Longe do habitual, mas ainda incrível: o que aconteceu com Pedro Almodóvar?
Pra quem esperava aqueles filmes histriônicos, com cenários e figurinos megacoloridos e mulheres cheias de personalidade falando alto, tenho uma notícia: esse filme de Pedro Almodóvar não tem quase nada disso. Mas, para quem quer saber de um filme profundo, sensível, relevante e surpreendente, "O Quarto ao Lado" entrega o que promete —e, talvez, bem mais.
A história tinha tudo para ser muito triste, pesada: afinal, o assunto suicídio assistido, eutanásia, não é de fácil digestão. Você aí... já pensou se gostaria de marcar a sua própria data para sair deste mundo? E a maneira escolhida para tal? A protagonista do filme, paciente terminal de um câncer agressivo, resolveu tomar as rédeas do seu próprio destino e encerrar os trabalhos com respeito e dignidade.
Mas quem falou que ela consegue alguém próximo para lhe dar suporte nesse momento final? Suas amigas de sempre tiraram o corpo fora. Mas para sua sorte, uma amiga das antigas, uma escritora de sucesso, se reconectou com ela assim que soube de sua doença e é aí que a história começa a ficar interessante.
Chega a ser impressionante como o cineasta deu essa guinada e, principalmente, como se manteve relevante em outros cenários, em outra língua que não o espanhol de sempre —pela primeira vez ele fez um filme em inglês.
O assunto morte já era velho conhecido de Almodóvar. Aliás, esse tema tem permeado minha vida, não sei se porque minha mãe morreu há um ano, talvez também por causa das mortes durante a pandemia. Mas engraçado é que não achei o filme triste. Na véspera, havia assistido "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, e esse, sim, me trouxe muita angústia e uma tristeza profunda.
No caso de "O Quarto ao Lado", achei o assunto tratado delicadamente, bem dissecado e elaborado pela protagonista. Ela, aliás, a deslumbrante Tilda Swinton, transformou isso num acontecimento admirável, um resgate da condução de sua própria vida.
Tem se falado mais nos dias de hoje sobre isso, se percebe um movimento discreto ainda na direção de uma morte assistida, de uma eutanásia ou de outras possibilidades que até tempos atrás a gente nem imaginava.
Ingrid, acostumada a enfrentar campos de guerra, achou por bem reconhecer que essa batalha ela já havia perdido e preferiu tomar as rédeas de sua história. Achei heroico, achei estoico. Achei bonito, assim como todas as cenas e diálogos envolvendo essa "tramoia": eram sensíveis, com muito sentido.
Como não poderia deixar de ser, em se tratando de Almodóvar, o tema homossexualidade tinha de aparecer, mas desta volta com uma sutileza e uma profundidade únicas: ele surge numa conversa num esconderijo na Guerra do Iraque, entre dois carmelitas. Uma das belas cenas e um dos diálogos mais sensíveis do filme.
Foi também surpreendente ver como o cineasta tornou os cenários em Nova York, onde se passa a maior parte da história, e no chalé em Woodstock, local escolhido para Ingrid se retirar de cena com a dignidade que ela pretendia, foram devidamente coloridos nos tons preferidos de Almodóvar, intensos, fortes. Assim como os figurinos sofisticados da protagonista, que com certeza tiveram pitacos da própria Tilda Swinton, ela mesma um ícone da moda. Sua beleza estranha fazia contraponto com o batom vermelho que Julianne Moore usou quase o tempo todo no filme.
Um obra perfeita. Um filme redondo, cheio de significados. Sim, Almodóvar continua sendo dos maiores. E o que é melhor: se reinventando.
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