Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O som do vinil é melhor que o digital? Por que esse debate não faz sentido
No mundo dos fóruns e comunidades, existe uma discussão tão quente quanto a esquerda x direita, a Atlético x Cruzeiro (sou mineiro) e a biscoito x bolacha (como sou mineiro, claramente é biscoito). E não há quem possa se dizer vencedor nela.
Eis a pergunta gatilho de desenfreadas tretas, que inclusive já apareceram em comentários desta coluna. O som analógico do vinil, que virou queridinho do 'novo jovem', é melhor que o dos CDs e outras fontes digitais, como muitos falam com tranquilidade?
A pergunta acima pode causar de estranhamento e é contraindicada em caso de suspeita de "xiitismo" audiófilo
Mas como assim o digital, que surgiu após décadas de avanço tecnológico, pode ser inferior? Que história é essa? Não seria o mesmo que dizer que a imagem de uma moderna TV 4K é pior que a de uma gerada por fita VHS?
Não, não tem nada a ver.
No embate LP x digital, a história é diferente.
Por quê? Porque há muitas variáveis aqui. O resultado depende do equipamento que você tem, da edição e estado de conservação do seu disco e incontáveis outros fatores.
Para fazer uma comparação justa, seriam precisos, pelo menos, dois sistemas de som similares e de qualidade, com fontes sonoras semelhantes. E, no fim das contas, continuaria sendo difícil apontar qual é superior. Cada ouvido é uma sentença.
Aliás, prefiro sempre comparar LP e CD, excluindo mídias de definição superior como os SACDs, que não se popularizaram, e plataformas de streaming, que geralmente reproduzem arquivos comprimidos em MP3, com perdas consideráveis de qualidade.
Qual é a diferença no som?
Existem mil textos, mil vídeos, mil percepções e argumentos sobre o que difere a sonoridade dos formatos, com análises do ponto de vista técnico e tudo mais. Apesar de importantes, não vou focar nisso.
Datilografarei sobre sonoridades, algo que as pessoas conseguem sentir instintivamente.
Além de exercer uma misteriosa atração sobre animais de pequeno porte, o vinil possui um diferencial sonoro
Ele trabalha com ondas analógicas, desde a gravação, e por causa disso possui um som "orgânico", digamos assim. Em geral, é descrito como menos "metálico" e mais "arredondado", com grave naturalmente aveludado. E eu adoro graves.
Outro argumento pró-LP: por razões que vão além dos limites da mídia, as masterizações do vinil —acabamento final feito em estúdio— costumam valorizar o alcance dinâmico das músicas.
Alcance dinâmico é a diferença entre a nota mais barulhenta e a mais suave da música. Quanto maior ela é, mais agradável e detalhada tende a ser a audição.
Traduzindo: o som pode trazer, por exemplo, mais nuances de instrumentos e proporcionar uma experiência mais prazerosa, principalmente depois de ouvi-lo por muito tempo.
Mas o CD também tem suas vantagens. E elas são ótimas.
Sem mencionar a leitura a laser, que suprime chiados e interferências físicas, o CD trabalha com uma definição superior à do LP, conforme o UOL já mostrou em reportagem. Isso significa mais "espaço" para a incidência da dinâmica de frequências que mencionei.
Ou seja, ao contrário do que muitos imaginam, teoricamente, aquela sensação gostosa de audição não é exclusividade do LP e também pode ser obtida no digital, até com mais profundidade.
Mas o CD —e o digital em geral— padece de um problema que me incomoda, e não é culpa dele.
Nem todos os engenheiros e produtores aproveitam esse potencial do CD. Nos últimos 30 anos, muitos, principalmente no rock e pop contemporâneos, começaram a "estourar" as frequências e a deixar o som "achatado". Em alguns casos, graves, médios e agudos viram praticamente uma maçaroca só, tocada em alto volume.
Boiou no último parágrafo?
Então espie o vídeo acima. Ele mostra a evolução da compressão sonora na carreira do Iron Maiden, que seguiu a tendência influenciada pela popularização de fones de ouvido e alto-falantes portáveis. É impressionante como o som mudou. Há quem tenha parado de lançar músicas assim hoje em dia, mas a banda britânica definitivamente não está só.
É preciso esclarecer, no entanto, que esse é um problema de produção que não tem a ver com a mídia física adotada. Ao menos não diretamente.
Qual delas eu prefiro então?
Você não perguntou, mas vou responder: gosto muito do vinil. E não por questão meramente sonora, mas por todo "pacote" envolvido. Ouvir LPs é reproduzir um ritual. Mergulhar em uma experiência. Vai muito além da nostalgia.
Tirar um tempo para apreciar a arte da capa, ler atentamente o encarte com ficha técnica e não fazer nada a não ser virar o disco e se entregar à música é algo insubstituível. Em tempos de stress e pandemia, quando nossos lares se transformaram em nossos melhores amigos —ou inimigos?—, tudo isso se torna ainda mais necessário.
OBS: amo CDs e o que eles são capazes de proporcionar. É uma mídia perfeita. Mantenho minha coleção e também recorro ao streaming diariamente. Já que é impossível escutar analogicamente na fila do banco, na sala de espera do consultório ou caminhando pela rua.
Cada qual se encaixa melhor em um contexto. São diferentes e complementares, e aí reside a beleza da coisa. Não existe um formato inapelavelmente superior a outro. Esse é um debate que não leva a lugar algum e não precisa ser feito.
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