Joyce Pascowitch

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Opinião

'Vidas Passadas': O que temos a aprender com uma história de amor coreana

Não sou exatamente daquelas que assistem a todos os filmes do Oscar antes da entrega do prêmio e confesso também que não sou mais tão vidrada em ir ao cinema como antes da pandemia: acho tudo bem esquisito as pessoas sentadas muito próximas umas das outras e agora com essa história de dengue, ainda fico preocupada em ser mordida, levar uma picada. Para mim, agora, ir ao cinema significa máscara e repelente no corpo inteiro e isso faz perder um pouco de toda a magia.

Mas não sei por que, talvez porque achei o título meio romântico, fui no último fim de semana assistir a "Vidas Passadas". Não tinha lido nada sobre o filme, mas eu sabia que não tinha nada a ver com reencarnação, o que me deixou mais tranquila e também mais curiosa. Sabia também que era um filme muito recomendado por críticos especializados que eu admirava. Mas o que senti durante e depois da sessão foi algo que há muito tempo eu não sentia: uma emoção, uma comoção, um envolvimento, uma transformação. Fui tremendamente impactada não só pela história como pelo jeito coreano de fazer cinema.

Não me lembro de outro filme que tenha mexido tanto comigo nas últimas décadas. Vou tentar citar aqui alguns motivos: o jeito que a história de vida e as histórias de amor são tratadas, o próprio roteiro, a direção sensível de uma mulher, a trilha sonora, os atores. Acho que o que mais me tocou pessoalmente foi a questão do tempo. Ah, o tempo? A gente é tão acelerada, às vezes atropelada mesmo, e sente até um incômodo quando as coisas não acontecem, não rolam, não caminham conforme a gente esperava.

Tempos ansiosos. O que dizer então de uma história de amor cheia de nuances sutis, que teve início na infância e permeou a vida dos dois personagens principais até o não foram felizes para sempre? Ou melhor, corrigindo: não foram felizes juntos — mas os diálogos que permeiam o filme inteiro fazem a gente ter uma percepção do que é uma história de amor de verdade, da importância dos detalhes, do fator primordial chamado tempo, de espera.

Todas as histórias de amor são importantes e, no filme, a gente percebe que sem aquela que começou na infância, entre os dois protagonistas na Coreia e quem nunca foi realizada segundo os preceitos ocidentais, sem ela a protagonista jamais poderia ter vivido uma outra história de amor de verdade, em Nova York, com seu companheiro ocidental, escritor como ela. A própria frustração de uma história aparentemente não resolvida pode ser o catalisador necessário para outra bem-sucedida e é justamente disso que o filme fala.

A sutileza das histórias coreanas, do comportamento, do que é família, são surpreendentes. Não consigo ver no cinema moderno americano ou inglês ou italiano ou argentino, todos dos quais sou muito fã, essa sutileza, essa generosidade e inteligência em cenas como, por exemplo, do marido da protagonista, o escritor judeu bem nova-iorquino, parte desse triângulo tão amoroso. Como nos filmes que nos marcam, gostei principalmente de uma frase que a protagonista fala para seu primeiro amor de infância, também coreano como ela, quando eles se reencontram finalmente pela primeira vez depois de mais de 20 anos.

Ela diz algo como o fato de ter se encontrado com ele depois de tanto tempo, depois de terem se separado quando ela foi morar no Canadá com a família, isso fez ela se sentir mais coreana — e, ao mesmo tempo mais afastada das raízes da Coreia. São essas pequenas grandes sensações, muito profundas e muito bem traduzidas, que fazem do filme uma obra-prima. Como o casal de protagonistas se falava apenas a cada 12 anos e mantinha aquela relação tão bonita e delicada? Como eles se encontraram finalmente depois de tantos anos e no meio de passeios por Nova York, não deram um beijo sequer? Coisas da vida, que a gente acha que não acontecem, mas eu sinceramente torço para que nos sirvam de inspiração. Um amor com tempo.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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