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Opinião

Em cartaz em SP, Nany People diz que 'amor e humor nunca sairão de moda'

Minha querida Nany People começou sua conversa comigo falando sobre sua base, sua fundamentação na vida, sobre ser mineira. Falamos sobre sua trajetória, sua carreira e seus próximos passos.

Em cartaz atualmente em São Paulo, Nany nasceu em Machado (MG), foi criada em Serrania e depois passou a adolescência em Poços de Caldas. Se diz "geraizeira", que é um termo que define o jeito amistoso e hospitaleiro dos mineiros — e isso nunca sai de um mineiro.

Eu a conheci como João Demétrio no teatro. Nany lembra que vários colegas, como Marcelo Médici e Anderson Müller, a chamavam por seu antigo nome e, quando Nany nasceu, demorou um pouco para todo mundo se acostumar e mudar a forma de chamá-la.

"Vou fazer, no ano que vem, 60 anos de idade, 50 de palco, 40 de São Paulo e 30 de televisão. E, mesmo estando em TV da Manchete até agora, eu nunca parei de pegar minha mala de viagem, pegar minha kombi, meu busão e ir aonde o povo está, porque é o povo que não deixa a gente cair no anonimato", avalia ela, atualmente com a peça "Como Salvar Seu Casamento", na capital paulista.

"É o povo que faz a nossa geração, que nasceu analógica e acordou na fibra ótica, não ficar varrida da vida, porque a gente é isso, né? Deitamos na ficha telefônica e acordou no celular, tem que fingir costume".

COMO NASCEU A NANY?

Ela conta que a Nany sempre existiu, porque sempre era uma terapia se vestir de mulher. Porém, "oficialmente", ela nasceu aos 18 anos em um bloco chamado "Sociedade Manicômica" que entrava antes da chegada do Rei Momo na Avenida, durante o Carnaval. A atriz recorda seu "nascimento" em um tributo para Lucrécia Bórgia — que foi a filha ilegítima de Rodrigo Bórgia, importante personagem italiano do período do Renascimento, que viria a se tornar o papa Alexandre 6º — e explica que foi um escândalo quando se montou.

As pessoas a conhecem pelo teatro desde seus dez anos, mas antes, aos 8, ela já havia se apresentado para o Chacrinha, em Poços de Caldas, e foi chamada de "Maysa de bermudas" e ganhou duas vezes o concurso do apresentador. O que a levou para os palcos do teatro, foi o canto.

Ao vir para São Paulo, Nany conta que, na cidade grande, ela nasceu na porta da Corintho (uma das primeiras boates voltadas para os LGBTQIA+) e que o nome Nany surgiu por lá, pois as pessoas a comparavam a Nani Venâncio — que, na época, havia saído na revista masculina Playboy. Já o People veio porque Nany sempre conversou bastante e falava com todo mundo — e um amigo completou seu nome.

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"Nós nos reuníamos para ir à festa na Corintho, porque faziam festas com temas como 'a noite do beijo', 'noite do coração', 'noite do cupido', e a gente se montava para 'dar pinta'. Era uma diversão, se vestir de mulher era uma diversão".

Ela conta que começou a ganhar dinheiro sendo Nany em 1992. "Existe uma frase que eu levei para vida. A gente trabalha por um nome, é o nome que você deixa registrado o teu legado".

DE DRAG PARA TRANS

Comentei com ela que em um determinado dia, quando Nany falou que havia colocado peito, na horam me surpreendeu, pois não achava que ela deixaria de ser drag queen. Ela explica que o fato de ter se tornado uma mulher transsexual assustava muito as pessoas, pois isso a segregava. Segundo ela, não era dado às trans direitos básicos, como poder sair durante o dia.

"Você dificilmente via uma travesti durante o dia. Então eu falo que hoje em dia 'comprar um pão na padaria é um ato político'. Uma trans naquele tempo ia ser cabeleireira ou maquiadora, ficava no universo LGBTQIA+, que na época era só GLS. E como eu vinha do teatro, as pessoas achavam que eu tinha limado a minha carreira".

"Muita gente que me conhecia do teatro, por ter um pré-concebimento — não é preconceito — de achar que, por eu ter me transicionado, ia me segregar muito num nicho só", diz.

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Nany conta que começou a perceber que a noites não eram mais como antes, a noite LGBTQIA+ estava passando por uma mudança, as pessoas não estavam mais prestando atenção nos shows. Depois, ela descobriu que foi por conta da entrada das drogas químicas nas festas.

Foi nessa época, restrita a um nicho dentro da profissão e afetada pela mudança da noite paulista, que Nany decidiu, quatro anos sua transição, a produzir sua própria peça de teatro. O nome era "Nany People Salvou Meu Casamento" e foi recebida com alguns narizes tortos pelas pessoas que achavam ser um show de drag queen.

"Eu ouvi uma frase do Paulo Gustavo que marcou a minha vida: 'Nany, se a gente não se produzir, ninguém nos chama'. O Paulo fez isso, ele se produzia porque ele era um ator afeminado e, dessa forma, ficava segregado. Então, se a gente não se produzisse, ninguém nos chamava".

"A peça demorou muito para engatar, porque achavam que era uma peça GLS e quando as pessoas iam ver levavam um susto, como levam até hoje. Em todos os meus shows eu falo de humor, eu falo de vida e falo mais, no final sempre vem uma mensagem motivacional".

ESTREIA NA TELEVISÃO E CARREIRA

Nany já havia feito participações na televisão, como caloura do Silvio Santos e Raul Gil, mas começou a realizar reportagens com o grande Goulart de Andrade na TV Manchete. Quando a emissora fechou, em 1999, ela migrou para a TV Bandeirantes para trabalhar com Amaury Jr.

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"O Goulart, com sua expertise, me ligou quando eu estava na Band com o Amaury Jr., após a Manchete fechar, e me orientou a tirar o DRT de apresentadora: 'Você está aparecendo muito e vão pegar no seu pé'. E pegaram! Foi aí que eu fui, mostrei todos os meus trabalhos e consegui o DRT".

Quando a emissora Gazeta rompeu com a CNT — que em São Paulo se chamava CNT Gazeta — Goulart voltou a fazer seu programa diariamente no canal paulista, e Nany começou a aparecer diariamente fazendo reportagens. Inclusive, ela ganhou uma menção honrosa por suas matérias de Monet no Masp e da Arte/Cidade — que era uma experiência em que as pessoas pegavam um trem na estação da Luz e iam até as ruínas das fábricas do Matarazzo, mostrando as instalações de vários artistas plásticos pelo caminho.

"Ali, eu aprendi a pautar, produzir, editar, redigir uma matéria. Eu cheguei a fazer de Monet, no Masp, à bastidores de filme pornô. De backstage de peça de teatro à exposição".

Após Goulart passar por um problema financeiro, que infelizmente não permitiu que ele pagasse o salário dela, Nany saiu do programa e focou seus projetos. Dias depois, ela passou no programa da Hebe para falar sobre um projeto em prol do voluntariado do Hospital Emílio Ribas, onde vendia mini bonequinhas dela mesma em parceria com a revista G Magazine, onde toda a renda era revertida para o hospital. Lá, contou para Hebe que havia saído da Gazeta e Hebe sugeriu: "Quem sabe você não vem trabalhar na nossa emissora?".

Horas depois, ela recebeu uma ligação com o convite para participar do programa de Hebe. "Se o Goulart me apresentou para a TV brasileira, Amaury me apresentou para o 'high society', porque eu fazia festas, para o Amaury, que eu nunca iria normalmente. A Hebe Camargo me apresentou para a família brasileira".

OPINIÕES

Após décadas de cobranças e críticas por se posicionar ou não se posicionar, Nany decidiu se calar sobre muita coisa. "Eu não falo de política, não falo de sexualidade e de religião. Se eu estou num lugar que surgem esses assuntos, eu não falo, porque é uma conversa que não vai dar em nada, cada um vai ter o seu conceito, o seu pré-conceito, no que quiser acreditar".

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"Em uma geração como a minha, onde eu vi quatro pais de amigos meus tirando a vida por conta do Plano Collor, eu não sou louca de falar de política. Eles falam: 'Ah, você está velha. Você está passada. Chaveirinho de hetero'. Para muita gente você é inspiração e para tantas outras você é transgressão. O negócio é não se deixar levar. Como Leonardo Boff diz: 'Cada um vai te ler com os olhos que tem e vai te interpretar dependendo da realidade que eles pisam'".

PEÇA DE TEATRO

Nany conta que a ideia da peça "Como Salvar Seu Casamento", que existe há 37 anos, surgiu após o divórcio de seus irmãos. As histórias de suas cunhadas não batiam com a dos seus irmãos. Na peça, ela fala sobre relacionamentos, desde o óvulo e espermatozoide, desde quando o casal tem o primeiro encontro íntimo, até quando percebem que são realmente um casal.

Ela explica que a peça, no início, era a visão da mulher sobre o homem e que, agora, virou mais múltipla. Ela foi sendo readaptada, fala de todos os tipos de relações, tanto heteros como gays, casais ou trisais, por exemplo.

Pergunto se ela acredita que um casamento tem salvação e ela me responde: "Lógico que tem, mas às vezes tem que entender que só dá pra salvar a si próprio". E explica que ela dá várias dicas e "receitas", mas que precisamos entender que, como receita de bolo, para cada um, vai crescer de um jeito, pois muda a forma de preparo. Mas o respeito não pode deixar de exigir.

"Respeitar o outro na sua essência. A gente tem mania de querer transformar o outro na sua imagem e semelhança, você peca aí. Você tira dele aquela essência que te atraiu. Aí, você não se sente mais encantado, porque você tirou [esse encanto de lá]".

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"Eu até uso de base, em um pedaço da peça, que homens e mulheres se completam, mas não se entendem, porque mulher quer compreensão e homem quer provação, mulher quer carinho e homem quer carrão, a mulher quer romance e o homem quer sexo, mulher quer conversa e homem quer sexo, mulher quer sexo e homem quer sexo a três".

"O amor nunca vai sair de moda e o humor nunca vai sair de moda. Os dois são 'vigas mor' da vida de uma pessoa. A vida sem amor não tem sabor, o gesto sem amor não tem valor, a reza sem amor não tem louvor. Seja em que estado for, é o amor que causa furor".

Nany está em cartaz em São Paulo no Teatro Gazeta, às 20h30, e a partir do dia 24 de outubro, no Teatro Fernando Torres, no Tatuapé (zona leste). Os ingressos estão com preços populares, onde todo mundo paga meia-entrada.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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