Salvador: sempre um Carnaval de emoções e de frustrações
No Carnaval de Salvador, a gente sempre tem uma certeza: cada vez que acompanhamos algum bloco ou trio, perdemos pelo menos outras três possibilidades melhores ainda.
É muita frustração, sim, compensada por momentos únicos, parcerias musicais inéditas, apresentações inusitadas, inesperadas. Este ano para mim começou na quinta-feira pré-Carnaval, embora em Salvador já fosse Carnaval, tendo como cenário a mítica praça Castro Alves, aquela que é do povo como o céu é do avião.
No final da tarde, com o sol começando a descer sobre a baía de Todos os Santos, vi com meus próprios olhos os trios de Ivete Sangalo, do Baiana System — a grande novidade dos últimos anos — e de Carlinhos Brown, os três trocando uma camaradagem, cada um cantando um sucesso e passando para o outro e foi assim com muita alegria e a presença do bloco afro Ilê Ayiê, que comemorava 50 anos, e de Armandinho, essa fera do trio elétrico.
Confesso que quando Anitta apareceu no trio de Ivete Sangalo, a convite da própria anfitriã, fiquei meio assim. Eu estava naquele mood Bahia total. A Bahia é dos baianos e isso é fato. Até gosto dos forasteiros que aqui e ali surgem nessa época do ano. Mas confesso que a Anitta, ali, não caiu tão bem.
Depois de ver esse espetáculo todo, cheguei à conclusão que o Carnaval para mim já estava no lucro. Ticado. Mal sabia eu que, em seu trio, Luiz Caldas, de quem eu sou fã, iria trazer Beto Guedes, mineiro do Clube da Esquina, de quem eu sou mega fã e não perco um show. Beto Guedes no Carnaval baiano e eu perdi? Isso serve para confirmar a máxima de que ao escolher a atração do dia, a gente perde tanta coisa boa que acontece ao mesmo tempo, em outro endereço, debaixo do mesmo céu.
Confesso que depois de tanto tempo já aprendi a lidar com essa frustração, mas, na verdade, não acho a menor graça. Já perdi muita coisa em não sei quantos anos de Carnaval em Salvador, talvez 15 anos ou 20, nem lembro. Mas lembro, sim, de momentos emocionantes, inesquecíveis, únicos.
Alguém aí viu, por acaso, Cassia Eller como convidada especial de Margareth Menezes no seu bloco Mascarados abrindo um Carnaval? Não só vi como estava em cima do trio enquanto Cássia levantava o vestido e mostrava aquelas calçolas que ela usava, bem grandona, tipo de vó.. Acho também que ela mostrou os seios mas não me lembro exatamente.
Vi também em outro ano a cantora Bjork e seu marido, o artista plástico Mathew Barney, a bordo de um engenhoca louca no final da noite, sem ninguém entender do que se tratava, mas a turma cabeça achando fenomenal...
Saí também numa outra ocasião em cima de um trio comandado pelo DJ Fatboy Slim e, lá de cima, vi todo o trecho da Barra até Ondina, com os foliões dançando ao som do melhor techno do mundo. Mais uma experiência de jetlag intelectual que eu vivi: estava acostumada a ver a multidão pulando atrás dos trios com música baiana e parecia que eu tinha tomado alguma droga, porque o registro nessa vez era outro. Foi difícil assimilar, mas foi intenso e transformador.
Tudo isso eu vivi e vi, assim como Milton Nascimento passando em cima de um trio e parando em frente ao camarote de Gilberto Gil para cantar junto com Caetano Veloso, que estava lá como convidado. Momentos únicos e talvez seja por isso mesmo que até hoje todos os anos eu venho para Salvador em busca de emoção de verdade.
Hoje em dia fico atenta ao BaianaSystem, o grupo comandado por Russo Passapusso, que faz multidões sem fim pularem ao seu som transgressor e revolucionário . Em todos os carnavais que passe por Salvador não deixei de, sábado à noite, subir a ladeira do Curuzu para assistir à saída do Ilê. Os tambores naquele terreiro fazem qualquer coração bater mais forte. Não costumo perder também a saída dos Filhos de Gandhy no lago do Pelourinho, com uma bênção e uma cerimônia sacra. Aliás já fui até assaltada lá, roubaram meu celular sem eu perceber, naquela muvuca, colocaram uma mão no meu bolso, pegaram meu celular e eu nem senti.
Ah, Bahia? Neste ano, também vi passar Claudia Leitte, Bell Marques mas não consegui acompanhar o vai e vem dos quadris inquietos de Léo Santana: gosto demais. Já pulei muito com o Araketu no Campo Grande, já saí com Daniela Mercury no auge. Parece que já fiz quase de tudo no Carnaval de Salvador, mas ainda não encontrei um jeito de lidar com a frustração de perder apresentações únicas. Ainda não consegui estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ainda.
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