, depois do fim da ditadura militar. Apesar da sede por democracia, havia um grande descontentamento com os candidatos a prefeito na época. Que novidade, né? Também havia um clamor pelo fim do voto obrigatório.

A história foi mais ou menos assim. O Jardim Zoológico do Rio passava por uma crise financeira. Para levantar verbas, criou uma campanha de "adoção" dos animais. O leão foi "adotado" por uma marca de chá; a coruja, por uma ótica; o serpentário foi adotado por uma grande empresa de computadores — e não tem nada a ver com o jogo da cobrinha dos saudosos celulares dos anos 2000.

Nessa onda, Bussunda e Claudio Manoel tiveram a ideia de adotarmos o Macaco Tião, pela sua irreverência e popularidade. Era uma jogada de marketing para divulgar nossa revista, Casseta Popular. Como Tião era o animal preferido do público, seu "passe" era muito alto. Procuramos o pessoal do jornal Planeta Diário para entrar nessa com a gente. Eles toparam. E o macaco Tião se tornou o funcionário com o salário mais alto das nossas publicações. O zoológico achou o máximo duas tribos de HUMOR SAPIENS adotarem um animal irreverente e malcriado.

Por que Tião? Era carismático, honesto, ficha limpa e tinha uma grande vantagem em relação aos seus concorrentes. Era um candidato que já estava preso. Ao saber dessa inusitada candidatura, a imprensa deu destaque ao nosso candidato.

Eles entenderam que seria uma boa forma de levar humor à pauta até então muito sisuda e sem graça. Marcamos entrevistas coletivas no zoológico. Bussunda era o assessor do político. Acho que o Tião entendia como funcionava a brincadeira. Os repórteres faziam perguntas ao Bussunda que dizia que precisava consultar o candidato. Ao se aproximar da jaula, Tião ia até ele para "confabular".

A direção do zoológico, adorou receber o valor do "passe" do primata. Mas como era ligada a Marcello Alencar, que estava em campanha, a diretoria reprovou a campanha eleitoral do macaco. Isso não impediu que fôssemos pras ruas pedir votos pro nosso candidato.

Os políticos consideraram uma desmoralização do pleito. E se irritavam quando os repórteres perguntavam sobre o concorrente inusitado. Não é à toa que, legislando em causa própria, os parlamentares criaram uma lei que proibia paródias, piadas e menções a políticos no período eleitoral.

Em 2010, participei de um protesto no Rio de Janeiro. É o que eu sempre digo: o humorista é levado mais a sério do que os próprios políticos.

Continua após a publicidade

Para coroar, finalizamos com um grande showmício no Circo Voador, com a presença de estrelas do Rock Brasil. Mais de 2.500 pessoas compareceram ao evento. "Vote no novo! Tião, a esperança do povo" — era o que dizia o panfleto que fizemos para o último preso político brasileiro".

Inscrito sob o fictício PBB (Partido Bananista Brasileiro), entrou para o Livro dos Recordes como o primata que mais recebeu votos no planeta.

A insatisfação do eleitorado ficou comprovada nas urnas. Era um voto de protesto.

Naquela época, a única interface da população com os políticos era de quatro em quatro anos, durante a campanha eleitoral. Muitos passeios pela periferia tomando caldo de cana, comendo pastel na feira — era um pastel comendo outro pastel, pamonha comendo pamonha? e, o mais incrível, andando de metrô e trens pela cidade. Essa tentativa patética de querer se aproximar do povão gerava ainda mais revolta.

Nos dias de hoje só mudou a forma como isso chega ao eleitor. Além da TV e do rádio, agora a internet inunda nossas telas com cortes, fotos, memes, áudios, jingles, paródias? Vale tudo para encantar o eleitor. Fake news virou vírgula na boca dos candidatos.

Uma nova categoria de políticos está em alta não só no Brasil, mas no mundo todo. Os "outsiders". A ideia é apresentar uma persona antipolítica. O antissistema.

Continua após a publicidade

Em tempos de redes sociais, o candidato se destaca causando polêmicas. Não é preciso ter solução para nada. Ele já é a solução, sendo a cara nova. Se conseguir ser amado por uns e odiado por outros, ele estará sempre em destaque. Dessa forma, o candidato consegue a proeza de ser divulgado pelos que gostam dele e pelos que o detestam.

E, como a população anda cansada de políticos incompetentes, o discurso mais comum atualmente é pedir voto dizendo que não é político. Mas curiosamente, trabalha para conquistar uma boquinha no poder público. Mostrar-se como contraponto a tudo isso que está aí é a melhor plataforma.

Macaco Tião canalizou o desgosto da população. Pessoas que não estavam de acordo com nada apresentado na época puderam dar nome ao seu voto nulo. Mais que impresso, o voto era escrito e auditável. E transformavam o voto nulo numa piada.

Hoje, muitos passaram a votar no candidato que seja mais grotesco. Agora, uma piada tem chance de se eleger. É um voto válido. Ao contrário daquele tempo, hoje o candidato que, metaforicamente, taca restos de comida e fezes, pode ser eleito e passar quatro anos dizendo do alto de seu cargo político que não é político.

Agora em 2024, talvez eu fizesse um rebranding no slogan: "Se o voto é obrigação, na hora de votar, escolha o menos fanfarrão".

*Agradeço ao diretor, Alex Heller-Levy, por ceder imagens do documentário: "Macaco Tião - O Candidato do Povo"

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes