Joyce Pascowitch

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Opinião

A magia de 'The White Lotus': série conquista e apavora com a mesma força

Sim, tenho uma visão meio budista sobre assistir a novelas e séries. Não me interesso tanto pelo final exatamente: quem se sai bem, quem vai morrer, quem vai se dar mal, quem fica com quem. Gosto do caminho, do dia a dia, do trajeto, do início até o final, em uma espécie de dependência quase química. No caso de "The White Lotus", série sensação praticamente no mundo todo, é a mesma coisa. Um caminho tortuoso, cheio de nuances, de desencontros, de traumas, vícios, disputas. De amor mesmo tem muito pouco, já que a vida é meio isso aí mesmo: bastante desencontro e dificuldades por todos os lados.

Mas o que nos deixa tão dependentes de obras como essa? Eu tenho palpites e vou explicar com exemplos. Na primeira temporada, que se passava em um resort no Havaí, eu já comecei a sentir bastante medo. Nunca fui para lá, mas estava na minha lista de desejos. Não, exatamente, os lugares mais famosos, mas queria sentir o clima, conhecer as pessoas, me inserir naquele visual. No decorrer da série, comecei a desistir desse sonho devido a tantos atropelos que eu vi pelos capítulos.

Sim, misturo um pouco ficção e realidade. Tanto que estava planejando uma temporada de 10 dias em Palermo, Itália. Me sentia muito atraída por esse pedaço do país, um dos mais charmosos do mundo. Por causa da segunda temporada, onde um grupo de mafiosos mata a personagem Tanya, a mais querida, risquei Palermo do meu mapa. Fiquei com a impressão de que esses mafiosos estavam por todos os lados por lá.

"The White Lotus" - cena da segunda temporada
"The White Lotus" - cena da segunda temporada Imagem: Esperada para 2024, "The White Lotus" é adiada por um ano | Foto: Divulgação

Isso não é verdade? Mas a série é tão boa que, para mim, passou a ser verdade. É, justamente, isso que valoriza tanto o trabalho do criador, roteirista, produtor, diretor, gênio total Mike White. Durante as temporadas, era tão desconfortável andar junto a todos aqueles personagens cheios de nuances e dramas psicológicos. Eu me envolvia tanto que comecei a ter medo de tudo e de todos.

Com essa terceira temporada, a sensação se perpetuou. Bastou aquele zoom no primeiro capítulo, aqueles passeios de câmera pelos jardins do hotel Four Seasons, cenário da epopeia, para eu sentir um medo enorme e a vontade de nunca chegar sequer perto daquele lugar. Não quero saber da Tailândia! Engraçado é que existe, agora, até roteiros turísticos criados a partir de "The White Lotus", e eu, aqui, querendo fugir de todas. Sim, os agentes de turismo de luxo comentam a mesma coisa: todo mundo quer ir para a Sicília, onde foi a segunda temporada, e, agora, todos querem ir para a Tailândia ficar no mesmo hotel onde a série foi gravada. Que medo!

Mas é mesmo impressionante como Mike White junta trios de amigas, malandros que circulam em bando, jovens apaixonados. Muda o cenário, mas tudo isso é uma constância. E os atores se encarregam de tornar a série uma das melhores coisas da TV nos últimos anos, só competindo, na minha opinião, com "Succession", outra série-sensação que teve quatro temporadas e ganhou todos os prêmios quando foi ao ar.

Eles, os personagens, são tão bons que eu desenvolvi uma vergonha absurda desses ricos que ficam procurando coisas que não vão encontrar nunca, um consolo pro seu vazio existencial em hotéis de luxo com muita massagem, aula de ioga, cardápios complicados e tendo, às vezes, até casos com os funcionários —isso quando eles não os desrespeitam e os ignoram. Engraçado que essa série faz uma crítica muito ácida contra esse tipo de rico, os mostra como seres desprezíveis, e, mesmo assim, grande parte deles quer passar férias nesses cenários. Será que Freud explica? Fico também pensando o que esses funcionários desses resorts, em todas essas temporadas e também na vida real, pensam desses hóspedes frustrados que se enfiam nesse luxo todo.

"The White Lotus"
"The White Lotus" Imagem: Reprodução\HBO Max
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Outro ponto alto de "The White Lotus", além dos atores excepcionais, é o jeito como ele se comunicam através de suas roupas: esse é um trabalho minucioso e a figurinista merece todos os elogios. Ela usa as marcas mais famosas e caras, como Gucci, Zimmermann, Chloé e tantas outras, com uma sabedoria e uma pertinência únicas, construindo, assim, personagens memoráveis.

E o que dizer da inglesinha maluquete meio hippie, bem anos 1970, que parece sempre recém-saída de uma rave ou de uma noite de loucuras em Ibiza? Seus dentinhos separados já viraram moda no mundo inteiro: ninguém quer saber mais de corrigir esse tipo de "defeito". Esse é um dos poderes, aliás, das grandes obras, transformar o olhar e a percepção do espectador.

Na mesma noite em que assisti ao sétimo capítulo, o penúltimo, fui correndo assistir à estreia de "Vale Tudo" (Globo), que, é claro, eu não queria perder. Quando acabou, ainda fui assistir à minha série preferida no momento, junto com "The White Lotus": "Beleza Fatal" (Max). Sim, ainda bem que tem ficção para segurar nossa onda. Amém.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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