Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Você já se sentiu 'assaltado' comprando vinil? Por que estão tão caros?
Quando entrevistei o Ed Motta em 2015, aqui mesmo no UOL, acabei provocando nele, totalmente sem intenção, uma crise de riso incontrolável que durou quase um minuto e por muito pouco não encerrou o papo antes da hora.
A pergunta que deixou fora de si o cantor e colecionador, um dos mais entendidos e dedicados deste país: Ed, encontrei o álbum 'O Erê', do Cidade Negra, vendido a R$ 60 na feira do disco de São Paulo. O que está acontecendo? As pessoas perderam a noção de quanto podem cobrar por um LP?
Mais do que expressar inclinações estético-musicais, esse episódio diz bastante em termos comparativos.
Passados seis anos, os então nababescos R$ 60 praticados na cópia seminova de "O Erê" —abismado, tive der conferir o estado— hoje parecem algo tranquilamente pagável. Desde que você seja fã da banda do Toni Garrido, evidentemente.
É triste constatar, amigo colecionador, mas o mercado de discos, particularmente o de usados, que abocanha o Brasil, passa por um duro e prolongado período de inflação galopante. E a culpa é toda nossa.
Mas como assim nossa?
1. Porque existe uma coisa chamada lei da oferta e da procura na economia
E ela diz que preços sobem quando a demanda cresce sem ser acompanhada pela expansão da disponibilidade do produto. Em outras palavras: muita gente (este datilógrafo incluído) começou a correr loucamente atrás de discos, e a quantidade deles no mercado pouco variou. O resultado são LPs com o preço pela hora da morte.
2. Há pouquíssimas fábricas e escassez de insumos
Falando especificamente de LPs novos, eles também poderiam estar mais em conta caso existissem mais fábricas em operação. O Brasil conta apenas com duas de porte industrial, capazes de produzi-los em larga escala: a paulista Vinil Brasil e a fluminense Polysom, guerreiras do segmento.
A Polysom, aliás, não deu conta da alta demanda na pandemia e suspendeu sua produção recentemente devido a um "vertiginoso aumento" de encomendas realizadas por bandas e selos ao longo do último ano.
Para completar, ainda vimos no início de 2020 um incêndio devastar a americana Apollo Masters, uma das duas únicas fornecedoras mundiais de acetato —insumo usado no processo de prensagem de vinil—, o que trouxe reflexos terríveis para a cadeia global.
Ou seja, diante desse cenário, não é de se espantar e lamentar que os preços hoje ultrapassem R$ 100, R$ 200 e, em alguns casos, até de R$ 300.
3. Porque disco virou fetiche
Você deve saber do que estou falando. Antes território de audiófilos e daqueles que nunca abriram mão da mídia física, o colecionismo virou moda e "ativo" cool na vida do jovem urbano. E esse processo de fetichização cobrou a conta.
Só para exemplificar (e nem é preciso ir muito longe)
Coisa de 10, 15 anos atrás, um LP nacional de segunda mão custava em média o mesmo que um CD no estado: cerca de R$ 20 ou menos. Atualmente, um vinil costuma valer quatro ou cinco vezes mais que seu primo digital.
A depender da raridade e do quão cultuado ele é —outro problemão aqui, que ainda pretendo abordar na coluna—, o valor pode subir, parafraseando o saudoso rei do camarote, "até o infinito".
4. Porque tem muita gente querendo ganhar grana fácil
Sim. Estamos no Brasil. Terra da "lei de Gérson". Da máxima que diz que o vendedor pode colocar o preço que bem entender, e só paga quem bem entender. Pois é. Com isso e enquanto houver desequilíbrio entre a oferta e a procura, valores distorcidos e inflados vão continuar aparecendo por aí. E na internet, terreno fértil para a falta de noção do ser humano, isso é mato.
5. Porque o dólar está batendo asas nas alturas
Não há muito o que fazer. A disparada do dólar também está incidindo em discos novos, e não só em importados. O real fraco pressiona as fábricas, que utilizam insumos importados em suas cadeias produtivas. Esse custo extra obviamente é repassado ao consumidor final. Produzir um LP não é nada fácil. Nem barato. Valorize essa arte.
Em que pese tudo isso, há, sim, jeito de pagar pouco
A palavra-chave é "pesquise". Vá atrás de promoções e saldões em sites e páginas que você encontrar. Se o excelente Discogs se tornou impraticável pelo dólar, hoje existem dezenas de boas lojas online pipocando, muitas criadas durante a pandemia. E elas atendem no conforto do direct das redes sociais. Aqui, aqui e aqui estão três altamente recomendáveis.
Outra dica preciosa, para quando nossas vidas voltarem ao normal (será?), é conhecer e frequentar feiras de disco. Elas provavelmente existem na sua cidade e, além de pontos de encontro e oásis culturais, são grandes templos para barganha. Para ficar amigo do vendedor, chorar um descontinho ou oferecer aquele escambo maroto.
A propósito, aprendi visitando esses eventos que, além de ficar de olho em seções promocionais, vale a pena comprar discos de um gênero musical com expositores especializados em outro. Já paguei pouquíssimo em LPs de rock clássico em estandes voltadas ao hardcore/metal, por exemplo.
Sebos, antiquários e coleções de conhecidos que pretendem liberar espaço em casa para serem felizes —ou seriam infelizes?— também são ótimas oportunidades de garimpo, onde tesouros maravilhosos podem ser desenterrados.
Mas resumindo: faça como nossos avós, pais ou você mesmo nos tempos de hiperinflação. Pesquise sempre.
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