Da mobilização ao esquecimento: após 4 meses, não se fala da tragédia no RS
Entre abril e maio de 2024 assistimos atônitos à maior tragédia ambiental do Rio Grande do Sul.
Dos 497 municípios, 463 foram afetados. A solidariedade do povo brasileiro foi fundamental para ajudar a população riograndense que ficou praticamente inteira debaixo d'água.
Durante um bom tempo, essa foi a única pauta do país. Mas? e agora?
Bom, em agosto retornei ao estado para uma mini turnê do meu show solo, PRETO DE NEVE. Estive em cartaz em Novo Hamburgo, Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Canoas, uma das mais impactadas pelas chuvas.
A logística para o acesso foi bem complicada. Normalmente, faço um voo direto do Rio para Porto Alegre, que dura em torno de duas horas.
Dessa vez, tive que fazer uma conexão em São Paulo, aterrissar na Base Aérea de Canoas, tomar um ônibus até o aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre para fazer o checkout, pegar minha bagagem e retornar para Canoas, onde fiquei hospedado. Foram mais de cinco horas para concluir uma viagem que habitualmente dura duas.
Estava ciente de que não seria fácil chegar. Mas sabia que a cena do stand-up também é uma atividade econômica que precisa se reforçar. Foram meses sem shows. Os comedy clubs amargaram grandes prejuízos. E receber artistas de fora do estado é um sinal de vigor. Eu me dispus a colaborar, da mesma forma que me empenhei em participar de shows na minha cidade com toda a renda revertida para as vítimas. Usar o meu trabalho para ajudar na retomada da economia era o que estava ao meu alcance. Também fiz minhas doações de roupas e alimentos.
Aproveitando minha passagem por Canoas, uma das primeiras a ser atingidas pelas enchentes, dei uma volta pela cidade, para ver como estava. Fui ciceroneado pelo amigo Felipe Vacilotto, dono do Buteco Comedy.
Canoas é cortada por uma linha de trem. De um lado, a cidade permaneceu seca, a outra parte foi inundada. O próprio Felipe, um dos moradores do bairro de Mathias Velho, que foi um dos mais atingidos, teve sua casa sob as águas. Além da mulher e da filha, sua sogra e a cunhada que perderam tudo, se abrigam, junto com seu cachorro, em um pequeno apartamento no bairro de Igara, na parte seca da cidade. Felipe teve que morar por 3 meses no sofá do Buteco Comedy, que não foi atingido.
Foi doloroso ver casas destruídas, lojas fechadas, gente sem perspectiva de como recomeçar a vida. Um supermercado em construção paralisou as obras. O prédio serviu de abrigo para mais de 3.000 animais domésticos. Muitas famílias não tiveram outra alternativa e abandonaram seus bichinhos queridos. A luta pela sobrevivência foi cruel.
Mas houve também reencontros emocionantes.
Circulamos pelas avenidas que vimos pela TV se tornarem rios de proporções amazônicas. Era difícil acreditar que tudo aquilo esteve debaixo d'água. O lado positivo foi ver a vida voltando à normalidade. Ruas limpas, carros circulando, casas recuperadas, pessoas trabalhando.
Conversei também com Junior Torres, coordenador das operações da Cufa-RS, Central Única das Favelas no estado. Mais de 400 pessoas se voluntariaram, muitas delas ainda enfrentando em seus lares as consequências da inundação. Receber as doações, armazená-las e distribuí-las foi uma grande dificuldade.
A Cufa é reconhecida nacional e internacionalmente por sua credibilidade e competência. Sua experiência foi posta à prova durante a pandemia, quando conseguiu alimentar milhares de famílias com o programa Mães da Favela. Mais uma vez, encarou o desafio de proporções gigantescas e deu conta do recado.
Muito ainda precisa ser feito. Mas fiquei feliz de levar alegria pros amantes da comédia e de contribuir com um pequeno tijolinho para que as cidades por onde passei se reconstruam e voltem a prosperar.
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